
(Autor: Professor Caviar)
Uma dessas frases que faria a festa dos escritores de livros de auto-ajuda - verdadeiros engodos pretensamente espiritualistas - foi dita por Francisco Cândido Xavier, relacionada à ideia de sabedoria.
A frase parece bonita, mas é equivocada e Chico Xavier a disse em causa própria. Vejamos a frase da mensagem e uma outra que a complementa, antes de fazermos as análises referidas:
"A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!".
A mensagem revela uma série de leviandades e contraria os ensinamentos de Allan Kardec. Além da mensagem ser feita para atender aos interesses pessoais de Chico Xavier, ela vai contra o rigor da Lógica e do Bom Senso que o Espiritismo original transmitiu em sua obra.
Interpretando mal a mensagem, imagina-se que ela revela apenas a paciência de um sábio. Grande engano. Ela defende, isso sim, a complacência dos esclarecidos à estupidez dos irresponsáveis, como o próprio Chico Xavier, envolvido em muitos escândalos provocados por suas próprias escolhas arrivistas, como o embuste literário Parnaso de Além-Túmulo e o caso Otília Diogo.
Evidentemente, a sabedoria superior não aceitaria, complacente, a estupidez e a irresponsabilidade. E Chico Xavier chama de inferior a "sabedoria que julga e condena", eufemismos para o senso crítico que reprova quando alguma coisa escapa do crivo da Lógica.
CHICO XAVIER, COM ESTA MENSAGEM, ESPINAFROU ALLAN KARDEC
O alvo dessa mensagem são os "homens de Ciência" que Chico Xavier disse respeitar, em entrevista ao Pinga-Fogo da TV Tupi, respondendo a uma pergunta de João de Scantimburgo, jornalista e escritor, um dos convidados do programa em sua edição de 28 de julho de 1971. Ainda que condescendente com a suposta missão religiosa e filantrópica do "médium", o escritor duvidava de suas "psicografias". Vamos ao diálogo:
JOÃO DE SCANTIMBURGO - Chico Xavier, eu não ponho em dúvida a sinceridade do seu ministério espiritista. Eu creio firmemente que o senhor trabalha com profundo amor à sua causa e à sua doutrina. Mas eu vou insistir no aspecto mais conhecido da sua obra, das suas atividades que é aquela de escritor psicográfico. O senhor afirmou, logo à minha primeira pergunta, que escreveu 107 livros e que tem 4 no prelo. Na literatura brasileira o senhor é, depois de Coelho Neto, o mais prolífico dos escritores que já redigiram na língua portuguesa. Por outro lado, o senhor disse, respondendo a uma pergunta minha, que havia feito apenas um curso primário. O senhor, para todos os que aqui estão e o estão assistindo pelo vídeo, em casa, é um homem que tem uma grande fluência ao falar. O senhor constrói com perfeição a frase, o senhor tem lógica na exposição da sua doutrina. Logo, o senhor é um autodidata, que se compenetrou da doutrina que esposou e a estudou profundamente e passou a exercer o seu trabalho expondo essa doutrina. Eu insisto que a escrita automática no senhor deve ser mais o produto do inconsciente do que o produto da mediunidade. Não sei se o senhor conhece uma coleção de livros publicados na França, com o título genérico "À maneira de" em que os autores fazem a imitação de vários autores. Por exemplo: Marcel Proust, cujo centenário acaba de passar. Se o senhor ler uma página de Marcel Proust e uma página do livro "A maneira de...", não distinguira, ainda mesmo que tenha profundo conhecimento do estilo de Marcel Proust. Esta é uma imitação consciente. Eu tenho para mim que o senhor ao fazer, redigir os livros psicografados agiu sob impulso do inconsciente. O meu antigo companheiro de imprensa e caro companheiro de imprensa Herculano Pires, cuja inteligência brilhante eu sempre respeitei e sempre aplaudi, criou um embaraço para a minha pergunta, ao falar em 400 autores que o senhor teria citado. O senhor citou 400 autores ou o senhor escreveu à maneira de 400 autores como escreveu Humberto de Campos, como Guerra Junqueira, como Antero de Quental, como Augusto dos Anjos?
CHICO XAVIER - Creio que o número anunciado está superado em mais de 400 comunicantes. Eles creveram à maneira deles, mas respeito o ponto de vista do senhor, como respeito qualquer homem de Ciência que ainda não pode aceitar, por exemplo, o realismo da mediunidade. Respeito muito, mas continuo acreditando que eles escreveram à maneira deles, porque em algumas centenas, vamos dizer mais de três centenas destes 400 e tantos, hoje me parece que são quase 500, eu não tinha a menor idéia do que eles escreviam.
Se Chico Xavier "respeita muito" o ponto de vista de "qualquer homem de Ciência", por que ele então atribuiu a pessoas assim a qualidade de "sabedoria inferior"? A sabedoria "superior", segundo Chico, era aquela que "diz Amém" aos devaneios da fé e não arrisca o menor questionamento. Segundo a ótica que temos sob o rótulo do Espiritismo, contrariamos o principal ensinamento kardeciano, que é de examinar as coisas no âmbito da Lógica e do Bom Senso.
