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A desmoralização do Espiritismo no Brasil

(Autor: Alexandre Figueiredo)

A influência católica da chamada Federação Espírita Brasileira, ao mesmo tempo não assumida no discurso, mas escancarada na prática, fez com que se deturpassem as lições tão arduamente dadas e difundidas pelo professor Hyppolite Leon Denizard Rivail, através do pseudônimo de Allan Kardec.

Não foi sem aviso. Kardec havia recebido do espírito Erasto advertências sérias de que espíritos iriam deturpar as ideias que constituem na Doutrina Espírita originalmente codificada através dos livros do pedagogo francês. A deturpação era similar à que a doutrina difundida por Jesus Cristo havia recebido na Idade Média, através do imperador romano Constantino, que muito eliminou da simplicidade, da sabedoria e da coerência do antigo mestre andarilho.

Na França, as primeiras deturpações ocorreram, uma vez que o país europeu sofria uma regressão política, em que o domínio da Igreja Católica tornou-se fortalecido e enérgico, o que fez inviabilizar o projeto de escola pública que Rivail e sua esposa Amélie Gabrielle Boudet, professora e artista plástica e parceira de todo o trabalho educativo do marido, sobretudo nas dificuldades que ele enfrentou para divulgar a doutrina espírita.

A mais cruel dessas deturpações veio por conta de um advogado, Jean-Baptiste Roustaing, que através de uma única médium - e não com mais de um, como ensina o método de Kardec - , que havia lançado um livro, 'Os Quatro Evangelhos', supostamente atribuído a mensagens dos quatro evangelistas do Novo Testamento, mais o missionário Moisés.

"ESPIRITISMO À BRASILEIRA"

Tendo sido a primeira obra a constituir as bases da federação "espírita" no Brasil, Os Quatro Evangelhos causaram violenta controvérsia quando apostava na tese de que Jesus Cristo não teria tido vida carnal, se passando por um corpo fluídico que não teria sofrido as dores humanas que marcaram a vida dele.

Aparentemente, as polêmicas em torno de Roustaing, que constituíram numa "corrente" chamada rustanismo - ou roustainguismo, rustenismo - "queimaram" a reputação do advogado francês, mas o estrago foi feito e ao livro Os Quatro Evangelhos se juntaram livros brasileiros com erros históricos e abordagens caricatas da doutrina cristã, como um Jesus melodramático, choroso e infantilizado do livro 'Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho', atribuído ao espírito Humberto de Campos sob a psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Essas obras criaram um repertório ideológico do "espiritismo à brasileira" que a FEB desenvolveu até através de seu estatuto. E permitiu uma trajetória onde a mediunidade passou a ser um processo descontrolado e indisciplinado, apesar das "recomendações" de "disciplina, disciplina, disciplina" que o jesuítico espírito Emmanuel - que os estudantes de História brasileira conhecem como o Padre Manoel da Nóbrega - teria dito a Chico Xavier.

MÍSTICA SENTIMENTALOIDE

Sem a metodologia segura do professor Rivail, renomado cientista e poliglota que sempre foi fiel à averiguação científica, dentro do princípio de dúvida e questionamento defendido pelo filósofo e físico René Descartes, a mediunidade tornou-se caótica e envolta mais numa mística sentimentaloide do que na preocupação real de receber mensagens autênticas dos espíritos desencarnados.

Através da própria fama de Chico Xavier que, contrariando o caráter discreto dos médiuns consultados por Allan Kardec, se transformou no maior astro da FEB, a mediunidade passou a ser um espetáculo bem mais sensacionalista do que os fenômenos das mesas girantes que entretiam os franceses observados pelo professor francês.

A mediunidade brasileira se propagou sem que sejam conhecidas, no Brasil, as obras do magnetismo de Franz Anton Mesmer, estudado por Kardec, e que poderiam explicar muitos fenômenos da espiritualidade, uma vez que não há uma tradução sequer de um livro do cientista alemão no Brasil.

Com isso, ela se deu muitas vezes de forma irresponsável, sem verificação das mensagens recebidas, e há dúvidas se, com uma produtividade aparentemente fora do comum, Chico Xavier teria psicografado literalmente todas as obras atribuídas a este trabalho. Sua mediunidade, de fato, existiu, mas teria sido possível que, pelos seus compromissos de celebridade, parte das obras tidas como psicografadas teriam sido escritas por outrem para alimentar os lucros da editora da FEB. Caso controverso que mereceria investigações à parte.

O que se sabe é que virou um grande clichê a "mediunidade" brasileira. As obras literárias relacionadas são, em sua ampla maioria, dramalhões que narram espíritos com desajustes morais relacionadas a suas vidas carnais. Muitos espíritos aos quais se atribuem tais obras são conhecidos apenas por prenomes, alguns de origem latina.

A dupla analogia ao Brasil do século XIX, tanto no que diz ao catolicismo ainda forte quanto ao hábito da sociedade da época de ler folhetins é impressionante, tamanho o teor católico e melodramático dos livros ditos psicografados que inspiraram o imaginário sentimental dos ditos espíritas brasileiros, ainda tomados de forte misticismo católico.

Nas mensagens isoladas, como cartas ou depoimentos orais, a mediunidade adotada no Brasil tornou-se um processo impreciso, pois os espíritos, muitas vezes, não são aqueles que dizem ser. A glamourização das mortes de jovens, sobretudo das classes mais abastadas, atraía muitas famílias para os centros "espíritas" em busca de mensagens de conforto, mas muitas vezes são espíritos brincalhões que se passavam pelos entes queridos para mandar mensagens piegas e tranquilizantes.

Neste sentido, o dito "espiritismo" brasileiro não cumpriu a promessa e a presunção de "fé raciocinada". Pela sua influência católica, preferiu se manter numa fé cega e recusou-se a admitir a ciência com seriedade, descontadas as falsas posturas científicas que nada de fato querem dizer.

Afinal, a recusa científica está no misticismo extremo e nada questionado, numa fé cega que nada tem de raciocinada, numa falta de análise e senso crítico cuja gravidade é ocultada pelo deslumbramento místico, pela fascinação que os espíritos inferiores utilizam para seduzir as pessoas menos preparadas.

Com isso, perdeu-se uma grande oportunidade de estudar o processo mediúnico de forma responsável e criteriosa, dentro de critérios rigorosamente científicos que não temem o questionamento, a dúvida, porque se tratam de caminhos nem sempre agradáveis, mas seguros para a busca da verdade. O "espiritismo" brasileiro se perdeu no abismo da fé cega e nada raciocinada.

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OBS: Essa colaboração do jornalista Alexandre figueiredo mostra um retrato do que se transformou o Espiritismo no Brasil: uma seita igrejista como todas as outras, com dogmas resultantes da fé cega e da recusa em se analisar. E isso tem travado a evolução espiritual de todos, não apenas dos pretensos seguidores. O que é muito grave.

Resumindo o que aconteceu com a doutrina no Brasil, uso as palavras de José Manoel Barboza, um corajoso lutador pela retomada à origem doutrinária: "Perderam a vergonha. Mostraram as partes íntimas".

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