O Brasil vive um gravíssimo problema de percepção humana. Uma boa parcela da sociedade brasileira têm seu nível de compreensão das coisas bastante atrofiado, chega à vida adulta ou mesmo à terceira idade com teimosias preocupantes e inflexíveis e sua visão de mundo é das mais intransigentes e desconectadas da realidade, a ponto de se tornar indiferente aos alertas do mundo inteiro a respeito de graves equívocos.
Vive-se a fascinação obsessiva, a níveis extremos, a um pretenso ídolo religioso, Francisco Cândido Xavier, que no entanto se ascendeu de maneira bastante desonesta e confusa. Está constatado, pelas pesquisas e análises cuidadosas e isentas a respeito de seus livros, que Chico Xavier produziu obras fake, sendo o pioneiro da literatura fake brasileira como se conhece hoje na Internet, em que pessoas se sentem na abusiva liberdade de usar o nome alheio, inclusive famoso, para forjar falsos textos.
Chico Xavier foi beneficiado pelas alianças entre a Federação "Espírita" Brasileira e a mídia hegemônica, e, deturpador do Espiritismo, passou a ser trabalhado como um "falso cristo" da doutrina deturpada brasileira. Isso é comprovado pelo conteúdo dos livros do "médium", que de maneira contundente e que deveria ser decepcionante, cometem traições graves aos ensinamentos espíritas originais.
Consta-se que Chico Xavier traiu mais Allan Kardec do que Judas Iscariotes traiu Jesus Cristo. Mas essa traição não se deu porque o "médium" era "espírita desde criancinha". Pelo contrário, Chico nunca escondeu seu catolicismo ortodoxo (a "heterodoxia" era apenas formal, devido à suposta paranormalidade), de evidente inspiração medieval, voltado para a Teologia do Sofrimento e inspirado no jesuitismo do período colonial, a ponto de evocar o nome do Padre Manuel da Nóbrega, que passou a ser apelidado de Emmanuel.
O ultraconservadorismo de Chico Xavier, cuja prova está na famosa entrevista do programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, sempre o acompanhou em toda sua vida e hoje já se fala que Chico teria apoiado a candidatura de Jair Bolsonaro, se o "médium" vivesse hoje. Embora chocante, argumentos condizem com tal hipótese.
Chico admitiria que Jair Bolsonaro tem "aspectos desagradáveis" de sua personalidade, além de estar associado a "sentimentos não muito saudáveis" da maioria de seus seguidores, mas, conforme seu ponto de vista, lembraria que Jair foi "batizado cristão" e seu projeto político apenas "impõe mais sacrifícios" aos cidadãos, permitindo o "resgate moral do espírito", o "desapego aos antigos privilégios materiais" e a "preparação, depois de um tempo de dificuldades, de um período mais fraterno e pacífico para o Brasil".
Até as tragédias e violências seriam justificadas por Chico como "efeitos dos reajustes espirituais" das vítimas, embora motivadas por "emoções exaltadas e sem controle" dos agressores, "que um dia receberão a sentença de Deus". A literatura de Chico ainda tem sutis apologias ao racismo (em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de 1938, negros e índios são classificados como "selvagens") e ao machismo, como a submissão da mulher ao lar descrita no livro O Consolador, de 1941. Mais tarde, em Vida e Sexo, de 1970, há uma posição homofóbica expressa em plena época hippie, pois o homossexualismo é descrito como "efeito da confusão mental dos seres humanos".
Embora muita gente possa achar um absurdo essa visão descrita no parágrafo anterior, ela é bem mais realista e coerente do que supor um esquerdismo que nunca existiu na mente do "médium". Não se pode deixar levar pelo pensamento desejoso, por mais que se junte fantasias agradáveis com alegações positivas.
É mais confortável e agradável supor que Chico apoiasse Lula ou Fernando Haddad, por causa da tal "missão de caridade" ou da "construção de um Brasil mais fraterno". Mas isso não procede. Se até a "namoradinha do Brasil", a atriz Regina Duarte, com sua beleza ainda atraente, é uma reacionária contumaz, se Monteiro Lobato já flertou com o fascismo e o jogador aposentado Pelé tem suas visões bastante conservadoras, assim como o cantor Roberto Carlos, que utilidade se tem em idealizar, num "médium espírita", um esquerdismo que nunca existiu.