Não, infelizmente não se questiona. Não se questiona, por exemplo, o caso das supostas psicografias (e altamente grosseiras) de Humberto de Campos / Irmão X. Deixamos a questão "em aberto", mas mesmo assim os livros dessa obra fake circulam livremente, continuam a serem impressos e há cópias disponíveis de graça, seja na Internet, seja nos livros disponibilizados nas ruas, seja nas bibliotecas públicas e laicas. E isso quando nem toda a obra original do autor maranhense tornou-se disponível para todos nós, ao menos com facilidade.
Evidentemente que as pessoas dotadas de Conhecimento podem errar e serem inflexíveis em seus pontos de vista. Mas, vejamos, entre alguém que vive na cegueira emotiva da mistificação e aquele que avalia as coisas no rigor da Lógica, evidentemente o mistificador não está com a Razão, por mais que ele tenha o mel de suas palavras e tempere suas convicções com o açúcar das convicções agradáveis.
O verdadeiro sábio não é complacente, mas ele mesmo pode mudar seus pontos de vista. A sabedoria está acima de qualquer detentor de saber, mas isso não significa que a supremacia da Fé sobre a Razão seja mais racional do que o racionalismo. Muito pelo contrário, o detentor da Fé é o que mais se impõe como "dono da razão" e, nesta mensagem de Chico Xavier, é a sua Fé que tenta se impor sobre a Razão, como naquele ditado de se "achar mais realista que o rei".
Embora o "espiritismo" brasileiro diga seguir a "fé raciocinada" - tradução equivocada da foi raisonée, que deveria ser "fé fundamentada" - , ele segue a "fé cega", e a ela se usa o eufemismo dos "olhos do coração". E isso se observa diante do que está no livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo 19, "A Fé que Transporta Montanhas", no texto "A Fé Religiosa - Condição da Fé Inabalável":
"(...) A fé cega nada examina, aceitando sem controle o falso e o verdadeiro, e a cada passo se choca com a evidência da razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Quando a fé se firma no erro, cedo ou tarde desmorona. Aquela que tem a verdade por base é a única que tem o futuro assegurado, porque nada deve temer do progresso do conhecimento, já que o verdadeiro na obscuridade também o é a plena luz. Cada religião pretende estar na posse exclusiva da verdade, mas preconizar a fé cega sobre uma questão de crença é confessar a impotência para demonstrar que se está com a razão".
Sabemos que há muitos pontos estranhos na obra e trajetória de Chico Xavier. E isso mostra que a verdade nunca foi sua amiga, daí que muito se fez para que suas irregularidades fossem impunes, inclusive há suspeita até de "queima de arquivo" contra o sobrinho Amauri Xavier. Continuemos com Kardec:
"(..) A fé necessita de uma base, e essa base é a perfeita compreensão daquilo em que se deve crer. Para crer, não basta ver, é necessário sobretudo compreender. A fé cega não é mais deste século(1) . É precisamente o dogma da fé cega que hoje em dia produz o maior número de incrédulos. Porque ela quer impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: a que se constitui do raciocínio e do livre-arbítrio. É contra essa fé, sobretudo, que se levanta o incrédulo, o que mostra a verdade de que a fé não se impõe. Não admitindo provas, ela deixa no espírito um vazio, de que nasce a dúvida. (...)".
Lendo com muita atenção as obras de Chico Xavier, além de seus depoimentos, nota-se que a luta dele era inversa do que Kardec exerceu. Enquanto o francês pedia para examinar a Fé sob o crivo da Razão, o mineiro fazia o caminho inverso, impondo que a Razão tenha que ser avaliada pela Fé. A Razão "só é boa", para o "médium", se ela se submeter à Fé e não interferir em seus dogmas, se ela não se submete, ela "é ruim", é "sabedoria inferior".
Não pode haver sabedoria superior quando ela se submete ao império da Fé. Se a Fé se impõe, por seus dogmas, sobre a Razão, significa que a mistificação está acima da sabedoria e, portanto, não há sabedoria superior quando ela se dobra à Fé.
Com isso, nota-se que o Espiritismo original tem sua mais dura divergência com sua suposta forma brasileira: enquanto o Espiritismo francês quer que a Razão e a Lógica estabeleçam prioridade, a suposta adaptação brasileira quer o contrário, a subjugação da Razão e da Lógica sob o império da Fé, embora haja falsas argumentações dos "espíritas" brasileiros em defesa do "livre conhecimento" e do "raciocínio lógico".
A verdade é que os "espíritas" brasileiros, a partir de Chico Xavier, só aceitavam o Conhecimento nos limites aceitos pela supremacia da Fé, e quando esses limites eram derrubados, os "espíritas" acusavam os questionadores de "sabedoria inferior" e "tóxico do intelectualismo". O que comprova que o "espiritismo à brasileira" é uma religião obscurantista e nunca esclarecedora.
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