(Autor: Professor Caviar)
As esquerdas acreditam em Francisco Cândido Xavier, mas ele não acredita nas esquerdas. Volta e meia, certos jornalistas de esquerda se lembram do "médium" e sua imagem adocicada promovida pela grande mídia, ignorando que ele foi uma das figuras mais conservadoras da História do Brasil.
Em tempos de convulsão social, esses jornalistas e cronistas acabam sendo tomados de fascinação obsessiva e fazem citações ingênuas a Chico Xavier. Um blogueiro, também de esquerda, se precipitou e classificou Chico Xavier, erroneamente, de "comunista", ignorando que o "médium" mineiro fez comentários duramente negativos em relação aos comunistas e aos movimentos de trabalhadores diversos. Chico também defendeu a ditadura militar e pediu ao público orar pelos militares, que estavam construindo, ao seu ver, um "reino de amor" no Brasil. Um "reino de amor" sob o sangue de muitos inocentes, vá entender...
Não há como usar o pensamento desejoso para supor que Chico Xavier foi manipulado, tomado pelo obsessor, orientado pelo "ponto" do programa Pinga Fogo - que, em 1971, fez a famosa entrevista com o "médium" - ou coisa parecida. Chico sempre foi conservador, até o fim da vida, e em 1989 defendeu Fernando Collor para a Presidência da República, em detrimento de Lula, o que nos faz perguntar que razão têm os jornalistas de esquerda, tão simpatizantes com o ex-sindicalista e ex-presidente, em adorar tão retrógrada personalidade religiosa.
O "espiritismo" brasileiro apoiou o golpe de 1964 (fato comprovado pelo historiador Jorge Ferreira, professor da UFF), apoiou o golpe político de 2016, exaltando a Operação Lava Jato (e, particularmente, Sérgio Moro), o Movimento Brasil Livre e outros como supostos inauguradores da regeneração da humanidade, e deu total apoio às reformas regressivas do governo Michel Temer, alegando que a reforma trabalhista, por exemplo, iria promover o "desapego à matéria" e o aumento da carga horária de trabalho "estimularia a missão cristã do trabalho humano", ao lado da terceirização e da perda de direitos trabalhistas.
Embora, nas redes sociais, os "espíritas" ligados à corrente igrejista comandada e simbolizada por Chico Xavier tentem fazer malabarismos discursivos, com muita ginástica mental para desmentir seu conservadorismo de direita, esta postura é confirmada em vários textos e com vários palestrantes. Os "médiuns" João Teixeira de Faria, o João de Deus, erroneamente definido (pela imprensa de direita) como "amigo de Lula", declarou apoio ao maior algoz do petista, o juiz Sérgio Moro. Divaldo Franco também seguiu o mesmo caminho, exaltando Moro e condenando o "marxismo" simbolizado pelo PT. E quem imaginasse que Chico Xavier não compartilharia as mesmas posturas, é bom ver o vídeo do Pinga Fogo, disponível no YouTube.
Nenhum líder do "movimento espírita" foi visitar Lula na cadeia. O discurso que esta religião promove é que o ex-presidente "descumpriu os ensinamentos cristãos e foi justamente punido pelo uso da máquina estatal a serviço do egoísmo e da cupidez". Se os setores das esquerdas que ainda insistem em adorar Chico Xavier não tivessem o escudo do pensamento desejoso (que tenta manipular a realidade ao sabor fantasioso de paixões e convicções pessoais), eles sairiam bastante frustrados com tais ocorrências. Não há como suporem os esquerdistas que os "espíritas" não fizeram visita ao ex-presidente por "falta de tempo" e estarem "ocupados com os pobrezinhos".
Há poucos dias, foi lançado, na cidade de Porto Alegre, o Comitê Inter-Religioso em Defesa da Democracia e Justiça Social Lula-Haddad-Manuela. Lembremos que o Rio Grande do Sul é um dos redutos mais fortes do ultraconservadorismo bolsonarista, e onde, ultimamente, o baiano Divaldo Franco mais tem se projetado diante do grande público. O comitê foi organizado para reagir à ascensão do bolsonarismo, associado a pautas reacionárias que estimulam a intolerância religiosa.
A iniciativa do movimento partiu de católicos, evangélicos, luteranos, budistas, muçulmanos, anglicanos e representantes das espiritualidades de matriz africana, religiões que, por estarem ligadas às classes populares ou a grupos minoritários, mesmo ligados a elites abastadas, vivenciaram e compreendem a questão da intolerância religiosa. Intolerância nunca praticada contra o "espiritismo" brasileiro, altamente deturpado, mas que mesmo assim é a religião mais tolerada e defendida do país.
O "movimento espírita" não está incluído entre os grupos que organizaram o movimento. Anuncia-se que outras religiões irão aderir ao comitê, mas o anti-petismo do "movimento espírita" deixa pouco provável que ele possa aderir ao movimento, sobretudo depois que a religião igrejeira de Chico Xavier se notabilizou, nos últimos anos, por um discurso reacionário "contra a corrupção".
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