(Autor: Senhor dos Anéis)
As relações entre religião e mídia são bastante notórias. Mas aqui no Brasil não temos contestadores de envergadura e visibilidade, não pela ausência de questionadores profundos como Eric Hobsbawm, Noam Chomsky, Christopher Hitchens e Umberto Eco. Gente do nível deles até temos de sobra, mas eles são barrados no nascedouro, boicotados na inscrição para os primeiros cursos de pós-graduação.
Barrando pensadores que poderiam nos contribuir com questionamentos aprofundados sobre problemas complexos, a burocracia acadêmica acaba abrindo caminho para a supremacia de intelectuais complacentes que, em vez de contestar os problemas existentes, fazem apologia dos mesmos, mesmo quando fingem forjar algum questionamento "científico".
Por isso problemas sérios como a overdose da informação, a degradação da cultura popular e, no caso do "espiritismo", o mito de Chico Xavier, não são desmontados com facilidade. A intelectualidade não só é complacente como forma um lobby em favor de causas que, no exterior, são questionadas sem medo.
E verbas públicas financiam as "atividades de risco" que se faz lá fora. Não tem desculpa de que contestar o "funk carioca" e sua forma de deturpar as classes populares irá prejudicar os recursos da Lei Rouanet ou trará impasses e desestabilidade a um mercado rentável de entretenimento. Lá fora totens suspeitos são desmontados, mesmo quando gozam de alta reputação.
É o caso, no âmbito religioso, de Madre Teresa de Calcutá. que, apesar de ter sido um mito bem organizado e ideologicamente sustentado por valores religiosos quase inabaláveis, não teve dificuldades de ser desmontado, seja pelo jornalista Christopher Hitchens, seja por acadêmicos de universidades canadenses.
FORMA COMO MITO DE CHICO XAVIER É TRABALHADA PELA GLOBO REMETE AO QUE SE FEZ COM MADRE TERESA EM DOCUMENTÁRIO DA BBC.
Aqui, porém, Chico Xavier é um mito que custa a ser desmascarado. Motivos de sobra existem, mas o fanatismo religioso dos chiquistas e a complacência dos meios jurídicos e acadêmicos, que têm medo de enfrentar, sem complacência, o "poderoso" mito, complica as coisas, mesmo que Chico Xavier seja um mito desorganizado, confuso e cheio de escândalos muito graves.
O lobby acadêmico é tanto que existem setores na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal de Juiz de Fora que fingem algum questionamento das atividades de Chico Xavier para depois manter o mito não apenas intocável, mas fortalecido.
E tudo isso deu origem não apenas a um longo processo de mitificação do anti-médium, feita há mais de 70 anos - antes de 1944 ele era apenas um "polêmico paranormal" e um aspirante a "mensageiro dos mortos" - , mas foi reforçado pela própria colaboração do poder midiático, ainda durante a ditadura militar.
Se ainda não identificamos o "Malcolm Muggeridge" que construiu o mito de Chico Xavier já em 1944 - o máximo que conseguimos é identificar o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, como mentor do processo - , podemos afirmar, no entanto, que o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), da BBC, foi decisivo na reinvenção mitológica de Xavier.
É só observar as reportagens que a Rede Globo de Televisão passava a fazer de Chico Xavier. A inspiração no documentário de Malcolm Muggeridge sobre Madre Teresa é explícita, e mesmo a edição de imagens é idêntica, assim como o discurso que é construído. É só observar programas como Fantástico e Globo Repórter ao longo dos anos para perceber isso.
ATÉ FRASES DE EFEITO SÃO A MARCA PUBLICITÁRIA QUE UNE MADRE TERESA E CHICO XAVIER.
As câmeras mostram instituições "filantrópicas". Nelas o filantropo aparece vendo pessoas carentes tomando sopa. O filantropo aparece acariciando crianças, visitando velhinhos doentes, acolhendo miseráveis nas ruas, saudando as pessoas em geral. Quando o filantropo chega em algum lugar, ele sempre é recebido com festa e cercado por multidões.
É o mesmo roteiro de Muggeridge que foi aplicado, no Brasil, a Chico Xavier. Do mito confuso e contraditório acumulado por escândalos diversos, se permitiu compensar com uma propaganda tardia mas "limpa", nos moldes do que o jornalista inglês havia feito com Madre Teresa de Calcutá.
Os mitos eram trabalhados depois da mesma forma. Reforça-se a imagem de "figuras caridosas" e estimula-se até a publicação de frases de efeito, geralmente dadas em entrevistas tendenciosas, para que se oferecesse "filosofia barata" para pessoas incautas e incultas.
Até a própria atividade filantrópica é vagamente mencionada, o suficiente apenas para estimular a emotividade das pessoas. Madre Teresa mostrava de forma superficial as casas de caridade das quais se dizia responsável. Já de Chico Xavier nem de informava muito sobre suas atividades, se limitando a citar ligeiramente atuações pontuais para lares em Uberaba.
DO LADO DOS DEFENSORES, CHICO XAVIER E MADRE TERESA SÃO IGUALMENTE COMPARADOS. DO LADO DOS CONTESTADORES, FOI O MITO MAIS VEROSSÍMIL QUE CONSEGUIU SER DERRUBADO.
O que chama a atenção é que, no Primeiro Mundo, quando ocorrem escândalos, eles se tornam mais evidentes. No Brasil que se torna o paraíso astral do "politicamente correto", eles se tornam muito mais sutis, praticamente inexistentes aos olhos do grande público.
Num país em que temos um MC Guimê imitando o Eminem, mas trocando o passado junkie do rapper estadunidense pelo perfil "boa pinta" de um caipira à procura de namorada, os escândalos de Chico Xavier repercutem muito menos do que os de Madre Teresa de Calcutá.
Descontando os escândalos anteriores a 1975, como a apropriação do nome de Humberto de Campos e o apoio a Otília Diogo, Chico Xavier não era visto voando de jatinho com magnatas corruptos nem beijando a mão de "coronéis" sanguinários, como seria o contexto brasileiro de alguém querendo cumprimentar tiranos, se dirigindo a poderosos fazendeiros ou a banqueiros do jogo-do-bicho.
Mas Madre Teresa fazia alianças com ricos corruptos, protegia padres pedófilos, ficava complacente com os empresários da Union Carbide, cuja má administração causou o trágico acidente em Bophal, na Índia, em 1984, e Chico Xavier, quando muito, apoiava a campanha de Fernando Collor e ficava complacente com pessoas comuns que matavam por impulsos emocionais.
Chico Xavier já era bastante conservador, como demonstra todo seu ideário. Apoiava a ditadura quando ela estava em sua fase mais cruel, matando pais de família e trabalhadores apenas por uma vaga acusação de atividades "subversivas" (contrárias ao regime militar). Defendia a aceitação do sofrimento, sem sequer gemer de dor, igualzinho Madre Teresa de Calcutá.
No entanto, numa socidade desorganizada como a nossa, o mito chiquista se torna sustentado e sustentável por causa dessa confusão. Porque o mito de Chico Xavier é confuso e contraditório por natureza. E sua reputação de "filantropo" foi alimentada pelo poder de manipulação que a Rede Globo ainda possui e que influencia até parte dos que se dizem seus opositores.
Afinal, o poder midiático investe no inconsciente coletivo, com um discurso sutil que poucos percebem. E como questionar é algo fora de moda no Brasil, faz sentido que o mito de Chico Xavier pareça mais resistente do que o de Madre Teresa, na medida em que a desinformação e o deslumbramento são hábitos muito comuns entre os brasileiros.
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