Temos uma grande oportunidade de observarmos os valores sombrios do "médium", desafiando ao mais ferrenho pensamento desejoso, que cria mil devaneios em torno dele, justificando todo tipo de deslize, como o marido traído do anedotário popular, que sempre arruma desculpa para supor que sua mulher é fiel e só sai para "rever os seus priminhos".
O ultraconservadorismo de Chico Xavier é fato, e está presente em toda sua obra, na qual se desencoraja o questionamento, o senso crítico, a averiguação mais cuidadosa, o raciocínio mais aguçado. Como se fosse um retórico da ditadura militar, Chico apenas aceitava o raciocínio humano, a busca do Conhecimento e os trabalhos científicos dentro dos limites permitidos pela sociedade conservadora, e o "médium" seria um dos defensores mais convictos da Escola Sem Partido, queiram ou não queiram os partidários do pensamento desejoso que lhe atribuem um progressismo inexistente.
COMO SE DESENVOLVEM AS CONVICÇÕES PESSOAIS?
As comparações recentes de Chico Xavier com Jair Bolsonaro, que agradam boa parte dos bolsonaristas mas causam estranheza numa parcela dos chiquistas, trazem uma nova realidade que o pensamento desejoso dos seguidores do "médium" se recusam a admitir, prisioneiros que se encontram em fantasias nas quais a fascinação obsessiva e as paixões religiosas concebem, no mito do "médium", qualidades que não lhe cabem. Nem todos podem ser tudo na vida.
O que chama a atenção é a afinidade de sintonia que o "movimento espírita" como um todo e os redutos reacionários das redes sociais se encontram. Muitos seguidores de Chico apresentam uma visão abertamente anti-PT, e possuem uma pauta de ideias bastante conservadoras. Esses redutos das redes sociais são também redutos de fake news, o que causa afinidade com as "psicografias" que de regra se fazem no Brasil, em que claramente se vê problemas nos aspectos pessoais atribuídos aos autores mortos e se observa, também, tendencioso mershandising religioso do tipo "vamos nos unir na paz de Nosso Senhor Jesus Cristo".
As comparações ainda se aprofundarão e criarão um grande debate a respeito das percepções humanas. Afinal, as idolatrias de Xavier e Bolsonaro foram desenvolvidas da mesma maneira, embora eles, na aparência, apresentem "pólos opostos": o "médium" simbolizando supostamente o "amor" e o ex-capitão, o "ódio".
No entanto, os dois se sustentam pelos mesmíssimos valores do moralismo conservador e até seus lemas patrióticos se encontram surpreendentemente: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos", o que anima principalmente os bolsonaristas.
Os dois são figuras arrivistas que atingiram a idolatria e a fama. Chico se ascendeu com literatura fake, causando escândalos com livros que supostamente apresentavam obras de espíritos de escritores famosos, mas que de maneira explícita apresentavam falhas preocupantes quanto aos estilos originais dos supostos autores. Jair se ascendeu como um enfant terrible do Exército, posto prematuramente na reserva depois que foi acusado e julgado por planejar um ato terrorista.
Isso chama a atenção e mostra o quanto o erro humano, não o errinho de nada, mas aquele que provoca muita confusão e indignação, se torna a "receita de sucesso" de certos indivíduos em busca de fama e prestígio. Não é à toa que um "médium" da Bahia, José Medrado, encontrou sintonias vibratórias na Rádio Metrópole, onde trabalha, devido ao fato do dono da emissora, Mário Kertèsz, ter adquirido suas instalações e serviços através de um esquema de corrupção política.
E até que ponto os arrivistas podem representar a "receita do sucesso"? Isso se deve porque o brasileiro combina vícios perceptivos como a "memória curta", o "jeitinho brasileiro" e o "pensamento desejoso" com eventuais sensações de catarse emocional, que os faz inclináveis ao pitoresco, ao piegas e a outros apelos sensacionais.
Chico representa a catarse das paixões religiosas, o sensacionalismo místico e a ideia de "salvador da Pátria" através de bandeiras religiosas e uma visão ultraconservadora do que é "caridade", que não ameace os privilégios abusivos das classes dominantes, que em tese teriam seus problemas "resolvidos por Deus".
