Pular para o conteúdo principal

Ditadura militar produziu mito "iluminado" de Chico Xavier


(Autor: Senhor dos Anéis)

Cada período teve seu Olavo de Carvalho como um pretenso guru, como um suposto intelectual de vocação religiosa e ideias moralistas conservadoras.

Depois que o golpe político de 2016 abriu a Caixa de Pandora que estava escondida no inconsciente do povo brasileiro, revelando aspectos secretos e nada agradáveis, muita coisa se revela, mais do que quando o Brasil retomou a redemocratização, em 1985, porque, em nome de um pretenso pacto social, muita sujeira foi posta debaixo do tapete, e não estamos falando dos "males do petismo".

Estamos falando, por exemplo, de muitos paradigmas culturais, religiosos, esportivos, que revelaram pontos bastante sombrios, e que não correspondem à abordagem binária dos fatos e fenômenos que mesmo as esquerdas acreditaram até pouco tempo atrás. Observar que "sertanejos", jogadores de futebol e apresentadores de programas policialescos de TV não eram as figuras progressistas que as esquerdas imaginaram, é chocante.

Da mesma forma, ver que o "espiritismo de direita" é um mito e que de novidade isso nunca teve, é também chocante. Mais chocante para as esquerdas é ver que Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco sempre foram reacionários, e essa decepção, por incrível que pareça, é maior do que quando os neopentecostais.

Os neopentecostais, fração midiatizada da religião evangélica, foram aliados condicionais dos esquerdistas, mas passaram a não só se opor ao Partido dos Trabalhadores (PT) como passaram, depois, a apoiar abertamente Jair Bolsonaro, a ponto de ajudá-lo a ser eleito presidente da República.

Só que a decepção dos esquerdistas tornou-se muito maior com os neopentecostais do que com os "espíritas". Eles ainda coçam a cabeça e tentam relativizar o reacionarismo de Chico Xavier, como aquele nerd da escola que é advertido de que a líder de torcida não gosta dele. Tentam apaziguar a decepção com o pensamento desejoso, e julgar que Chico Xavier foi manipulado a ter as piores posturas, porque acham que ele seria "incapaz" de tudo isso.

Ultimamente, está em voga a ideia de que os "médiuns erram muito", a ponto de haver uma carteirada às avessas. Os "espíritas" passaram a sentir orgulho de errar, ser imperfeitos, e, se achando dotados de livre arbítrio, acham que podem errar muito sem assumir responsabilidades nem sofrer consequências. Se dizem "endividados", mas pagar a dívida, que é bom, não querem de jeito algum fazer. E pensam que estão pagando dívidas produzindo livros ou dando sopinhas para pobres.

Só que isso não resolve nem combate a antiga idolatria. Hoje a adoração a figuras como Chico Xavier e Divaldo Franco é mais cafajeste, eles são "santificados sem serem santos", e esse papo dos "médiuns que erram" segue o mesmo sentido banalizado da ideia rasteira do "gente como a gente", que fez a atriz Letícia Sabatella, num episódio infeliz de embriaguez, ser apoiada pelos mesmos sociopatas que, depois, a abandonaram, ao saber que ela era de esquerda.

Letícia, para quem não sabe, fez uma pequena participação em Chico Xavier - O Filme, como a mãe do protagonista, Maria João de Deus, cuja beleza destoava da realidade. Na verdade, a mãe de Chico Xavier lembrava uma versão carne-e-osso da personagem Meany Ranheta, do desenho do Pica-Pau (sério!).

INFLUÊNCIA DE MALCOLM MUGGERIDGE

O que os brasileiros, tomados de paixões religiosas e, por isso, sentindo fascinação obsessiva por Chico Xavier - que exerce, para eles, pretensa simbologia que envolve qualidades que consideram "inacessíveis" ligadas a apelos de beleza e virtudes humanas (que nem Chico realmente tinha, em verdade) - , desconhecem é que essa abordagem do "médium" é relativamente recente, algo trabalhado entre 40 e 45 anos.

