Com a mais absoluta certeza, esse texto machuca muita gente. A busca da verdade e a defesa da honestidade passam muitas vezes por situações e cobranças desagradáveis, chocando muitas pessoas.
Quando Jesus de Nazaré reprovava os escribas de seu tempo, ele estava desqualificando totens religiosos da época. Os escribas eram os farsantes religiosos da Antiguidade, extravagantes da fé, falsos sábios, falsos humildes, falsos profetas, e Jesus pagou com a vida ao criticá-los, porque esses usurpadores da fé eram blindados pelas autoridades do Império Romano.
É assustador que, no itinerário da esperteza humana, os escribas do presente estejam a bajular o mesmo Jesus que rejeitou os escribas do passado. E não estamos falando dos chamados "evangélicos neopentecostais", com seus pastores e bispos eletrônicos, mas estamos falando dos "espíritas", que, mesmo bajulando Jesus e Allan Kardec, os traem 24 horas por dia, sete dias por semana, com igrejismo medieval não muito diferente dos antigos escribas, fariseus e saduceus.
O Brasil, país recente, com apenas pouco mais de 500 anos de existência, ainda se move pelas paixões religiosas que corrompem sua percepção da realidade. A infância da humanidade brasileira a faz escrava e refém de paixões religiosas, daquela fascinação obsessiva da associação da Fé com a Beleza, como se tudo que fosse religião fosse necessariamente sublime. Mas não é.
Dissemos isso porque o apego a supostas psicografias que trazem mensagens religiosas impede as pessoas de reconhecer farsas, mesmo em dados sutis, que estão escondidos em textos que imitam, de forma mais superficial do que se pode imaginar, os estilos pessoais dos autores mortos. Muitos se sentem entorpecidos pelo açúcar das mensagens e pela fé extremada e irracional que elas apresentam.
É NECESSÁRIO DENUNCIAR SUPOSTAS PSICOGRAFIAS, MESMO QUE APRESENTEM "LINDAS MENSAGENS"
Daí que dizer que é necessário denunciar e até processar aqueles que produzem pretensas psicografias, por mais lindas que pareçam as mensagens. Essa recomendação não vem de pessoas caluniosas, inimigos dominados pelo instinto de vingança e intolerância, mas da própria literatura kardeciana, das recomendações de Erasto, que em várias passagens disse para termos cuidado com pretensas mensagens que apresentem aspectos aparentes de beleza sublime.
A própria Natureza nos traz coisas traiçoeiras. A ariranha é um animal gracioso em aparência, mas selvagem e mortalmente agressivo. A hiena parece viver sorrindo, mas é um animal muito feroz. Algumas espécies de rãs, bem graciosas, são altamente venenosas. A mancenilheira é uma bonita árvore que dá frutos saborosos, mas toda ela é venenosa, e seus frutos são mortais quando ingeridos, causando uma morte dolorosa por intoxicação alimentar.
A figura de Francisco Cândido Xavier que, apesar de sua feiura física, foi trabalhada para estar associada a apelos de suposta beleza próprios do "bombardeio de amor", traz azar para aqueles que não compartilham do perfil ultraconservador do "médium" (que era tão reacionário quanto Jair Bolsonaro). Chico Xavier foi um católico ortodoxo e medieval, que só foi banido de sua crença original porque alegava suposta paranormalidade.
Não por acaso, várias pessoas que prestavam devoção a Chico Xavier passaram a enfrentar perdas súbitas, tragédias com entes queridos, encrencas surgidas do nada etc. O mau agouro da adoração ao "médium" servia apenas de anestesia para pessoas que, no fundo, revelam profunda insegurança mental e moral e falta de discernimento sobre quem é realmente digno de devoção religiosa ou não. Devemos admitir que Chico Xavier só virou ídolo religioso de vez por causa de um poderoso lobby que envolveu a FEB, a ditadura militar e a mídia hegemônica, primeiro os Diários Associados, depois as Organizações Globo.
CONTROLE UNIVERSAL DO ENSINO DOS ESPÍRITOS
É corrente a piada de que os adeptos do "espiritismo à brasileira" só entenderam o C. U. E. E. (Controle Universal do Ensino dos Espíritos) pela metade, acolhendo apenas as duas primeiras letras da sigla. A anedota diz muito à incompreensão quanto ao rigor que se deve ter com mensagens tidas como "espirituais" e a aceitação servil a qualquer mensagem que use o nome de um morto ilustre e traga recados religiosos.
As pessoas reagem, chorosas, sobre a necessidade de repelir supostas psicografias, dos livros atribuídos a Humberto de Campos às mensagens atribuídas a um Domingos Montagner, sem falar do risco de surgir uma falsa mensagem de Ricardo Boechat supondo que ele "se arrependeu do seu ateísmo, que o levou para o umbral por conta do acidente de helicóptero motivado pelo 'abandono a Deus'".
Essas pessoas logo dizem: "Que crueldade pensar assim. Tantas mensagens lindas, tanto recado de consolação e conforto emocional...", "Não faz assim, essas mensagens são o pão dos pobres..." e tantas tolices que só num país emocionalmente vulnerável como o Brasil são consideradas válidas. O nosso país ainda vive num arremedo doentio de infância, com pessoas sentindo saudade dos contos de fadas, que veem "recuperados" nas supostas psicografias.
