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Sociedade brasileira está perigosamente conformista


(Autor: Professor Caviar)

O brasileiro médio se comporta como se, estando num apartamento de luxo, vê seu quarto sendo incendiado. Mas, estando na sala, pensa que o quarto está sendo ambiente de uma festa. Indiferente, vê o quarto sendo destruído e os objetos nele presentes, perdidos. Só quando é tarde demais passa a se dar conta da situação.

Na Internet, textos de maior urgência sofrem baixa repercussão. Eles comprometem a zona de conforto dos cidadãos, que em muitas vezes preferem banalidades fúteis sem a menor importância, e por isso a repercussão é tão baixa que, para quem quer divulgar um texto de um blog, ele vê o texto ficar sem novas visualizações, se limitando apenas a uma ou duas visualizações feitas meio a contragosto, do tipo "alguém vê o título do texto e sai da página sem ler".

No mercado literário, a zona de conforto já botou "livros para colorir" entre os mais vendidos na categoria "não-ficção" (?!?!?!?!). Diários de youtubers que não tem coisa alguma a dizer ficavam semanas com vendas elevadas. Livros de autoajuda e humor besteirol sem graça também se mantém em vendas alavancadas. E livros que se comprometem a transmitir algum conhecimento só possuem altas vendas pelo contexto do tema, pela visibilidade do escritor ou pela obrigatoriedade de algum concurso público, prova do ENEM ou alguma atividade acadêmica mais comum.

Vivemos numa desigualdade das necessidades humanas. A chamada sociedade média - aquela da maioria das pessoas e cujas ações predominam no cotidiano brasileiro - está em verdadeiro estado de dissociação com a realidade, ignorando riscos, necessidades e problemas, enquanto, por outro lado, se apega a coisas à toa, futilidades ou fenômenos nocivos. Vivemos a transformação da realidade brasileira numa coleção de contextos surreais, e uma catástrofe social se aproxima sem que viva alma pudesse alertar com grande repercussão.

A situação está tão aberrante que algumas pessoas começam a estranhar a indiferença da sociedade diante da tragédia iminente que envolve dois antigos feminicidas, ambos membros de famílias ricas de São Paulo. Octogenários, os dois, cujos crimes repercutiram em todo o país, apresentam indícios de doenças gravíssimas, como câncer, como efeito natural de antigos danos a saúde, um fumando demais e tendo usado, no passado, cocaína e álcool, e outro ingerindo uma overdose de remédios. Apesar disso, nem para as pessoas orarem pelos enfermos há interesse, e o que vemos é um sentimento dúbio de desprezo e apego, um "esquecimento" hipócrita que se revela em irritação quando se fala que eles estão doentes, o que não é ofensa alguma, pois também eles fizeram por onde estarem desse modo. Mesmo assim, muitos veem o anúncio de que os feminicidas ficam doentes como "dano moral" à imagem deles, o que é um grande absurdo.

FASCISTAS EM ASCENSÃO

O grande perigo que existe no Brasil é a ascensão de Jair Bolsonaro, que se reflete também no aparente favoritismo do filho Flávio Bolsonaro para o Senado. A catástrofe política que isso representa não incomoda as pessoas, que, perdidas no seu pragmatismo, deixaram de medir, com justo discernimento, o que é necessário ou não para suas vidas, ou o que lhes representa perigo ou não.

As pessoas não se sensibilizam mais quando Jair Bolsonaro bota uma criança pequena no colo e ensina a ela gestos de franco-atirador, numa sutil incitação à violência. Cadê a sociedade indignada de 2016, que falava em defesa da Família, da Moral, bajulava Jesus e se achava "cidadã de bem"? Só esse gesto faria com que Jair Bolsonaro e seus filhos fossem derrubados em qualquer tentativa de se eleger a um cargo político. Jair nem era para ser cogitado para segundo turno. Até a "insossa" Marina Silva teria largado na frente, com mais chances para ser eleita.