É um discurso que foi inspirado no que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá, criando um pretenso símbolo de ativismo religioso e pretensa filantropia, com ingredientes que foram seguidos literalmente por Chico Xavier. É essa imagem "divinizada" - que tenta ser substituída pela imagem "gente como a gente" do "médium imperfeito", para tentar salvar a idolatria sob um outro contexto - que é oficialmente trabalhada pela mídia.

Antes de 1974, a imagem de Chico Xavier apresentava um apelo bastante pitoresco. Mesmo sua aparição no programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, segue esse enfoque. O forte apelo sensacionalista de sua figura de pretenso médium, com fortes denúncias de irregularidades na psicografia, que iam de Parnaso de Além-Túmulo até o caso Otília Diogo, impediram o desenvolvimento da idolatria religiosa, que tentava ser trabalhado desde os anos 1940.

Era necessário esperar o fim da era Wantuil - que promovia Chico Xavier de maneira sensacionalista para o grande público - , com a aposentadoria e posterior morte de Antônio Wantuil de Freitas, antigo chefão da FEB e dublê de empresário do "médium", para que este fosse promovido sob um novo enfoque, mais "enxuto".

Que Chico Xavier pode ter sido treinado para aprender técnicas de manipulação mental, como a hipnose, o discurso vitimista (é conhecida sua frase "não vamos pôr querosene nesse incêndio", com Chico aparentemente sem reagir diante de polêmicas e encrencas) e o "bombardeio de amor".

No caso do "bombardeio de amor", considerada uma das técnicas mais perigosas de manipulação mental - quem acreditaria em estranhos tentando conquistar os outros com muita afetividade e apelos de profunda beleza assim tão de repente? - , Chico Xavier já havia aliciado o filho homônimo de Humberto de Campos, num evento "espírita" em Uberaba, em 1957, que incluiu também amostras de Assistencialismo (caridade de baixa eficiência).

Mas Chico Xavier só estaria associado, oficialmente, aos apelos caraterísticos do "bombardeio de amor" a partir da nova abordagem inspirada no método de Malcolm Muggeridge. O "bombardeio de amor" é raramente visto como um problema no Brasil, por ser um processo muito sutil de manipulação mental humana.

Esses apelos fizeram com que Chico Xavier tivesse apelos exagerados como o de ser alcunhado "o homem chamado Amor" (à maneira do que se fez com Madre Teresa), ou mesmo colocar o Amor como sobrenome: "Chico 'Amor' Xavier". Há um vídeo, no YouTube, sobre Chico Xavier que tem apenas como título a palavra "Amor".

O roteiro "filantrópico" era o mesmo. Entrada em "casas de caridade", cumprimentando populares e pessoas doentes ou miseráveis. Bebês no colo sendo cumprimentados pelo "filantropo". Visitas na "casa" para ver "obras assistenciais", doentes deitados na cama, produção de sopas. Depois, o "filantropo" senta na sala principal para dar entrevistas e falar "frases de efeito", tidas como "filosofia" para um público deslumbrado, desinformado e emocionalmente vulnerável.

Não por acaso, Madre Teresa é acolhida pelos "espíritas" brasileiros e é muitíssimo comparada com Chico Xavier. E isso traz um forte indício de que ambos foram promovidos por um mesmo tipo de propaganda que o contexto das sociedades conservadoras dos anos 1970, cujos paradigmas enganaram até mesmo pessoas com visão de centro-esquerda, produziu e que ainda é vigente hoje.

O engano que as centro-esquerdas tiveram consiste em falsas simbologias de "caridade" e "pacifismo" adotados, nas quais se ilude em imaginar que basta aparecer ao lado de pessoas pobres sorrindo para ser considerado "progressista" ou basta estar supostamente associado à paz (ainda que seja da boca para fora, sem agir pelo verdadeiro pacifismo) para também ter essa atribuição.

Ultimamente os esquerdistas começam a se desiludir com aqueles que estavam abraçados a pobres sorrindo, que falavam seja "em nome das periferias", seja "pela paz entre irmãos", mas que se revelaram abertamente conservadores. 

