(Autor: Professor Caviar)
Com a crise do "movimento espírita" atingindo graus extremos, mais uma vez a situação se volta aos anos 1970, mais ou menos entre a aposentadoria e a morte do então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, quando a cúpula da doutrina brasileira começou a entrar em sério conflito com as federações regionais.
Surgiram denúncias de que a FEB obtivera lucros financeiros com as vendas dos livros - em tese destinados à caridade - e que o poder central da federação nacional desagradava as federações regionais, que, resolvendo agir em revanche ao Pacto Áureo de 1949, iniciaram a "fase dúbia" na qual o igrejismo de raiz roustanguista não era abandonado, mas disfarçado com artifícios que dão a falsa impressão de "recuperação das bases espíritas originais".
A "fase dúbia" popularizou o "espiritismo" igrejista e criou um falso equilíbrio entre o espiritismo "místico" (catolicizado) e o "científico" (ligado às ideias espíritas originais lançadas por Allan Kardec), e a coexistência do joio igrejeiro e do trigo kardeciano criou uma falsa estabilidade que fez muitos imaginarem ver o "espiritismo" brasileiro como uma doutrina transparente, equilibrada e despretensiosa.
Mas as contradições graves, escondidas sob o tapete, se acentuaram cada vez mais. Se o nome de Jean-Baptiste Roustaing virou um palavrão, seus "ensinamentos" se propagaram, sobretudo através de romances "espíritas" e de pregações de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Este último se tornou o maior astro da "fase dúbia", através de ares professorais que, para os leigos, o faziam ser confundido como um seguidor exemplar do pedagogo de Lyon.
O auge de popularidade, com a reinvenção do mito de Chico Xavier, e a ascensão de Divaldo Franco revela o sucesso relativo da "fase dúbia" que prometia criar um "espiritismo ideal", com a coexistência "equilibrada" de ideias científicas com crenças igrejeiras. Mas isso tornou-se ainda pior do que a campanha agressiva de Wantuil, que fez o "espiritismo" virar mais um fenômeno pitoresco e sensacionalista do que uma religião em busca de popularidade.
Neste caso, a "fase dúbia" tentou evitar sensacionalismos e conflitos. O "movimento espírita" passou a enfatizar a ação das federações regionais, em detrimento do poder central da FEB. A deturpação se tornou mais light e os deturpadores que não faziam parte da cúpula da FEB ou dela se afastavam - como Chico e Divaldo - passaram a bajular os espíritas autênticos e virar elogiadores baratos de qualquer personalidade científica, ativista e humanitária que encontrarem pela frente.
Daí tantos artigos em publicações "espíritas" bajulando todo tipo de benfeitor autêntico: Martim Luther King, Mahatma Gandhi, Paulo Freire, os irmãos Dom Paulo e Zilda Arns, Charlie Chaplin, e por aí vai. Toda a roupagem de "caridade" e "amor" parecia fazer o "espiritismo" brasileiro se tornar a religião dos sonhos de todo brasileiro. Mas isso não ocorreu.
O que se viu foi um aspecto bastante sombrio. As pregações "espíritas", sobretudo da parte dos "médiuns" dotados de muito estrelato e beneficiados pelo culto à personalidade, sucumbiram a um conservadorismo católico que nem a Igreja Católica prega mais, contrariando a imagem futurista que tanto se atribui ao "espiritismo" no Brasil.
Os "espíritas" passaram a pregar a Teologia do Sofrimento, corrente medieval católica que o "espiritismo" adotou via Chico Xavier, e que remete ao pensamento medieval dos primeiros tempos do Catolicismo. Na prática, o "espiritismo" brasileiro se aproximou do imperador Constantino e se afastou de Allan Kardec.
A dissimulação de muitos palestrantes "espíritas" não adiantou. Uns criticavam a "vaticanização" e os "novos Constantinos", mas exaltavam tudo isso que reprovavam no discurso. Outros citavam Erasto, ignorando que eram eles mesmos os maiores alvos das críticas do discípulo de Paulo de Tarso, e desprezavam que Erasto criticava muitas práticas feitas com muito gosto pelos "médiuns" brasileiros.
Isso só fez acentuar a crise, porque os verdadeiros problemas nunca foram resolvidos. Os deturpadores do Espiritismo no Brasil apenas se dividiram entre o "alto clero" isolado nos escritórios centrais da FEB e os "astros" que fingiam "recuperar as bases doutrinárias". Mas o igrejismo no "espiritismo" brasileiro ficou tão forte que, no Brasil, o legado kardeciano se rebaixou a uma recuperação não de suas bases doutrinárias, mas das bases obsoletas e austeras do velho Catolicismo jesuíta do período colonial.
Diante desse impasse, os "espíritas" por enquanto se ocupam de ser apenas um receituário moral e um arremedo de filantropia, mostrando a erosão doutrinária que deixou acontecer. E o velho fantasma (desculpem o trocadilho) da velha promessa de "aprender melhor Kardec" vem à tona, com os mesmos deturpadores falando em "viver Kardec" e cobrando dos "espíritas" atitudes que nem os próprios deturpadores se interessariam em tomar.
É a velha ameaça dos deturpadores comandarem uma suposta recuperação "pra valer" das bases espíritas originais. A velha falácia das raposas querendo recuperar o galinheiro que destruíram. E nós somos "convidados" a aceitar a "fraternidade da raposa com as galinhas" do "espiritismo" brasileiro, acreditando na "bondade" dos deturpadores, que com um arremedo chinfrim de caridade, se promovem como ídolos religiosos absolutos, gozando para si a imunidade social que nem os políticos do PSDB possuem mais.
Isso vai ser ruim porque, se continuarmos dependendo dos deturpadores do Espiritismo para recuperar as bases doutrinárias originais, o legado de Kardec no Brasil será sempre manchado pelas eternas contradições igrejeiras e vaticanizadas que nos impedem a ver a verdadeira natureza do espírito e do mundo extra-corporal.
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