(Autor: Professor Caviar)
Devemos desconfiar de eventos psicográficos ou psicopictográficos (pintura mediúnica) que afirmem agrupar os mais diferentes e diversos espíritos de artistas mortos, vindos de diversos lugares e oriundos de diversas épocas.
Isso se dá não porque, em si, reunir espíritos diferentes seja impossível, mas da maneira, considerada "fácil demais", de chamar um morto como se escolhesse um produto de uma prateleira.
Há uma série de mal-entendidos que confundem as coisas. Afinal, quando o chamado "Espírito de Verdade" chamou diversas personalidades para darem seus depoimentos colhidos por Allan Kardec, eles não compunham uma "falange", uma espécie de "gangue do bem" que se une para qualquer ocasião em que se necessite divulgar uma "mensagem positiva" para o povo da Terra.
O que ocorreu, na verdade, foram envios de mensagens isoladas. Allan Kardec recolheu várias mensagens individuais atribuídas a personalidades mortas. Com seu bom senso, ele analisou cada mensagem, uma a uma, e rejeitou um considerável número de textos que ele concluiu serem impassíveis de autenticidade. Ele só aceitou uma pequena porção de textos que ele considerou de provável veracidade, observando aspectos associados à natureza pessoal de cada autor alegado.
Só o "espiritismo" brasileiro, deturpado e desfigurado até a medula, é que vem com a narrativa simplória e simplista de um Allan Kardec que, num processo de pá-pum, recebeu de outros médiuns mensagens de um "grupo espiritual" coordenado pelo "Espírito de Verdade" (comumente confundido com Jesus Cristo), para inseri-las em seus livros.
E aí o galo cantou na esquina e o que vemos são espetáculos grosseiros de supostas atividades mediúnicas, cuja farsa salta aos olhos. E a primeira delas parte justamente de Francisco Cândido Xavier, personalidade tão adorada e tida como "iluminada", mas que a memória curta e o jeitinho brasileiro contribuíram para esconder os aspectos trevosos que, comprovadamente, acompanharam a trajetória do suposto médium brasileiro. Entre esses aspectos, vale lembrar, é o reacionarismo, cuja prova foi a longa entrevista para o programa Pinga Fogo, da TV Tupi, diante de uma grande plateia, uma grande audiência televisiva na época (1971) e a audiência póstuma e multiplicada do YouTube.
Chico Xavier começou lançando um livro que, logo de cara, é um embuste literário. O livro Parnaso de Além-Túmulo prometia a "façanha" sensacionalista de mostrar poemas de vários autores mortos, ditados de forma inédita do além. Mas o livro apresentou gravíssimos problemas, que impedem que mesmo uma relativização mais generosa supusesse algo próximo da veracidade ou, talvez, a própria autenticidade da obra.
O livro já soa mal quando põe no título a expressão "Parnaso", quando, em 1932, ano de sua primeira edição, o Parnasianismo já era um movimento literário ultrapassado e o Modernismo já havia se consolidado, com vários de seus integrantes sendo artistas veteranos e, em parte, intelectuais atuantes até mesmo nas instituições públicas.
Mas os problemas relacionados a Parnaso de Além-Túmulo são tantos que soa patético e deprimente que pessoas desejem que o livro seja reconhecido como "verídico", apenas por um capricho do pensamento desejoso que coloca a fantasia acima da realidade. Vejamos os principais problemas:
1) Parnaso de Além-Túmulo apresenta problemas de estilística gravíssimos. Em certos casos, como em Augusto dos Anjos, Castro Alves e Casimiro de Abreu, o estilo soa paródico, cheio de falhas nos detalhes expressivos, apesar da forma imitar os respectivos estilos originais. Em outros casos, como em Olavo Bilac e Auta de Souza, o estilo praticamente "desaparece" e torna-se ainda mais explícito o estilo pessoal do "médium".
2) O livro sofreu cinco reparos no seu conteúdo, totalizando seis edições: 1932, 1935, 1939, 1944, 1945, 1955. Isso é muito estranho, quando se trata de uma obra que faz crer ser um trabalho acabado da espiritualidade superior. Para piorar, o desmascaramento veio, sem querer, de uma fonte solidária a Chico Xavier: no livro Testemunhos de Chico Xavier, sua amiga Suely Caldas Schubert, sem querer, deixou vazar uma carta de Chico a Antônio Wantuil de Freitas afirmando que o livro era, sim, um trabalho de editores da FEB, uma farsa desmascarada quando Chico pediu para Wantuil e Luís da Costa Porto Carreiro Neto, da equipe editorial da federação, fizessem a revisão dos "originais" do livro.