A verdade que essas pessoas de coração mole não querem admitir é que o próprio Allan Kardec rejeitou a maior parte das mensagens que ele recebeu de médiuns, supostamente de autores espirituais diversos. Imaginamos muitas mensagens presentes nas chamadas "Instruções dos Espíritos" da obra kardeciana, mas esquecemos que elas são apenas 4% do material que ele recebeu. Kardec rejeitou a maioria esmagadora, nas quais teve muita dúvida de que pudessem ser verídicas.
Kardec estabeleceu o Controle Universal do Ensino dos Espíritos recomendando muito cuidado. Ele disse que é muito difícil ver a veracidade em mensagens espirituais e a menor cautela e a menor desconfiança são necessárias. Ele recomendava que se solicitasse uma comunicação espiritual a, pelo menos, três médiuns distantes entre si e sem qualquer relação, por indireta que fosse.
Mas o fato de que um suposto espírito ter se manifestado por estas três fontes não é suficiente. Nas mensagens deve-se ter uma cautela ainda maior. Não se devem considerar as semelhanças, mas aspectos que não sejam comprometedores. Se houver um pequeno aspecto comprometedor que coloque uma das três mensagens contra as demais ou contra o que teria sido seu suposto autor quando ele esteve vivo, não há chance de autenticidade.
EMOTIVIDADE PARA ENGANAR AS PESSOAS
As "lindas mensagens" supostamente psicográficas são um gancho muito perigoso para fazer os leitores serem emocionalmente envolvidos e, em seguida, enganados. Os brasileiros são muito manipulados a admitir veracidade em mensagens que são agradáveis e supostamente positivas, e isso é extremamente prejudicial, em que pese os efeitos analgésicos que tais mensagens causam, como verdadeiros remédios que, perigosos e nocivos, causam um efeito de relaxamento mental.
Erasto de Paneas, um dos espíritos aproveitados por Allan Kardec pelo nível de seriedade e até de alertas que transmitiu em suas mensagens espirituais, trouxe vários conselhos que soam desagradáveis e até insuportáveis para os seguidores e apoiadores do deturpador Chico Xavier, e reagem fingindo concordância, mas fogem de medo de tais advertências.
Diz Erasto em mensagem publicada em O Livro dos Médiuns, Capítulo 20, "Influência Moral dos Médiuns", no item 230:
"Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé".
Em outras passagens, Erasto alertava para mensagens que mostravam ideias absurdas travestidas ou escondidas em textos aparentemente sublimes. É um terrível erro, de consequências dramáticas e até trágicas, que se meça a veracidade de um texto pela capacidade dele comover as pessoas, como se a verdade fosse uma questão de produção de lágrimas e não de coerência de sentido.
É preciso termos firmeza e repelirmos mensagens que não apontam provas de que teriam sido mesmo ditas pelos espíritos atribuídos. Não é preciso verificar muito o caráter duvidoso de muitas das supostas psicografias que circulam livremente, porque elas apresentam problemas sérios nos aspectos pessoais. Elas traem a lógica e o bom senso, e, por isso, ofendem a memória dos mortos. São mensagens feitas para produzir sensacionalismo. Encerramos o texto apontando alguns erros das "psicografias" atribuídas aos mortos que ilustram esta postagem.
SUPOSTA PSICOGRAFIA DE RAUL SEIXAS (CODINOME ZÍLIO, LIVRO UM ROQUEIRO NO ALÉM, LANÇADO PELO SUPOSTO MÉDIUM NELSON MORAES):
ERROS PRINCIPAIS: O suposto Raul Seixas aparece com o mesmo misticismo que o marcou nos anos 1970, quando, na década seguinte, o roqueiro havia abandonado essa fase. O "espírito Zílio" se manifesta de um jeito mais ingênuo do que Raul havia sido, e Raul estava bastante cínico e cético no fim da vida. Ideias absurdas como o "combate ao inimigo de si mesmo" são atribuídas a Raulzito, quando ele nunca seria capaz de dizer coisas tão retrógradas deste sentido.
SUPOSTA PSICOGRAFIA DE HUMBERTO DE CAMPOS LANÇADA POR CHICO XAVIER:
ERROS PRINCIPAIS: Linguagem forçadamente culta, porém prolixa e cansativa. Narrativa melancólica, em que falta o senso de humor original do autor maranhense. Existência de cacófatos. Temática invariavelmente igrejista e moralista, contrariando a natureza temática que Humberto trabalhou em vida.
SUPOSTA PSICOGRAFIA DE JUSCELINO KUBITSCHEK, POR WOYNE FIGNER SACCHETIN:
ERROS PRINCIPAIS: A linguagem convence - estima-se que Woyne tenha lido muito as memórias de Juscelino Kubitschek, sobretudo nas revistas da Editora Bloch - , mas um aspecto já derruba a veracidade da "psicografia": no episódio de Jataí, Goiás, quando uma chuva obrigou o então presidenciável a se instalar na cidade, um comício foi improvisado e Toniquinho da Farmácia perguntou se o candidato iria cumprir a Constituição de 1946 que prevê a criação da nova capital, Brasília. A história registra que Juscelino Kubitschek hesitou alguns segundos para responder. O livro "mediúnico" diz que "Juscelino respondeu sem hesitar".
SUPOSTA PSICOGRAFIA DE DOMINGOS MONTAGNER, PUBLICADA NA INTERNET EM TEXTO E VÍDEO:
ERROS PRINCIPAIS: O texto carrega demais no apelo religioso e na linguagem extremamente formal, contrariando a natureza do suposto autor, que, com toda a elegância de sua pessoa e de sua forma de escrever mensagens, não sucumbiria a apelos exageradamente igrejeiros como sugere a suposta psicografia.
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