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Chico Xavier mais ERROU do que acertou


(Autor: Professor Caviar)

É frequente, diante dos relatos sobre a trajetória cheia de confusões e equívocos da vida de Francisco Cândido Xavier, seus defensores saírem em respaldo a ele e dizerem que "Chico Xavier mais acertou do que errou". 

Uns chegam a admitir que ele "catolicizou" o Espiritismo, que Emmanuel era reacionário, que algumas atividades "mediúnicas" apresentavam dúvidas, que ele se envolveu com fraudes de materialização e suas opiniões no Pinga Fogo eram bem reacionárias. Mas, movidos pelo pensamento desejoso e pela fascinação obsessiva a Chico Xavier, tentam relativizar aqui e ali, fazendo uma grande ginástica mental para deixarem intata uma reputação que não deveria ser tão elevada assim.

Chico Xavier foi, na verdade, um mito construído artificialmente, como tantos outros. Ele foi um instrumento estratégico das elites conservadoras para criar um paradigma de "ativismo social" que não ameaçasse os privilégios das classes dominantes. Seu mito "filantrópico", alvo de profunda e extrema adoração de um considerável número de adeptos, seguidores e simpatizantes - mesmo aqueles que se dizem "não-espíritas" - , foi engenhosamente construído com uma habilidosa estratégia de marketing, com a ajuda da Rede Globo de Televisão.

Isso não é fake news. Pelo contrário, é um fato que a própria sociedade conservadora tenta abafar, para evitar qualquer desmascaramento. Mas, verificando o contexto histórico da blindagem que o "médium" recebeu nos últimos 40 anos (16 deles postumamente), se observa que o mito que "conforta" e "comove" multidões não passou de um truque publicitário.

Chico Xavier já era um mito trabalhado com muita malícia pelo seu descobridor, o então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Ele transformou um realizador de plágios e pastiches literários - feitos com a ajuda da equipe editorial da FEB, daí a diversidade de estilos envolvidos - em um pretenso "porta-voz de almas elevadas", embora Wantuil tivesse, por interesse próprio, em enfatizar mais a suposta paranormalidade do que a pretensa filantropia do "médium" mineiro.

A imagem "filantrópica" veio a partir da parceria da FEB com os Diários Associados, que inaugurou a primeira blindagem da mídia hegemônica para Chico Xavier, para alavancar as vendas dos livros e enriquecer Wantuil. A televisão, no caso a TV Tupi, tem um forte apelo de entretenimento e, com isso, permite trabalhar uma versão espetacularizada da caridade, aquela que rende mais adoração ao suposto benfeitor do que resultados sociais, por sinal bastante medíocres.

A própria televisão traz um paradigma de "caridade" que acostuma mal as pessoas. Uma "caridade" na qual não é o "benfeitor" que ajuda. Ele é apenas a "cigarra" a comandar o trabalho das "formigas". Os cidadãos comuns é que têm que adquirir mantimentos, roupas, comprar produtos diversos e doar para as "casas espíritas", tão festejadas como "celeiros de caridade e amor ao próximo", mas no fundo meras distribuidoras da caridade alheia, no caso, a nossa.

É isso que está sendo feito com Luciano Huck, da Rede Globo, apresentador e empresário que virou dublê de ativista social. Os elementos que são trabalhados para promover seu "ativismo" foram os mesmos que, quatro décadas atrás, foram trabalhados com Chico Xavier, sob duplo objetivo: tentar conter a ascensão de pastores televisivos (Edir Macedo e R. R. Soares) e evitar a ascensão de um verdadeiro ativista social que ameaça os privilégios das classes dominantes (Luís Inácio Lula da Silva, então líder sindical).

Chico Xavier sempre foi uma figura ultraconservadora, e isso é um fato indiscutível, devido à sua origem e formação social. Ele virou uma peça estratégica das classes dominantes para representar supostas virtudes humanas de forma a manter as estruturas sociais conservadoras. Sua "caridade" sempre rumou no sentido de "aliviar as dores" da pobreza e não de "curar a doença social". Daí que o mito de que Chico Xavier "transformou vidas" não passa de conversa para boi dormir.

POR QUE ELE MAIS ERROU DO QUE ACERTOU?

Quando se fala que "Chico Xavier mais acertou do que errou", toma-se como base a abordagem adocicada trabalhada pela Rede Globo de Televisão, que se tornou o padrão oficial de como se vê e conhece o "médium" mineiro. Ele goza de uma imagem, que rende adoração extrema das pessoas, que se baseia numa narrativa produzida pela Globo a partir do modus operandi do inglês Malcolm Muggeridge feito para promover Madre Teresa de Calcutá.

Essa "filantropia de ficção", que apresenta aspectos de melodrama e transforma o suposto caridoso em "fada-madrinha da vida real", é uma ilusão movida por paixões religiosas, mas que, por estar associada a ideias dominantes de "bondade" e "consolação", são impostas sobre qualquer tipo de realismo, criando, dentro da realidade caótica do nosso cotidiano, um "espaço" para a fantasia e para a contemplação de pretensos heróis, como em arremedos piegas do sentimentalismo infantil.

Só que Chico Xavier tinha aspectos sombrios bastante negativos e nunca devemos subestimar o papel nocivo que ele desempenhou ao deturpar a Doutrina Espírita, atitude que nunca foi acidental, mas proposital e que permaneceu em toda a sua obra, até o fim da vida.