Mesmo pessoas dotadas de algum esclarecimento ou vanguarda ideológica são vulneráveis a muitos desses apelos. Muitos esquerdistas e ateus dão consideração a Chico Xavier sem perceber que ele foi um direitista convicto e com ideias bastante retrógradas. Jair Bolsonaro ganha a simpatia dos brasileiros que rejeitam o governo Michel Temer e seus retrocessos econômicos, embora o projeto político deste governante seja não só inteiramente defendido pelo candidato do PSL como ele pretende radicalizá-los e torná-los definitivos, como a reforma trabalhista e a reforma previdenciária.
Isso diz muito, assim como a falsa ojeriza à Rede Globo de Televisão, que mostra uma mania dos brasileiros: "odiar o professor e adorar suas lições". É como um herdeiro que odeia o pai e adora a herança, o que, no entanto, garante o sucesso do poder daquele que é odiado. É através de pretensos detratores que a Rede Globo exerce, amplia e consolida seus domínios, na medida em que esses supostos opositores da Globo, em que pesem estufarem seus peitos para cantar "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", seguem com fidelidade canina os valores trazidos pela emissora, das gírias ("balada", "galera") até seus ídolos musicais, dramatúrgicos e esportivos.
A situação, portanto, é propícia para verificarmos se a sociedade brasileira emburreceu. Quais são as suas falhas no âmbito educacional e cultural, quais suas obsessões emotivas, qual é o seu isolamento do mundo, reagindo aos alertas de outros países sobre os absurdos cometidos no país, quanto ao cumprimento das leis, quanto à apreciação da lógica e do bom senso e até em relação à morte de pessoas "não muito admiráveis".
Neste caso, vale lembrar que o psicopata Charles Manson faleceu em 2017, com ampla divulgação na mídia, sem que houvesse grande revolta a respeito desse óbito. Hoje, no Brasil, dois feminicidas famosos e idosos estão no fim da vida (com 81 e 84 anos) e a sociedade brasileira ainda se treme só de imaginar ver seus ilustres nomes no obituário do mês do Wikipedia, reagindo com rispidez só quando se fala que os dois homens, cujos respectivos crimes abalaram o país, estão com indícios de doenças graves e, provavelmente, terminais.
Se isso ocorre no Brasil, assim como os deslizes das leis que a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público fazem, ao arrepio dos princípios do Direito, então o nosso país está doente, pois se nossa História mostra grandes personalidades que morreram prematuramente, incluindo os admiráveis Alberto Santos Dumont e Mário de Andrade, por que a revolta em relação à possibilidade de dois machistas que mataram suas mulheres pelos mesmos impulsos que destruíram seus organismos, morrerem na casa dos 80 e tantos anos de idade? Que apego é esse?
Da mesma forma, temos também um quadro de pesquisas acadêmicas, trabalhos jornalísticos e de documentários cinematográficos que encontram sérios limites, muitos sob ferrenha imposição no mercado. No âmbito religioso, no exterior já se investigam farsas religiosas como a Cientologia e a seita NXIVM, que revelou o escândalo do envolvimento da atriz Allison Mack (estrela de Smallville). Mas aqui não há possibilidade de denunciarmos as traições que o "movimento espírita" faz do Espiritismo original, e só conceber um documentário denunciando a deturpação doutrinária e as fraudes dos "médiuns" já faz até o mais flexível patrocinador torcer o nariz.
O Brasil, com o fenômeno de Jair Bolsonaro e a fascinação obsessiva de Chico Xavier, ambos movidos por sentimentos de fanatismo e cegueira emotiva, se revela, através disso, seu profundo e preocupante atraso social, que já foi agravado pelos retrocessos cometidos pela ditadura militar e pode chegar às últimas consequências no simples caso do candidato do PSL chegar ao segundo turno da corrida presidencial, porque revelará uma adesão expressiva ao projeto de retrogradação do Brasil.
Os brasileiros precisam reavaliar seu inconsciente coletivo e repensar suas paixões, seus medos, seus temores. Ainda somos uma sociedade preconceituosa e confusa, capaz de confundir o "velho" com o "novo" apenas por uma questão de roupagem e convicções pessoais. Somos um dos países que mais adere a fake news e segue um fanatismo religioso que propicia o prestígio de "médiuns" de trajetória duvidosa. Temos uma relação mal resolvida com o conservadorismo ideológico, e recentemente o feminismo, através do "funk", foi promovido por paradigmas machistas.
