(Autor: Professor Caviar)
A vida, segundo o "espiritismo" brasileiro, guiado por um etnocentrismo dos mais velhos, é terrível. A juventude é um período de sacrifícios, limitado tão somente à instrução e formação profissional, mas também pela servidão e pelas limitações trazidas pela rotina de muito esforço e pouco prazer. A velhice, única fase de descanso e lazer, é marcada por intensas limitações físicas.
Extremamente conservador, o "espiritismo" criminaliza o prazer humano, sempre visto como fonte de maldades e tentações, e não como um instrumento possível para aperfeiçoar as atividades e até o serviço humano. O ser humano tem que fazer e encarar aquilo que não gosta e não sabe, e tem na encarnação uma gincana pesada em doses militarescas, na qual terá que suportar o maior número de dificuldades, infortúnios e obstáculos para sobreviver, em busca de recompensas na "vida futura". Compra-se o prêmio futuro com o estelionato moral da desgraça.
Vamos analisar três enunciados de matérias do Correio Espírita de maio de 2019:
"Jovem, estude, trabalhe, tenha cuidado com as drogas e dê um beijo em sua mãe cada vez que puder".
"Quando as mães se tornam um pouco Maria"
"Doenças, castigo divino?"
Juntemos essas ideias em torno do moralismo "espírita", nessa pretensa "fábrica de Cristos" que recomenda que cada um carregue sua cruz em busca do prêmio divino. Nada de prazer, nada de desejos, a ideia é apenas cumprir o que os "espíritas" definem como "desígnios de Deus", onde as adversidades, muitas vezes, surgem como maremotos violentos a atingir sua casa.
A figura de Maria vem como uma analogia da mãe que, com certeza, tem a inegável virtude de protetora e amparadora nas dificuldades. No entanto, o "espiritismo" brasileiro superestima a figura da mãe de Jesus, atribuindo a ela um messianismo que ela nunca teve. Afinal, o episódio de Jesus fugindo de seus familiares para falar com intelectuais da Judeia e, depois, de trocar a carpintaria pela peregrinação, revela desavenças de Jesus e Maria, que nunca entendeu a missão de seu filho.
É evidente que os pregadores do "movimento espírita" irão pôr açúcar nas suas divagações moralistas sobre o sacrifício humano. São como esposas de pais severos que tentam, com uma retórica dócil, dizer que um sacrifício e uma desgraça extremas são "benéficos", não pelo benefício averso da reeducação da alma, que o infortúnio moderado, como um remédio dado em limitada dose, pode inspirar como um regulador de desejos e necessidades pessoais.
Afinal, a Teologia do Sofrimento oferece esse "remédio" acima da dose, pouco se importando com a overdose das desgraças e adversidades vindas sob controle. E é lamentável que, quando informados da desgraça extrema dos infortunados, vários "espíritas", em vez de sentir compaixão, se enchem de júbilo, acreditando que "é na agonia extrema que o sofredor recebe o abraço de Deus". Não se sabe até que ponto a desgraça atingirá seu grau extremo, e isso é terrível para o sofredor cujo corpo treme de tão assustado com os infortúnios acumulados sem controle.
Sim, temos que usar a juventude para estudar e servir. Mas o excesso de servidão e sacrifícios, acrescido de adversidades imensas, esmagam e depreciam a alma. Com os problemas psicológicos do sofrimento extremo, surgem os problemas de saúde pelo efeito psicossomático, e a velhice se torna ainda mais dolorosa.
Mas mesmo quando se resigna, através da forma religiosa do sentimento masoquista, com o acúmulo de infortúnios, a meia-idade e a velhice não são garantia de bonança, com as limitações físicas e o esgotamento corporal e mental, numa época em que se é liberado da carreira de sacrifícios e até de infortúnios. Há a perda de amigos de infância, a fraqueza em atividades antes exercidas com certa energia, e os "espíritas" ainda acreditam que o anoitecer e o amanhecer são a mesma coisa.
Enquanto isso, o "balé das palavras" do moralismo "espírita", capaz de desmentir amanhã o que disse de maneira taxativa hoje, revela-se um driblador de argumentos. Fugindo da lógica e do bom senso, o suposto Espiritismo catolicizado que temos no Brasil é apenas um esporte que equivalentes modernos dos escribas do tempo de Jesus e dos sofistas do tempo de Sócrates usam para ficarem com a palavra final, ainda que nunca se julguem "donos da verdade".
O malabarismo discursivo sempre é usado para livrar os "espíritas" de serem acusados de adotar posturas severamente cruéis. São como Pilatos enrustidos e fantasiados em falsos cristos, que pouco se importam com o sofrimento alheio, achando que a vida humana é tão somente uma "gincana de Deus".
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