Que sociedade brasileira é essa? Que cultura é essa que temos, marcada pelo conformismo, pela apatia, mas também por valores consumistas, pela adoração a subcelebridades, a ponto dos fanáticos de "música sertaneja" alegarem que o processo contra o apresentador Zeca Camargo por críticas ao cantor Cristiano Araújo serem "uma ofensa à música sertaneja"? Será que chegamos ao ponto de sermos proibidos de fazer críticas até a fenômenos musicais comerciais?

Viramos um país tirânico? Estamos na Idade Média e não percebemos? Perdemos a noção de modernidade e tradição? Perdemos as boas tradições e as boas novidades, mas não aceitamos que critiquem coisas de valor duvidoso? Perdemos um sem-número de personalidades de grande valor para o nosso Brasil - várias delas de maneira precoce - , mas muitos de nós ficam enfurecidos quando se alerta que dois feminicidas ricos podem morrer a qualquer momento.

O que os brasileiros querem? O que eles rejeitam e o que eles necessitam? Que sociedade brasileira é essa, marcada pela indiferença, pelo apego, pela falta de discernimento da realidade? Que deixa um fascista crescer e ameaçar governar o Brasil sem que seus eleitores potenciais saibam realmente por que querem votar numa aberração como Jair Bolsonaro?

Os "gênios" de hoje são subcelebridades, esportistas milionários, políticos ultraconservadores, ídolos musicais popularescos, magistrados de atuação irregular e religiosos reacionários. A catarse, individual ou coletiva, se sobrepõe a qualquer reflexão realista. Causas decadentes são defendidas a ferro e a fogo nas redes sociais, a ponto daqueles que discordam delas serem alvo de "linchamento" virtual e até de blogs de calúnia e difamação que a Justiça deixa passar.

Não se consegue mais medir as necessidades humanas conforme a verdadeira utilidade ou supérfluo das mesmas. E chega-se ao ponto de, apesar da sociedade reprovar o feminicídio, muitas "boas famílias", ao verem um feminicida sair da cadeia, não medem escrúpulos em elegê-lo como o "genro que todo pai queria receber de suas filhas".

O recente incêndio no Museu Nacional, que destruiu um importante legado científico e cultural de nosso país, foi um alerta dessa desigualdade de necessidades e supérfluos que temos. Por outro lado, o falecimento do ídolo do "funk", Mr. Catra, é um teste para quem superestima certas pessoas que morrem, porque é sempre justo se comover diante da perda de alguém e é muito legítimo haver comoção de um grande número de pessoas. Mas, evidentemente, isso não faz de figuras como Catra, ou então Cristiano Araújo, Mamonas Assassinas ou o empresário Otávio Frias Filho mais geniais. Uma coisa é a justa comoção por tais óbitos, às quais merece o mais absoluto respeito e solidariedade. Outra coisa é fazer dos mortos aquilo que eles nunca foram, num exagero de divinização e supervalorização de seus mitos.

SOCIEDADE MANIPULADA

Vivemos os reflexos da sociedade manipulada pelo poder da mídia hegemônica e pelas elites do mercado e do poder político associadas, nos últimos 45 anos. Desde a ditadura militar, pessoas são manipuladas a ponto de abrir mão de suas necessidades, de dar preferência ao supérfluo, de sentir complacência com os erros graves de outrem, de ignorar riscos iminentes, de desprezar prejuízos.

Criou-se uma deseducação emocional que criou distorções dos mais diversos níveis. E, no caso do "espiritismo" brasileiro, nota-se a aceitação fácil e confortável da deturpação, que vergonhosamente desfigurou o trabalho de Allan Kardec no seu tempo, em prol de um igrejismo medieval que livremente é difundido, às custas do "balé das palavras" dos textos lançados por "médiuns" ou palestrantes "não-mediúns". Mesmo com ideias conservadoras, a surreal simpatia das esquerdas também revela a fragilidade de nossa sociedade em tamanhas distorções.

