(Autor: Senhor dos Anéis)
A prisão a totens e dogmas, o uso de desculpas, a interpretação equivocada do bom senso e o uso deste de maneira leviana e contrária à natureza de quem disse. Assim, o "movimento espírita" reage às críticas à sua maneira, tentando se explicar sem medo de cair em contradição.
Usando em causa própria conceitos trazidos por Erasto - "Mais vale repelir 10 verdades do que aceitar uma mentira" - e Allan Kardec - "Se a Ciência provar que algum ponto do Espiritismo está errado, dará-se preferência à Ciência" - , os "espíritas" tentam a qualquer preço manter a confusão doutrinária em que mergulha há 131 anos.
Apegados aos totens de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, tentam a todo custo mantê-los no pedestal, corrompendo o sentido dos avisos contra os traidores do "espiritismo" dados por Erasto e por Kardec, ainda no século XIX. O recado de Erasto foi uma mensagem espiritual dada por um dos médiuns que estiveram a serviço de Kardec.
Erasto já nos preveniu que os inimigos do "espiritismo" iriam fazer um discurso dos mais belos possíveis, e iriam trabalhar suas imagens pessoais as mais dóceis e adoráveis possíveis. A roupagem da caridade e da filantropia são as armadilhas certas para que se permita a mistificação e o engano, travestidos de "boa palavra" e "boas ações".
Até a Máfia siciliana "lavava dinheiro" com "caridade". E o Chico Xavier que defendeu a ditadura militar, com suas próprias palavras, transmitidas pela televisão em 1971 e disponíveis no YouTube para quem quer ver, é, sim, um dos maiores traidores do Espiritismo, e seus livros um verdadeiro engodo literário dos mais confusos, contraditórios e tendenciosos.
Que bondade ele havia feito? Quase nenhuma! Ele era o inimigo maior da Doutrina Espírita trazido por Erasto. Chico Xavier foi o Jean-Baptiste Roustaing brasileiro, um Roustaing devidamente abrasileirado, que muito tardiamente foi transformado pelos manipuladores ideológicos da Rede Globo um equivalente ao hoje desmascarado mito de Madre Teresa de Calcutá.
As "bondades" de Chico Xavier ou eram frouxas - a "caridade paliativa" de esmolas que se esgotam como os peixes dados para quem não é permitido pescar por conta própria, e a educação que ensina a ler, escrever, fazer as contas mas não a questionar a realidade em volta - ou cruéis, como as "obras mediúnicas" que alimentam o sensacionalismo pela fraude e pela usurpação dos nomes dos mortos.
Neste sentido, as atuações do educador Paulo Freire, do geógrafo Milton Santos e do arquiteto Oscar Niemeyer foram muito mais significativas, em quantidade e qualidade, do que Chico Xavier, pelo nível progressista com que os três fizeram pelos brasileiros, através de ideias transformadoras que não se atolavam na caridade paliativa que apenas mascara a pobreza com esmolas.
O fato de que muitos dos "verdadeiros espíritas", no Brasil e em Portugal, terem sido padres em outras encarnações - ou talvez seja duvidosa a atribuição, ante o profundo desconhecimento dos "especialistas" da Ciência Espírita - , não é desculpa para se permitir que ideias igrejistas sejam mantidas em pé.
Os líderes e ideólogos "espíritas" caem em séria contradição, ao usar Erasto e Allan Kardec para a defesa de suas mistificações. Se observarmos bem, os dois previram a armadilha de Chico Xavier e sua "bela imagem" e sua "bela retórica". Mas sabe-se que no Brasil é muito comum que se elejam raposas para cuidar de galinheiros, bastando as raposas parecerem boazinhas e simpáticas.
Num país de debilitado hábito de leitura - agora temos a onda dos "livros para colorir" que encabeçam a lista dos "livros para ler" mais vendidos - , os livros de Chico Xavier, na medida em que não são lidos para o fim de investigação, são mistificados e, quando muito, manuseados por palestrantes "espíritas" para que deles não vazasse quaisquer de suas irregularidades.
Aliás, os mais de 400 livros que levam o nome de Chico Xavier não podem ser considerados "preciosidades", mas sim uma grande perversidade. Antes ele não escrevesse uma única linha, já que esses livros são verdadeiros crimes de lesa-doutrina, e isso não é uma constatação de quem o odeia ou de quem sente inveja de um caipira de Pedro Leopoldo ser considerado "unanimidade nacional".
Nada disso. Mesmo quem esboce alguma simpatia por Chico Xavier saberá, ao menor contato com seus livros, o quanto ele foi leviano em espalhar deturpações grotescas, o quanto seus livros contradizem de maneira vergonhosa as ideias de Allan Kardec, enganando os leitores com um repertório de mistificações baratas e relatos tipicamente ficcionais travestidos de "ciência espírita".
