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Questões acerca do "Parnaso do Além-Túmulo"

(Autor: Senhor dos Anéis)

O primeiro livro atribuído à mediunidade de Chico Xavier, Párnaso de Além-Túmulo, é um conhecido item da bibliografia do "movimento espírita" brasileiro. Com poemas atribuídos a espíritos de poetas falecidos, a obra tornou-se um grande sucesso de vendas e lançou o médium católico à fama, iniciando-se o mito que se tornou até os dias de hoje.

No entanto, como na bibliografia atribuída ao médium, a obra mostra suas falhas e equívocos. Vale lembrar que Chico Xavier de fato foi um médium, com seu dom cientificamente comprovado em muitos aspectos, mas nem todos os livros são fruto de sua mediunidade, já que é muito provável que os interesses comerciais da Federação Espírita Brasileira (FEB) teriam feito produzir, por meio de outros autores encarnados, parte dos livros atribuídos a Xavier, suspeita que ainda depende de alguma identificação mais precisa.

O que se sabe é que a produtividade de Chico Xavier, associada aos compromissos que ele tinha como uma celebridade associada à filantropia, a fé e à visitação pública, não teria sido assim tão grande para produzir, em dados momentos, uma média de quinze livros por ano. Teria mesmo ele uma agilidade extrema para juntar compromissos pessoais, contatos com as pessoas e produzir, num só ano, livros de cerca de duzentas páginas, com a presumida disponibilidade para ouvir as palavras ditadas por espíritos?

O primeiro livro, no entanto, foi lançado sob um ritmo de produção mais modesto de Chico, em 1932. Na verdade, a edição definitiva de Parnaso de Além-Túmulo se deu ao longo de 23 anos, quando sucessivas edições, até a 6ª, em 1955, tiveram acréscimo de novos poemas. A primeira edição atribuía os poemas a 13 autores conhecidos e um anônimo. A de 1955 já atribuiu as obras a 56 poetas.

O primeiro equívoco a se notar no livro é o contexto histórico da obra, já que o termo "Parnaso" relembra Parnasianismo e alude a um movimento literário há um bom tempo fora de moda em 1932. Só para se ter uma ideia, era época dos dez anos da Semana de Arte Moderna, e o movimento modernista estava bastante consolidado no ano do livro.

Outro equívoco é que nem todos os poetas atribuídos eram do movimento parnasiano, havendo até mesmo poetas românticos como Castro Alves e Casimiro de Abreu como supostos autores. No entanto, há a atribuição de alguns poemas ao poeta parnasiano Olavo Bilac, além de outros como os simbolistas Cruz e Souza e Augusto dos Anjos.

LINGUAGENS DUVIDOSAS

O terceiro equívoco, e o mais grave, talvez até gravíssimo, é quanto à linguagem dos poemas dos autores supostamente psicografados com o que eles haviam produzido em vida. Estudiosos da literatura brasileira como Agripino Grieco, o escritor João Dornas Filho e o crítico literário Osório Borba, os dois primeiros na década de 1940 e o terceiro em um artigo de 1958, viam nos poemas de Parnaso de Além-Túmulo pastiches grosseiros se comparados às obras que os supostos autores deixaram em vida.

Os pastiches chegam a um nível de um poeta, como Antero de Quental, estar associado a um poema supostamente psicografado que apresenta paródias de estilo de outro poeta, Augusto dos Anjos. Mas as denúncias tomam como um dos piores exemplos a poesia atribuída a Olavo Bilac, considerada de qualidade inferior ao que o poeta parnasiano, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, havia deixado em vida.

João Dornas Filho, em artigo da Folha da Manhã (um dos embriões da atual Folha de São Paulo), de 19 de abril de 1945, havia escrito sobre o poema atribuído a Bilac: "Esse homem que em vida nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto teria ditado ao Sr. Xavier sonetos interinos abaixo de medíocres, cheios de versos mal medidos, mal rimados e, sobretudo, numa língua que Bilac absolutamente não escrevia!".

Osório Borba também expressa sua crítica com a mesma energia definindo os poemas atribuídos a Bilac como "sonetos verdadeiramente reles, e incorretos, pensamento primário, péssima linguagem, péssima técnica poética, que qualquer ‘Caixa de Malho’ recusaria". "Caixa de Malho" teria sido uma antiga publicação sobre literatura.

Para fazer uma comparação, reproduzimos dois poemas, um que Olavo Bilac publicou em 1888, no seu livro Poesias, intitulado "Velhas Árvores", e outro atribuído a ele intitulado "Brasil", que cita sobretudo a expressão "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" muito do agrado dos diretores da FEB.

VELHAS ÁRVORES - Soneto de OLAVO BILAC (Poesias, 1888)

Velhas Árvores Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

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BRASIL - Atribuído ao espírito Olavo Bilac (Parnaso de Além-Túmulo, 1932)

Desde o Nilo famoso, aberto ao sol da graça,
Da virtude ateniense à grandeza espartana,
O anjo triste da paz chora e se desengana,
Em vão plantando o amor que o ódio despedaça,

Tribos, tronos, nações... tudo se esfuma e passa.
Mas o torvo dragão da guerra soberana
Ruge, fere, destrói e se alteia e se ufana,
Disputando o poder e denegrindo a raça.

Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,
Acende nova luz em novo continente
Para a restauração do homem exausto e velho.

E aparece o Brasil que, valoroso, avança,
Encerrando consigo, em láureas de esperança,
O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.


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Quem não tem uma observação cautelosa, sobretudo os leigos em poesia para os quais basta qualquer lirismo, acreditará que o poema em questão era realmente de Olavo Bilac. Mas os especialistas em literatura, que não veem a poesia como mero adoçante emocional, como uma expressão de um lirismo qualquer nota para o entretenimento das famílias, verá aberrações sérias de estilo comparando um poema e outro.