3) A sociedade brasileira ainda não estava receptiva nem informada quanto a fenômenos mediúnicos, tamanho o atraso mental que se tinha na época. E se hoje, em pleno século XXI, os brasileiros se descuidam sob o risco do Brasil repetir a experiência nazista da Alemanha de 1933-1945, ainda que sob o outro contexto (e sob o pretexto do "voto popular"), é sinal que esse atraso mental continua, lamentavelmente. Daí que "mediunidade", no Brasil, sempre se associou a aspectos farsantes, usados mais para promover apelos sensacionalistas e fanatismo religioso do que para mostrar o "outro lado da vida".
4) É praticamente impossível reunir todos os escritores falecidos em um só evento, como se eles estivessem juntos entre si o tempo todo. Da mesma forma que as pinturas hoje, em que é impossível reunir todos os pintores (e ainda mais Vincent Van Gogh, de personalidade difícil, nunca aceitaria participar de um embuste desses nem em estar associado ao mesmo). A lógica não permite, já que os diferentes artistas morreram em lugares diferentes, épocas diferentes e contextos diferentes e mesmo alguns colegas se separam para ir a outros destinos. Raramente há espíritos atuando juntos, se creditar uns três, já é muito.
Quanto a esse quarto item, vale uma comparação que os próprios idosos, os mais sujeitos ao fanatismo em torno do "espiritismo" brasileiro, deveriam saber. Eles já vivenciaram eventos de encontro de antigas turmas escolares, e sabem o quanto é difícil reunir toda a turma do passado para um mesmo reencontro.
Em turmas com cerca de 30 alunos, é praticamente impossível que rigorosamente todos eles se reencontrem. Uma considerável parte está impossibilitada de ir, por motivos de sua vida particular. Uma outra parte já morreu. E, quanto mais se distancia o tempo, menos provável será que a maior parte dos ex-colegas venha a se reunir.
Em muitos casos, apenas menos da metade dos antigos colegas decide se reunir. O reencontro ocorre nesses termos, apenas com um punhado de remanescentes. E isso explica muito bem por que é impossível que todos os artistas espirituais se reúnam sempre para eventos terrenos. A suposição desse reencontro, em verdade impossível, acaba servindo mais para a vaidade do suposto médium que se aproveita da credulidade e da desinformação das pessoas para supor que os artistas e intelectuais do mundo já falecidos estão com ele e atenderam a seu chamado.
Isso é uma farsa gritante. E veio quando Chico Xavier, o maior arrivista e charlatão da História do Brasil, supôs que uma "plêiade" de grandes escritores e poetas recorreu a ele para organizarem uma antologia poética. É um processo que apresenta aspectos duvidosos quanto à lógica e veracidade, dos quais não há relatividade que pudesse explicar com alguma consistência e confiabilidade.
Mas observa-se, ultimamente, nas pinturas, essa farsa. A exemplo da escrita, as atribuições dos autores mortos alegados podem ser desmascaradas facilmente por uma observação de estilística, que nas atividades "mediúnicas" apresenta problemas sérios. Os estilos originais são total ou parcialmente descaraterizados (neste caso, quando há tentativa de imitação estilística, soando como plágio, pastiche ou paródia), enquanto o estilo pessoal do respectivo "médium" torna-se presente em várias obras.
Em José Medrado, nota-se o aspecto cínico do suposto médium baiano que, em suas pinturas, comete o descaramento de usar a sua caligrafia pessoal para assinar diferentes pinturas. Elas apresentam problemas de estilística de modo que não haja diferença entre Monet e Manet, mas o estilo pessoal de José Medrado está presente em todos eles. Não existe explicação que pudesse considerar veracidade ou possibilidade de autenticidade. E as "diferentes assinaturas" dos pintores mortos alegados revelam explicitamente a caligrafia individual de José Medrado.
Desse modo, não há possibilidade de se admitir as "falanges espirituais", embora é correto que existem grupos de espíritos agindo no além-túmulo. Só que eles atuam não da forma que supomos saber, da maneira fácil demais de juntar famosos com algum ofício comum em prol de um mesmo evento. Isso não existe. Até porque muitos espíritos desencarnados têm mais o que fazer do que ficar atendendo à vaidade e ao oportunismo de arrivistas religiosos que buscam obter "santidade" às custas de sensacionalismo, obras fake e filantropia de fachada.
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