Muitos se declaram progressistas e se apegam a valores e paradigmas conservadores, como a idolatria a Chico Xavier, enquanto outros se declaram rebeldes mas se identificam com projetos autoritários e repressivos representados por Jair Bolsonaro. Tudo isso é fruto de uma combinação de cegueira emocional, paixões motivadas por fantasias pessoais, pela permissividade do pensamento desejoso e por uma confusão de pontos de vista e níveis de abordagens. Graças a isso, a realidade torna-se escrava de obsessões, convicções e burrices pessoais, ainda que sob a roupagem "agradável" que se vê no caso de Chico Xavier.
Consta-se que Chico Xavier traiu mais Allan Kardec do que Judas Iscariotes traiu Jesus Cristo. Mas essa traição não se deu porque o "médium" era "espírita desde criancinha". Pelo contrário, Chico nunca escondeu seu catolicismo ortodoxo (a "heterodoxia" era apenas formal, devido à suposta paranormalidade), de evidente inspiração medieval, voltado para a Teologia do Sofrimento e inspirado no jesuitismo do período colonial, a ponto de evocar o nome do Padre Manuel da Nóbrega, que passou a ser apelidado de Emmanuel.
O ultraconservadorismo de Chico Xavier, cuja prova está na famosa entrevista do programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, sempre o acompanhou em toda sua vida e hoje já se fala que Chico teria apoiado a candidatura de Jair Bolsonaro, se o "médium" vivesse hoje. Embora chocante, argumentos condizem com tal hipótese.
Chico admitiria que Jair Bolsonaro tem "aspectos desagradáveis" de sua personalidade, além de estar associado a "sentimentos não muito saudáveis" da maioria de seus seguidores, mas, conforme seu ponto de vista, lembraria que Jair foi "batizado cristão" e seu projeto político apenas "impõe mais sacrifícios" aos cidadãos, permitindo o "resgate moral do espírito", o "desapego aos antigos privilégios materiais" e a "preparação, depois de um tempo de dificuldades, de um período mais fraterno e pacífico para o Brasil".
Até as tragédias e violências seriam justificadas por Chico como "efeitos dos reajustes espirituais" das vítimas, embora motivadas por "emoções exaltadas e sem controle" dos agressores, "que um dia receberão a sentença de Deus". A literatura de Chico ainda tem sutis apologias ao racismo (em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de 1938, negros e índios são classificados como "selvagens") e ao machismo, como a submissão da mulher ao lar descrita no livro O Consolador, de 1941. Mais tarde, em Vida e Sexo, de 1970, há uma posição homofóbica expressa em plena época hippie, pois o homossexualismo é descrito como "efeito da confusão mental dos seres humanos".
Embora muita gente possa achar um absurdo essa visão descrita no parágrafo anterior, ela é bem mais realista e coerente do que supor um esquerdismo que nunca existiu na mente do "médium". Não se pode deixar levar pelo pensamento desejoso, por mais que se junte fantasias agradáveis com alegações positivas.
É mais confortável e agradável supor que Chico apoiasse Lula ou Fernando Haddad, por causa da tal "missão de caridade" ou da "construção de um Brasil mais fraterno". Mas isso não procede. Se até a "namoradinha do Brasil", a atriz Regina Duarte, com sua beleza ainda atraente, é uma reacionária contumaz, se Monteiro Lobato já flertou com o fascismo e o jogador aposentado Pelé tem suas visões bastante conservadoras, assim como o cantor Roberto Carlos, que utilidade se tem em idealizar, num "médium espírita", um esquerdismo que nunca existiu.
Temos uma grande oportunidade de observarmos os valores sombrios do "médium", desafiando ao mais ferrenho pensamento desejoso, que cria mil devaneios em torno dele, justificando todo tipo de deslize, como o marido traído do anedotário popular, que sempre arruma desculpa para supor que sua mulher é fiel e só sai para "rever os seus priminhos".
O ultraconservadorismo de Chico Xavier é fato, e está presente em toda sua obra, na qual se desencoraja o questionamento, o senso crítico, a averiguação mais cuidadosa, o raciocínio mais aguçado. Como se fosse um retórico da ditadura militar, Chico apenas aceitava o raciocínio humano, a busca do Conhecimento e os trabalhos científicos dentro dos limites permitidos pela sociedade conservadora, e o "médium" seria um dos defensores mais convictos da Escola Sem Partido, queiram ou não queiram os partidários do pensamento desejoso que lhe atribuem um progressismo inexistente.
