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"Espelho da Vida" traz abordagem roustanguista da reencarnação


(Autor: Professor Caviar)

Há dois dias, entrou no ar a novela Espelho da Vida, da Rede Globo de Televisão, mais uma produção dramatúrgica de temática "espírita", como uma atitude desesperada de tentar salvar o "espiritismo" brasileiro, religião blindada pela emissora da família Marinho.

O enredo se volta para uma jovem atriz de teatro, a personagem Cris Valência, que descobre ter sido, em encarnação passada encerrada na década de 1930, uma jovem chamada Júlia Castelo, assassinada por um suposto crime passional (hoje definimos como um tipo principal de feminicídio, feito por motivação conjugal). Evidentemente, com vários enredos paralelos e não necessariamente ligados ao tema da reencarnação, a novela está sendo divulgada com muito alarde desde antes de ir ao ar.

O grande problema é que o "espiritismo" brasileiro, por mais que bajule o nome de Allan Kardec e por mais que seus igrejeiros palestrantes estufem o peito para dizer "não vamos só entender Kardec, mas viver Kardec no dia a dia", chegando a estender sua baba de ovo para Erasto e até para José Herculano Pires, nunca rompeu com sua raiz fundamentada no igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing.

Roustaing, cujas iniciais J. B. - é comum ele ser descrito como J. B. Roustaing - coincidem com a do arroz-de-festa da política atual, o fascista Jair Bolsonaro, forneceu as bases igrejeiras para o "movimento espírita" no Brasil. Inicialmente, Roustaing era defendido de maneira entusiasmada pela religião que traiu Allan Kardec, mas com o tempo o deturpador francês foi deixado de lado, como nesses arranjos de conveniência, como os da política atual que hoje descartam políticos do PSDB e gente como o ex-deputado Eduardo Cunha.

O jeitinho brasileiro ajudou a botar Roustaing debaixo do tapete. Um jovem sujeito da cidade de Pedro Leopoldo, então um pobre distrito de Santa Luzia (MG), da Grande Belo Horizonte, chamado Francisco Cândido Xavier, era um católico ortodoxo que se dizia paranormal e foi designado a lançar livros fake usando nomes de famosos literatos mortos para causar sensacionalismo, obter fama e prestígio e daí produzir livros enfatizando valores religiosos conservadores.

Com isso, Chico Xavier foi designado para "traduzir" Roustaing para a realidade brasileira. Ele fez o trabalho, mas não sozinho, contando com parcerias nunca assumidas como Antônio Wantuil de Freitas, Waldo Vieira e de editores da FEB e consultores literários. Essa equipe toda em torno de Chico Xavier produziu os livros que levam, de forma tendenciosa, os nomes de personalidades mortas, famosas ou não, combinando sensacionalismo sobrenatural e forte apelo religioso.

E aí vemos que o modus operandi de Roustaing, por estar agora representado perfeitamente por Chico Xavier, dispensou o nome do advogado francês, que pôde ser visto até como "palavrão" por muitos palestrantes "espíritas", que juram, de maneira hipócrita, "fidelidade" a Kardec. Diante disso, tudo o que Roustaing escreveu pode ser associado a Chico Xavier e o nome de Kardec pode ser bajulado, sem problemas, com o autor de Os Quatro Evangelhos posto para fora de campo.

E a tese roustanguista da reencarnação, do contrário que se imagina, não se limita à ideia dos "criptógamos carnudos" ou da encarnação de humanos em animais, insetos, vermes ou plantas. Embora o "espiritismo" brasileiro tenha descartado essas teses controversas, ele aproveitou o conteúdo moralista da reencarnação, que descreve a encarnação como um processo punitivista.

A ideia da jovem assassinada, os desdobramentos da encarnação passada, são evocados, embora aparentemente a protagonista não esteja "pagando" pelos efeitos da vida anterior. Ainda assim, ela pagou com o desfecho trágico que deseja investigar, no decorrer da novela escrita por Elizabeth Jhin.

Em todo caso, é a abordagem herdada de Jean-Baptiste Roustaing, a da encarnação como um processo punitivo e não de aprendizado, que prevalece nas narrativas "espíritas" feitas no Brasil. É um legado do advogado de Bordéus mantido por Chico Xavier e que possibilitou a retirada do sobrenome Roustaing do imaginário dos "espíritas", dos quais muitos o veem como ilustre desconhecido.

Dessa maneira, a armação é feita, com o mesmo empenho ficcional da dramaturgia. Enquanto se finge desenvolver o "kardecismo autêntico", o conteúdo roustanguista é herdado por Chico Xavier, e o roustanguismo dissimulado sem problemas. E muitos imaginam que a abordagem "espírita", trazida pelas novelas da Rede Globo (herdando o passe deixado pela TV Tupi, que antes blindou Xavier), é demonstração fiel das abordagens kardecianas originais. Quanta ingenuidade...

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