Ídolos são fabricados e supervalorizados pela mídia hegemônica a ponto de, aparentemente, Jair Bolsonaro ficar "grudado" nas pesquisas para o segundo turno. Ou seu filho Flávio Bolsonaro, como favorito na corrida do Senado. A imprudência da sociedade brasileira em aceitar o sobrenome Bolsonaro, ligado a ideias fascistas, como "solução viável para o país", é comparado a um "efeito manada" quando o gado bovino se dirige para cair de um despenhadeiro.

Ver que Jair Bolsonaro não cai mesmo quando ensina criancinhas a fazer pose de dar tiro é assustador. Jair Bolsonaro e seus filhos, sobretudo Flávio e Eduardo, são o que há de mais repugnante, abominável e abjeto na política brasileira, e, no entanto, sempre que eles aparecem há um aparente favoritismo. Mesmo que esse favoritismo seja fake, alimentado pelas fake news das redes sociais, pelo suborno do economista Paulo Guedes aos institutos de pesquisas (devemo lembrar que as pesquisas eleitorais são muitas vezes "compradas" e só entrevistam menos de 2.500 pessoas, insuficiente para refletir a realidade do Brasil), a situação preocupa.

Afinal, a preocupação se dá porque as pessoas são capazes de aderir, hoje, a políticas de redução de salários dos trabalhadores - que já não recebem grande coisa - e de direitos trabalhistas, a ponto de gestantes terem que trabalhar em situações insalubres. Não se sabe se nossa sociedade virou masoquista ou psicótica, mas é preocupante o atual quadro surreal de nosso país.

No Espiritismo brasileiro que reduziu a pó o legado de Kardec, preferindo recuperar as bases do antigo Catolicismo jesuíta medieval (simbolizado pela figura do padre Manuel da Nóbrega, rebatizado Emmanuel), um mito como Chico Xavier se tornou o caso mais bem sucedido de como se fabrica um ídolo na mídia.

Comparado com o que hoje se faz, na suposta filantropia, com o apresentador Luciano Huck, e, em um contexto diferente de idolatria política, com o próprio Jair Bolsonaro, Chico Xavier foi beneficiado pela memória curta, pelo pensamento desejoso e pelo jeitinho brasileiro, vícios que deixam os brasileiros não só viverem fora da realidade, mas serem dependentes dessa visão perigosamente fantasiosa das coisas.

Chico Xavier foi um realizador (sob a parceria de terceiros) de pastiches literários e obras fake atribuídas a autores mortos que, sem qualquer indício de lógica e sob o preço de desviar dos estilos originais dos autores alegados, se deixaram passar impunemente, mesmo quando ofendem à memória e ao legado originais dos falecidos. Humberto de Campos é criminosamente lesado por isso, e o filho homônimo ainda foi vítima de assédio moral-religioso do próprio Chico Xavier, através de um espetáculo "espírita" que incluiu caravana de Assistencialismo, só para evitar novos processos judiciais.

Mas Chico Xavier, que também se revelou reacionário no programa Pinga Fogo da TV Tupi e em textos que pediam para os sofredores aguentarem suas desgraças em silêncio e sem reclamar, passou a ser visto, com a ajuda midiática da TV Tupi e da Rede Globo de Televisão, como um pretenso santo, quase uma "fada-madrinha" da vida real. Para piorar, setores masoquistas das esquerdas prestam consideração ao "médium", ignorando que Chico era anti-comunista convicto, e disparou ataques agressivos contra operários, camponeses e sem-teto para um grande público, incluindo a plateia do Pinga Fogo, os espectadores que assistiam à televisão na época e os internautas que ultimamente veem o programa em gravações deixadas no YouTube.

A sociedade brasileira está extremamente doente e precisa rever suas necessidades, supérfluos e entulhos. Do jeito que está, tratando o necessário como supérfluo e o supérfluo como necessário, o nocivo como benéfico e o benéfico como nocivo e o perigoso como tranquilizador e o tranquilizador como perigoso, o Brasil cairá no abismo e, como país, sofrerá a forma ampliada da destruição do Museu Nacional, que era uma espécie de "espelho" da memória de nosso país. O perigoso conformismo dos brasileiros de hoje podem levar o país a uma catástrofe.

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