A deturpação feita em torno do Espiritismo é uma atitude de profundo desrespeito e ofensa a Allan Kardec, porque este desenvolveu os ensinamentos espíritas com muito trabalho, atuando quase solitário (praticamente só a esposa, Amélie Gabrielle Boudet, o apoiava) e gastando do seu dinheiro, sem obter apoio algum.

Isso é muito diferente de Chico Xavier, que era tratado a pão-de-ló desde a tutela de Wantuil. E Chico mudou o caminho do Espiritismo, que, na França, caminhava para a frente, levado pelas descobertas do Iluminismo, e, no Brasil, passou a caminhar para trás, rumo ao Catolicismo jesuíta e medieval que prevaleceu no Brasil colonial.

É assustador, para muitos, apontar a gravidade dessa deturpação por Chico Xavier. Muitos tentam atribuir um "entusiasmo exagerado" da origem católica do "médium", na esperança de blindá-lo de críticas severas. Só que isso não procede, ainda mais porque a deturpação que atingiu o Espiritismo nas mãos de Chico Xavier é subestimada pelo simples fato de que quase ninguém dentre os apoiadores do "médium" se interessa a ler, com atenção, seus livros, para verificar a gravidade do problema. É comum os apoiadores de Chico Xavier - entre seguidores, simpatizantes e até leigos que lhe prestam alguma consideração - se contentarem em ler apenas pequenos textos ou curtas frases que circulam nas redes sociais.

Se fossem lidos, sem a complacência e a tentação das paixões religiosas - que induzem à adoração cega do aparato de belas palavras - , os livros de Chico Xavier seriam reconhecidos como a mais deplorável imoralidade literária, não só por apresentar identidades fake de personalidades mortas (famosas ou não), mas pelo conteúdo que contraria, de maneira frontal e irresponsável, tudo o que Kardec havia ensinado em seus livros originais.

Só essa deturpação derrubaria Chico Xavier e o faria perder praticamente toda a reputação alcançada pelo título tendencioso de "homem chamado Amor". A deturpação é gravíssima, porque cria desvios doutrinários graves, coisa que o pretexto da "caridade" e das "mensagens positivas" não pode ser vista como atenuante, porque isso seria usar o "bom-mocismo" para justificar desvios doutrinários da mais extrema e preocupante gravidade.

Aliás, o próprio "bom-mocismo" de Chico Xavier tornou-se um agravante. Como maneira de abafar as acusações de falsidade ideológica - uso de nomes de mortos para literatura fake (psicografias que nem de longe refletem os aspectos pessoais dos autores mortos alegados) - e de desvios doutrinários ("catolicização" do Espiritismo), as atribuições de "caridade" não melhoram a situação, antes fazendo piorar consideravelmente as coisas.

A alegação de "mensagens positivas" em obras de lesa-doutrina, na qual supostas lições de vida (feitas à maneira dos livros de auto-ajuda) tentam dissimular conceitos contrários à coerência doutrinária do Espiritismo original, e a suposta filantropia na qual instituições "espíritas" se promovem com a caridade alheia, porque são só os cidadãos comuns, não os "médiuns", que contribuem com doações e trabalhos voluntários, fazendo dos "médiuns" as "cigarras" que se promovem às custas do trabalho das "formigas", só pioram as coisas.

Mas no Brasil existe a complacência fácil e o país hoje vive as distorções morais diversas que criam aberrações que fazem o resto do mundo ficar perplexo. Temos uma Justiça seletiva e tendenciosa, que, recentemente, aprovou retrocessos trabalhistas (como a terceirização para atividades-fim). Num país que perde personalidades de grandioso valor e contribuição social, várias prematuramente, boa parte da sociedade brasileira se revolta só ao ser informada de que dois famosos feminicidas, já idosos, estão à beira da morte devido a seus próprios descuidos à saúde. Temos uma "cultura popular" completamente mercantilizada e medíocre, mas blindada por cientistas sociais. Temos um padrão moral estranho que permite o arrivismo e garante a "perfeição" humana com a complacência fácil dos erros graves, desde que cometidos por pessoas que gozam de algum privilégio social, por menor que fosse.

Diante desse cenário, temos um inconsciente coletivo que acaba permitindo, hoje, que uma figura ao mesmo tempo autoritária, reacionária e atrapalhada como Jair Bolsonaro, esteja bem perto de se tornar presidente da República, por representar essa gororoba de sentimentos, uns moralistas, outros libertinos, de um imaginário confuso que é capaz tanto de endeusar Chico Xavier quanto de exaltar a licenciosidade do "funk". Uma combinação de sentimentos, ora de complacência, ora de revanchismo, que acaba abrindo o caminho para a ascensão de Bolsonaro, logo às vésperas da "data-limite" sonhada por Chico Xavier.

Daí que percebemos o quanto Chico Xavier errou. E errou muito mais do que acertou, o que poderia fazer com que ele fosse reservado para o desprezo público, e não para a adoração, em níveis estratosféricos, à sua pessoa. Aliás, até a adoração a Chico Xavier é contrária aos ensinamentos espíritas originais, porque ela é sempre guiada pela fascinação obsessiva ou pela subjugação, tipos perigosos de obsessão alertados pela literatura espírita original. Talvez seja uma boa hora de abrirmos mão desse apego doentio a um ídolo religioso.

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