É possível que o parnasianismo seja um estilo culturalmente mais restritivo depois de 1922, quando o Brasil passou a adquirir expressões mais abertas no âmbito social, artístico e cultural. O escritor modernista Oswald de Andrade, de forma jocosa, havia definido o parnasianismo com a seguinte frase: "Só não se inventou a máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano".

Mas mesmo assim o parnasianismo, mesmo elitista, tinha seu valor como linguagem, sobretudo na sua sofisticação estrutural poética e pelo engajamento intelectual de seus poetas, sobretudo Olavo Bilac, que sem dúvida alguma, à sua maneira, deram contribuições para a formação da intelectualidade brasileira de seu tempo.

O que se observa nestes dois sonetos é que o segundo, supostamente psicografado, apresenta falhas estilísticas se comparado ao primeiro. Ele não tem a cautelosa estrutura métrica própria do poema parnasiano, além de mostrar uma pieguice e um certo ranço pedante na citação de lugares da Antiguidade, como o rio Nilo, que passava pelo Egito, e a Grécia no apogeu de sua imponência cultural e militar.

O poema, como descrevemos, cita também, no seu último verso, a "bandeira" ideológica da FEB, que seria usado para título de um livro de prosa, atribuído a Humberto de Campos mas também considerado de estilo bastante inferior à obra que este deixou em vida, sobretudo porque este livro, "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", mostra um Jesus Cristo caricato e patético, emocionalmente fraco e auxiliado por um espírito supostamente superior a ele, chamado Helil. Mas isso é outra história.

PANFLETARISMO RELIGIOSO

O que se nota, também, nos poemas psicografados, aliás, como em toda mensagem psicografada ou dita psicografada, é o caráter monotemático, de mensagens que não diferem muito da mesmice religiosa de "pregar amor e caridade", consistindo num panfletarismo religioso, dotado sobretudo de muita pieguice.

Podem ser poetas românticos, parnasianos ou simbolistas, ou mesmo autores religiosos. O tom é o mesmo, é a mesma pregação religiosa, como se no além-túmulo todos se tornassem necessariamente militantes da fé e da filantropia. São temas que se tornam enfadonhos se encarados fora da credulidade místico-religiosa, e que soam muito estranhos pela sua obrigatoriedade temática. Afinal, é impossível que Vinícius de Moraes possa produzir, no mundo espiritual, poemas sensuais que ele havia escrito em vida?

O caráter monotemático também faz com que, em comparação com as diversas mensagens espirituais publicadas nos livros básicos de Allan Kardec - recomenda-se ler as traduções de Herculano Pires, que respeitam os textos originais - , que trazem uma diversidade de enfoques e ideias mesmo dentro do tema da moral humana, haja uma mesmice suspeita nas abordagens dos "poetas" de Parnaso de Além-Túmulo, o que põe em dúvida a veracidade das autorias atribuídas.

A HIPÓTESE DE FRAUDE

Segundo o blogue Obras Psicografadas, o livro Parnaso de Além-Túmulo teria sido uma fraude montada por um sobrinho de Xavier, Amauri Pena, com base em texto publicado no livro do frei católico Boaventura Kloppenburg, "O Espiritismo no Brasil". Boaventura, alemão radicado no Brasil, acompanhou de perto a trajetória de Chico Xavier e este livro ele publicou em 1960.

Segundo o livro, Amauri teria revelado em 1958 à imprensa: "Tudo o que tenho psicografado até hoje, apesar das diferenças de estilo, foi criado por minha própria imaginação, sem que precisasse de interferência de almas do outro mundo (...) Depois de ter-me submetido a esse papel mistificador, durante anos, usando apenas conhecimentos literários, resolvi, por uma questão de consciência, contar toda a verdade".

Amauri, então com 25 anos, ainda acrescentou: "Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia ou sentia de estranho, quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levando a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas. Insistiam para que fosse médium".

O artigo cita o talento de Chico Xavier em escrever poemas, alguns até foram publicados num jornal antes dele ser conhecido por suas faculdades mediúnicas. E, a título de comparação, o texto de Obras Psicografadas cita o caso do falsificador de arte italiano Alceo Dossena, um habilidoso imitador de diferentes estilos de esculturas.

Embora não haja ainda qualquer conclusão sobre a validade ou não do livro Parnaso do Além-Túmulo, as dúvidas a respeito do conteúdo desse livro são fortes e preocupantes e fazem parte de uma série de irregularidades que rondam a trajetória do movimento espírita no Brasil.

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OBS: O famoso primeiro livro supostamente psicografado por Chico Xavier levantou uma série de polêmicas, pois os poemas creditados a autores famosos fogem completamente do estilo e da qualidade dos autores a eles atribuídos. 

Xavier é uma figura bem polêmica, pois apesar de venerado pelo Movimento Espírita brasileiro, tem sido muito incoerente nas obras que assinava, demonstrando total desconhecimento da doutrina que dizia abraçar, enganando culposamente os seus seguidores, que leem ficções e deturpações, pensando se tratar de complementação doutrinária.

Os parentes dos autores envolvidos deveriam processar a FEB, já que a autoria dos poemas publicados no livro são bastante duvidosas. Até porque Kardec já mencionou no Livro dos Médiuns que a identificação de espíritos não é tão fácil assim e é muito comum espíritos gozadores se apresentarem com os nomes de personalidades prestigiadas para atrair vítimas para as suas obsessões. Possível caso dos espíritos que ditaram esse livro, se é que ele foi realmente psicografado.

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