COMO SE DESENVOLVEM AS CONVICÇÕES PESSOAIS?
As comparações recentes de Chico Xavier com Jair Bolsonaro, que agradam boa parte dos bolsonaristas mas causam estranheza numa parcela dos chiquistas, trazem uma nova realidade que o pensamento desejoso dos seguidores do "médium" se recusam a admitir, prisioneiros que se encontram em fantasias nas quais a fascinação obsessiva e as paixões religiosas concebem, no mito do "médium", qualidades que não lhe cabem. Nem todos podem ser tudo na vida.
O que chama a atenção é a afinidade de sintonia que o "movimento espírita" como um todo e os redutos reacionários das redes sociais se encontram. Muitos seguidores de Chico apresentam uma visão abertamente anti-PT, e possuem uma pauta de ideias bastante conservadoras. Esses redutos das redes sociais são também redutos de fake news, o que causa afinidade com as "psicografias" que de regra se fazem no Brasil, em que claramente se vê problemas nos aspectos pessoais atribuídos aos autores mortos e se observa, também, tendencioso mershandising religioso do tipo "vamos nos unir na paz de Nosso Senhor Jesus Cristo".
As comparações ainda se aprofundarão e criarão um grande debate a respeito das percepções humanas. Afinal, as idolatrias de Xavier e Bolsonaro foram desenvolvidas da mesma maneira, embora eles, na aparência, apresentem "pólos opostos": o "médium" simbolizando supostamente o "amor" e o ex-capitão, o "ódio".
No entanto, os dois se sustentam pelos mesmíssimos valores do moralismo conservador e até seus lemas patrióticos se encontram surpreendentemente: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos", o que anima principalmente os bolsonaristas.
Os dois são figuras arrivistas que atingiram a idolatria e a fama. Chico se ascendeu com literatura fake, causando escândalos com livros que supostamente apresentavam obras de espíritos de escritores famosos, mas que de maneira explícita apresentavam falhas preocupantes quanto aos estilos originais dos supostos autores. Jair se ascendeu como um enfant terrible do Exército, posto prematuramente na reserva depois que foi acusado e julgado por planejar um ato terrorista.
Isso chama a atenção e mostra o quanto o erro humano, não o errinho de nada, mas aquele que provoca muita confusão e indignação, se torna a "receita de sucesso" de certos indivíduos em busca de fama e prestígio. Não é à toa que um "médium" da Bahia, José Medrado, encontrou sintonias vibratórias na Rádio Metrópole, onde trabalha, devido ao fato do dono da emissora, Mário Kertèsz, ter adquirido suas instalações e serviços através de um esquema de corrupção política.
E até que ponto os arrivistas podem representar a "receita do sucesso"? Isso se deve porque o brasileiro combina vícios perceptivos como a "memória curta", o "jeitinho brasileiro" e o "pensamento desejoso" com eventuais sensações de catarse emocional, que os faz inclináveis ao pitoresco, ao piegas e a outros apelos sensacionais.
Chico representa a catarse das paixões religiosas, o sensacionalismo místico e a ideia de "salvador da Pátria" através de bandeiras religiosas e uma visão ultraconservadora do que é "caridade", que não ameace os privilégios abusivos das classes dominantes, que em tese teriam seus problemas "resolvidos por Deus".
Mesmo pessoas dotadas de algum esclarecimento ou vanguarda ideológica são vulneráveis a muitos desses apelos. Muitos esquerdistas e ateus dão consideração a Chico Xavier sem perceber que ele foi um direitista convicto e com ideias bastante retrógradas. Jair Bolsonaro ganha a simpatia dos brasileiros que rejeitam o governo Michel Temer e seus retrocessos econômicos, embora o projeto político deste governante seja não só inteiramente defendido pelo candidato do PSL como ele pretende radicalizá-los e torná-los definitivos, como a reforma trabalhista e a reforma previdenciária.
