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Chico Xavier usa Humberto de Campos para criminalizar a razão

(Autor: Professor Caviar)

Extremamente tendencioso o conto "Diálogo e Estudo", cujo título ainda revela uma grande hipocrisia. Não bastasse o livro que inclui este conto, Estantes da Vida, de 1969, ser mais um que Francisco Cândido Xavier publicava usando o nome de Humberto de Campos (mal disfarçado pelo codinome Irmão X), ele coloca na conta do autor maranhense algumas posturas bastante delicadas, como a patriotada do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que poderia até ter tido um volume dois, nos tempos de Estantes da Vida, para acompanhar o ufanismo da ditadura militar tanto adorada pelo "médium" mineiro.

Reproduzimos este conto, que soa uma imitação grosseira do estilo de Humberto, já que Chico Xavier, atendendo o gosto do freguês, tentou ao longo do tempo, com a ajuda de editores da FEB e consultores literários, criar um "Humberto de Campos" mais verossímil, para verificar o descaramento que o deturpador brasileiro da Doutrina Espírita faz tentando botar autores mortos para concordar com tudo o que o "médium" pensava, forçando um vínculo que cria problemas, sobretudo para autores hoje esquecidos como o próprio Humberto e a poetisa Auta de Souza, esta de vida muito curta, porque eles não podem ser apreciados independente do tendencioso "médium".

O texto reproduzido abaixo, com muita certeza, não seria escrito por Humberto de Campos. Nem de longe. O estilo dos diálogos tenta se aproximar do autor original, mas quase como em uma paródia. E nele se observa o que Chico Xavier sempre quis fazer do "seu" Humberto de Campos: um reles pregador religioso dos mais igrejistas, coisa que o autor maranhense, com todo o respeito que ele manifestasse à fé religiosa, em nenhum momento iria fazer.

Com toda certeza, Humberto não se preocuparia em criminalizar a razão e criar um maniqueísmo simplório entre a ciência "admirável, mas perigosa" e o "sentimento religioso". São assuntos que não se fala, até porque, se a ciência revela seus males, a fé religiosa também revela outros, tão perigosos e ameaçadores. A própria ditadura militar, que naquela época fazia cinco anos e havia decretado, na véspera, o violento AI-5, foi inaugurada sob influência de uma grande passeata religiosa, a Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, em São Paulo, 1964, evento apoiado pela FEB e por Chico Xavier.

Humberto não teria se preocupado com essa briguinha entre ciência e religião, pois teria coisas muito importantes para fazer do que ficar endossando dogmas mistificadores e moralistas de um suposto médium. Vamos lá:

DIÁLOGO E ESTUDO

Por Francisco Cândido Xavier - Do livro 'Estante da Vida', atribuído ao espírito Humberto de Campos, pelo codinome Irmão X - Rio de Janeiro, FEB, 1969.

Teodomiro Ferreira e Cássio Teles saíam do templo espírita de que se haviam feito assíduos freqüentadores e o diálogo entre ambos rolava, curioso. Teles, agarrado aos conceitos de ciência pura; Ferreira, atento aos ideais religiosos.

- Então, meu velho – considerava o primeiro -, não será tempo de largar os chavões da fé? Não entendo a atitude dos Espíritos amigos, repetindo exortações de ordem moral!...

- Falam de Moisés, comentam Isaías, lembram Amós, entram pelo Novo Testamento e a história não acaba mais...

Ferreira lembrava, conciliador:

- É forçoso, porém, que você pondere quanto às exigências da alma. Que será da Terra se o coração não se elevar ao nível do cérebro?

- Não penso assim. Creio que a ciência, só por ai, clareará os caminhos da Humanidade.

- Sim, respeitemos a ciência. Desconsiderá-la seria loucura, mas é justo convir que não se lhe pode pedir intervenções no sentimento...

- Velharias!... Definam-se as coisas e o sentimento será corrigido. E, já que você encontra no sentimento a fonte de tudo...

- Cogitar de definições claras na vida é nosso dever; entretanto, a ciência na Terra explica os fenômenos, sem abordar as origens...

- Não concordo. Devemos à ciência tudo de grandioso e de exato que o mundo nos oferece.

- Até certo ponto, estou de acordo, mas os domínios científicos possuem os limites que lhe são próprios. Impossível desacatar a importância dos ensinamentos religiosos na sustentação da paz de espírito.

- Quem nos deu o automóvel e o avião?

- Claro que foi a ciência, mas isso não impede que o motor seja empregado para a condução de tanques e bombardeiros utilizados para destruir...

- A física nuclear? quem nos propiciou essa maravilha, destinada a patrocinar os mais altos benefícios para as civilizações do futuro?

- Sei que isso é prodígio da inteligência; contudo., não nos será lícito esquecer as vítimas das cidades que passaram pelo suplício da bomba atômica...

- Bem, você pensa assim, de outro modo penso eu... Não aprovo a pregação incessante que anda por aí... 

 A palavra seguia nesse tom, quando os dois se aboletaram, como de costume, num bar amigo para o cafezinho habitual.

O garção ia e vinha, quando, à frente deles, o televisor exibiu a figura de conhecido repórter, que passou ao seguinte noticiário, lendo expressiva nota da imprensa:

 “O mundo atual sofre o risco de ser destruído pela sua própria grandeza no campo da inteligência. O perigo mais insidioso, talvez, é que numerosas conquistas científicas, realizadas com intentos de paz, possam ser empregadas, de um instante para outro, nos objetivos de guerra. As descobertas na biologia molecular são utilizáveis no desenvolvimento de agentes letais e aquelas que se relacionam com as drogas abrem horizontes à ofensiva psicoquímica. Sabe-se que as armas biológicas, em forma de “spray”, são de fácil confecção, com possibilidades de espalhar a peste sobre homens e animais. A chamada “febre de coelhos”, conduzida por uma tonelada de “spray”, através de nuvens, dirigidas pelo vento, pode anular a resistência de milhões de pessoas. Um homem só, carregando pequena maleta de “vírus”, é capaz de contaminar as reservas de água endereçada à manutenção de grande cidade, conturbando-lhe a vida. Está demonstrando ainda que, com recursos microbianos, é possível, em pouco tempo, enlouquecer populações maciças. Uma tonelada de ácido lisérgico distribuída entre os habitantes de qualquer grande metrópole, através de canais alimentares, poderá torná-los esquizofrênicos, durante o tempo que isso venha a interessar ao inimigo. Químicos ilustres já asseveram que o mundo de hoje dispõe de venenos tão poderosos que bastarão alguns quilos deles para estabelecer a perturbação mental de nações inteiras. Fala-se agora que não é impossível operar ruturas na camada de ozônio que circunda a Terra, de modo a queimar lentamente as criaturas domiciliadas nas regiões que ficaram desprotegidas contra os raios solares infravermelhos. Além de tudo, comenta-se a possibilidade da criação de bombas nucleares semoventes, aptas a caminharem com os implementos próprios e que serão detidas tão-só pela explosão de um artefato atômico. Esses engenhos sinistros transportariam a sua própria carga e, se colocadas no rumo de determinadas zonas inimigas, reclamariam a utilização de um foguete interceptador significando autodestruição para qualquer grupo alinhado em defensiva...”

 O comentário deu lugar a programa diferente e Ferreira falou para o companheiro impressionado:

- Viu e ouviu com exatidão? A ciência é luz no cérebro, mas, só por si, não resolve os problemas da Humanidade. Que diz você de tão inquietantes perspectivas?

- É... é... – gaguejou Teles, evidentemente desapontado.

Toda a resposta dele, porém, não passou disso. 

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