(Autor: Demétrio Correia, por e-mail)
"Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho". "Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos". A construção dos mitos de Francisco Cândido Xavier e Jair Messias Bolsonaro envolve os mesmos ingredientes: argumentação simplista, exploração da catarse humana, desprezo à lógica e ao bom senso, complacência com os erros dos referidos mitos.
Chico Xavier e Jair Bolsonaro parecem diferentes, mas não são. Eles apenas apresentam embalagens diferentes, um associado ao "amor" e outro à "agressividade", mas no fundo são a mesma coisa, possuem a mesma essência moralista e o mesmo conteúdo reacionário de suas ideias. E contam - postumamente, no caso de Chico - com um lobby que envolveu elites bastante influentes, capazes de fabricar consenso na opinião pública para promover o respectivo mito como uma falsa unanimidade ou, quando muito, um "fenômeno popular" marcado por supostas polêmicas.
Muitos se assustam com a comparação de ambos, mas a realidade mostra que não só os dois apresentam pontos em comum - sobretudo a idolatria catártica que os envolve, por parte de fanáticos seguidores - como as imagens de ambos se aproximam mais e mais, quando Bolsonaro precisa se lapidar como figura pública para não perder o "favoritismo" que, embora fake, se sustenta em pesquisas eleitorais (compradas pelo lobby de Paulo Guedes, economista e banqueiro). Desse modo, Bolsonaro passa a ter uma imagem mais "adocicada" e "inofensiva", que faz com que o Judiciário durma tranquilo permitindo a livre atuação de um perigoso fascista.
Por outro lado, se observa o lado reacionário de Chico Xavier que as esquerdas, desavisadas, ignoram por completo, apesar do "médium" tanto falar em "aceitar o sofrimento em silêncio, sem queixumes", como uma forma dócil de reprimir a indignação alheia com as adversidades humanas. Chico se comportava como se fosse o conselheiro que faltava no DOI-CODI para tentar acalmar os presos políticos. O papo de "vida futura", como consolo para a conformação com as adversidades do presente, era uma retórica dócil, suave, mas que caía bem no arbítrio dos tiranos e no apelo para que as vítimas aceitassem sua própria desgraça.
Chico Xavier era adepto fervoroso da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica. A Teologia do Sofrimento via o sofrimento de Jesus Cristo sob o ponto de vista de seus condenadores, sendo conhecido, jocosamente, como o "Cristianismo de Pôncio Pilatos", da maneira como defende a aceitação do sofrimento humano, como um suposto atalho para atingir as bênçãos divinas. É uma forma religiosa de defender o "quanto pior, melhor", pois a Teologia do Sofrimento só permite a concessão da graça divina depois que o sofredor atingir o fundo do poço.
Há uma prova do quanto os caminhos de Chico Xavier e Jair Bolsonaro se encontram. Os chiquistas, assim como as elites em geral, antes estavam inclinados a apoiar PSDB e Aécio Neves, mas hoje estão mais identificados com Jair Bolsonaro, E dois depoimentos, um de Chico no Pinga Fogo da TV Tupi, outra de Jair, no seu perfil oficial do Facebook, apresentam exatamente a mesma ideia.
CHICO XAVIER: "Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".
JAIR BOLSONARO: "Não houve ditadura militar. Houve o estabelecimento de um governo militar legítimo para se contrapor ao golpe comunista na década de 60. O termo “ditadura” foi cunhada pelos imundos comunistas".
A ideia de "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", que envolve uma teocracia imperialista, apesar da visão oficial e ilusória de uma "pátria que comandará o mundo através do ensino da fraternidade" - pois a realidade e a lógica mostram que não há mérito algum em determinado país "mandar no mundo", mesmo sendo ele o nosso país - , não parece muito distante do lema bolsonarista "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos".
Os adeptos de Chico Xavier também disfarçam muito o comportamento bolsonarista. Quando tudo lhes ocorre bem, os adoradores do "médium" se comportam com simpatia, mansidão (os "espíritas" adoram falar em "mansuetude") e alegria. Mas, diante do menor questionamento ao seu ídolo, eles se explodem de raiva, ainda que pudessem dissimular tais reações. Se comportam como se fossem bolsonaristas, exibindo um reacionarismo bastante explosivo.
E se Chico Xavier contou, ao longo das décadas, com o apoio inicial de seu tutor Antônio Wantuil de Freitas, antes de ser blindado pela Rede Globo de Televisão, Jair Bolsonaro agora tem seu tutor, o economista e banqueiro Paulo Guedes, que articulou um encontro com um dos donos da mesma Globo, João Roberto Marinho.
A Globo é em boa parte responsável por manipular o inconsciente coletivo a ponto de atingir aqueles que dizem odiar a emissora, mas se demonstram vulneráveis a assimilar valores próprios trazidos pela emissora. Fenômenos como o próprio Chico Xavier, o "funk", a gíria "balada" e, agora, Jair Bolsonaro, são reflexo disso. De que adianta odiar a Rede Globo se aceita os seus valores, como se recebesse alguma herança? É por isso que o Brasil se encontra na situação em que está, quando até detratores passam a compartilhar dos valores trazidos pela família Marinho. Esses detratores acabam se tornando mais apoiadores da Globo do que os próprios apoiadores.
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