Isso diz muito, assim como a falsa ojeriza à Rede Globo de Televisão, que mostra uma mania dos brasileiros: "odiar o professor e adorar suas lições". É como um herdeiro que odeia o pai e adora a herança, o que, no entanto, garante o sucesso do poder daquele que é odiado. É através de pretensos detratores que a Rede Globo exerce, amplia e consolida seus domínios, na medida em que esses supostos opositores da Globo, em que pesem estufarem seus peitos para cantar "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", seguem com fidelidade canina os valores trazidos pela emissora, das gírias ("balada", "galera") até seus ídolos musicais, dramatúrgicos e esportivos.
A situação, portanto, é propícia para verificarmos se a sociedade brasileira emburreceu. Quais são as suas falhas no âmbito educacional e cultural, quais suas obsessões emotivas, qual é o seu isolamento do mundo, reagindo aos alertas de outros países sobre os absurdos cometidos no país, quanto ao cumprimento das leis, quanto à apreciação da lógica e do bom senso e até em relação à morte de pessoas "não muito admiráveis".
Neste caso, vale lembrar que o psicopata Charles Manson faleceu em 2017, com ampla divulgação na mídia, sem que houvesse grande revolta a respeito desse óbito. Hoje, no Brasil, dois feminicidas famosos e idosos estão no fim da vida (com 81 e 84 anos) e a sociedade brasileira ainda se treme só de imaginar ver seus ilustres nomes no obituário do mês do Wikipedia, reagindo com rispidez só quando se fala que os dois homens, cujos respectivos crimes abalaram o país, estão com indícios de doenças graves e, provavelmente, terminais.
Se isso ocorre no Brasil, assim como os deslizes das leis que a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público fazem, ao arrepio dos princípios do Direito, então o nosso país está doente, pois se nossa História mostra grandes personalidades que morreram prematuramente, incluindo os admiráveis Alberto Santos Dumont e Mário de Andrade, por que a revolta em relação à possibilidade de dois machistas que mataram suas mulheres pelos mesmos impulsos que destruíram seus organismos, morrerem na casa dos 80 e tantos anos de idade? Que apego é esse?
Da mesma forma, temos também um quadro de pesquisas acadêmicas, trabalhos jornalísticos e de documentários cinematográficos que encontram sérios limites, muitos sob ferrenha imposição no mercado. No âmbito religioso, no exterior já se investigam farsas religiosas como a Cientologia e a seita NXIVM, que revelou o escândalo do envolvimento da atriz Allison Mack (estrela de Smallville). Mas aqui não há possibilidade de denunciarmos as traições que o "movimento espírita" faz do Espiritismo original, e só conceber um documentário denunciando a deturpação doutrinária e as fraudes dos "médiuns" já faz até o mais flexível patrocinador torcer o nariz.
O Brasil, com o fenômeno de Jair Bolsonaro e a fascinação obsessiva de Chico Xavier, ambos movidos por sentimentos de fanatismo e cegueira emotiva, se revela, através disso, seu profundo e preocupante atraso social, que já foi agravado pelos retrocessos cometidos pela ditadura militar e pode chegar às últimas consequências no simples caso do candidato do PSL chegar ao segundo turno da corrida presidencial, porque revelará uma adesão expressiva ao projeto de retrogradação do Brasil.
Os brasileiros precisam reavaliar seu inconsciente coletivo e repensar suas paixões, seus medos, seus temores. Ainda somos uma sociedade preconceituosa e confusa, capaz de confundir o "velho" com o "novo" apenas por uma questão de roupagem e convicções pessoais. Somos um dos países que mais adere a fake news e segue um fanatismo religioso que propicia o prestígio de "médiuns" de trajetória duvidosa. Temos uma relação mal resolvida com o conservadorismo ideológico, e recentemente o feminismo, através do "funk", foi promovido por paradigmas machistas.
Muitos se declaram progressistas e se apegam a valores e paradigmas conservadores, como a idolatria a Chico Xavier, enquanto outros se declaram rebeldes mas se identificam com projetos autoritários e repressivos representados por Jair Bolsonaro. Tudo isso é fruto de uma combinação de cegueira emocional, paixões motivadas por fantasias pessoais, pela permissividade do pensamento desejoso e por uma confusão de pontos de vista e níveis de abordagens. Graças a isso, a realidade torna-se escrava de obsessões, convicções e burrices pessoais, ainda que sob a roupagem "agradável" que se vê no caso de Chico Xavier.
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