Acobertar a fraude com uma imagem de "bondade e humildade" torna-se mais pernicioso e muito mais deplorável porque não há como justificar pela "boa filantropia" e pelas "belas lições de humildade" a prática irresponsável e malfeita do Espiritismo.
A verdade é que Chico Xavier, seja ele adorado da forma que for - filantropo, médium, profeta, ativista, cientista, popstar etc - , transformou a Doutrina Espírita em uma desgraça, pela difusão leviana e perniciosa de ideias que se chocam fatalmente com os ensinamentos tão trabalhosamente desenvolvidos por Allan Kardec.
Até Chico Anysio e Fernando Pessoa, com suas multidões de personagens fictícios que "encarnavam", respectivamente, na encenação humorística e na obra literária, foram antenas psíquicas zilhões de vezes melhores que a de Chico Xavier, que na verdade quase nunca funcionou, quase como antena velha deixada esquecida em teto de galinheiro.
Imagine um Humberto de Campos de textos fluentes, prosa frequentemente descontraída, ligada a temas intelectuais ou da cultura laica de seu tempo, de escrita bem feita e ao mesmo tempo culta e simples, "voltar" sem boa parte do seu talento peculiar, mas na forma de um choroso militante católico que só fala de assuntos bíblicos e faz uma escrita pesada, pedante e nem sempre bem feita, com uma verborragia falsamente erudita mas sujeita a cacófatos e outros vícios de linguagem!
Outra coisa que os "bons espíritas" tão "cientes de sua bela missão" ignoram é que, se houve a ideia de ficar calado diante do erro e ficar complacente com as práticas anti-doutrinárias, a culpa cai diretamente a Chico Xavier, Divaldo Franco e quem estiver junto a eles. Essa acusação não é leviana nem fruto de qualquer tipo de inveja ou maledicência, mas de fatos que a realidade comprova.
Afinal, Chico Xavier sempre disse e sempre escreveu para as pessoas que estiverem sofrendo que aguentem seus infortúnios "sem queixumes" (palavras do próprio Xavier!), pedia para ninguém contestar coisa alguma, para sofrer e até para orar em silêncio e a única dor em que se aceita ouvir algum gemido é o da gestante no momento do nascimento de seu filho.
Isso é Chico Xavier. Se ele não falou de gemidos de gestante ou de outro tipo de dor, ele disse, em palavras exatas, que não deveríamos nos queixar ou questionar coisa alguma. Só a ideia de que o questionamento é desaconselhado por Chico Xavier o coloca em rota de colisão com Allan Kardec, que sempre estimulava o questionamento, até mesmo contra o próprio pedagogo francês.
O que Kardec pensava é que ele, com sua honestidade na busca do conhecimento, não temia o debate, porque sabia que as ideias é que estavam em jogo. O próprio pedagogo achava que sua Doutrina Espírita era uma novidade, e ele necessitava de debate, de pesquisas e estudos sérios. Além disso, Kardec fazia jus ao famoso ditado popular "quem não deve, não teme".
Já Chico Xavier, que achava que o debate era fonte de maledicência, sabia bem da desonestidade doutrinária que fazia com muito gosto. O questionamento seria uma forma de desmascará-lo, e sorte dele que o Brasil, sendo um país ultraconservador, não permite que aspirantes a Christopher Hitchens ultrapassem as portas das primeiras seleções do Mestrado.
Se tivéssemos um equivalente a Christopher Hitchens, Chico Xavier seria reduzido a pó. O castelo de areia da "humildade e bondade" seria dissolvido facilmente com os questionamentos e as revelações que estão por trás desse mito confuso que só se tornou relativamente "mais organizado" depois que a Rede Globo tomou conhecimento do documentário da BBC sobre Madre Teresa de Calcutá.
A Globo foi o Malcolm Muggeridge brasileiro que reinventou Chico Xavier. E boa parte desse mito de "bondade" foi fabricado pela emissora, um mito que soa como água com açúcar para os corações e mentes de muitos.
O apego desesperado a Chico Xavier defendido pelos "bons espíritas", com seu descaramento de usar até mesmo Kardec e Erasto para defender coisas que os dois não defenderiam, é que revela o pânico travestido de serenidade de seus líderes, ideólogos e palestrantes.
É esse apego que faz com que as pessoas se acorrentem ante a um mito de "humildade e bondade" do qual se tem muitas dúvidas. Afinal, é o mesmo Chico Xavier misericordioso com o "reino de amor" construído por pessoas como o recém-falecido Brilhante Ustra, o truculento coronel do DOI-CODI tão sedento de sangue e violência que ele mesmo torturava e agredia presos políticos.
Daí ser risível dizer que Chico Xavier é admirável pelo exemplo de desapego e humildade, enquanto seus seguidores se tornam escravos de seu mito, acorrentados ao prestígio do falecido anti-médium, e bastante apegados na sua imagem de "amor e bondade", na sua incapacidade de serem caridosos e fraternos por conta própria. O mito "faz" o que as pessoas são incapazes de fazer por si mesmas.
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