As esquerdas ficam em silêncio, mas acreditamos que elas estejam vivendo em estado de choque, pois não se tratam de ex-comunistas que viraram anti-PT ou ministros de Lula e Dilma que viraram a casaca, mas pessoas que se acreditavam "aliados sinceros", como acadêmicos e jornalistas a favor da "cultura brega", funkeiros e "espíritas", todos associados a uma falsa ideia de "buscar felicidade para o povo pobre".

DITADURA APOIOU MITO DE CHICO XAVIER TRAZIDO PELA GRANDE MÍDIA

O mito adocicado de Chico Xavier começou a ser trabalhado pela ditadura militar. Devemos nos lembrar que, assim como Olavo de Carvalho está para o governo Jair Bolsonaro, Chico xavier estava para a ditadura militar.

Chico Xavier, que apoiou abertamente o golpe civil-militar de 1964, defendeu a ditadura e foi homenageado por ela, era um dos maiores ideólogos do conservadorismo ideológico. Isso é comprovado por seus livros "mediúnicos" e depoimentos pessoais. Devoto da Teologia do Sofrimento (que era o que havia de mais medieval no Catolicismo da Idade Média), Chico Xavier defendia a conformação com a desgraça humana, a servidão no trabalho, a submissão hierárquica.

Ele nada tinha de progressista. É assustador que pessoas que professam o comunismo ou o ateísmo recentemente tenham manifestado, até com estranha arrogância, a adoração pelo "médium". São pessoas de mentalidade confusa que, talvez, não associassem bem suas ideias e seu nível de discernimento é ainda precário, numa relação mal-resolvida entre realidade e fantasia, entre realismo e idealização.

O Chico Xavier que esquerdistas e ateus adoravam - acredita-se que hoje eles estejam em estado de choque ao serem informadas do ultraconservadorismo do "médium" - teve sua imagem construída na ditadura militar justamente com esse propósito: servir de cortina de fumaça para evitar a luta pela redemocratização do país.

Daí que a ditadura militar, em associação com a mídia hegemônica, primeiramente os Diários Associados, depois a Rede Globo de Televisão, foram trabalhar em Chico Xavier um suposto ativista religioso, uma personalidade pretensamente unificadora, um suposto pacifista que o público deveria adorar como um "consolador" de uma ditadura militar que, em 1979, deveria ser mantida.

O objetivo era evitar a ascensão de figuras como o sindicalista Lula, hoje o mesmo ex-presidente da República preso sob acusações infundadas e falsas de corrupção. Era um meio que a ditadura armou, apostando não num ídolo católico, como muitos imaginariam, mas numa figura "espírita", porque o Espiritismo, no Brasil, estava associado a uma religião pretensamente ecumênica, e, em tese, acolhedora das mais diversas crenças religiosas.

As "cartas mediúnicas" eram um gancho. A ideia é convencer as pessoas de que os sofrimentos durante a ditadura militar eram "sacrifícios necessários". O presente seria um fardo difícil de ser aguentado, mas tinha que ser assim vivido diante das promessas de um "futuro melhor". Dessa maneira, as pessoas que foram ceifadas em tragédias repentinas seriam "anjos a deixar o fardo da matéria" e estariam num "mundo melhor".

As ideias de "vida futura" eram ambíguas, sendo um futuro mais tardio ou a vida após a morte, ou mesmo a próxima encarnação. E as "cartas mediúnicas" tinham um recado: se as pessoas comuns que morreram prematuramente "foram para uma vida melhor", as vítimas da repressão ditatorial teriam ido para "algo ainda mais maravilhoso".

Em outras palavras, os brasileiros, através de Chico Xavier, eram convidados a aceitar a repressão militar, que era apenas um instrumento de "reajustes espirituais" e "resgates morais" das vítimas, às quais eram culpabilizadas pelos "excessos", conforme o "médium" lembrou no Pinga Fogo, em 1971, em que ele disse, com essas palavras:

"Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5 em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, sequestros de embaixadores e mortes de inocentes".

Essa é uma declaração que os "chiquistas de esquerda", se soubessem, cairiam da cadeira. Ou, talvez, das nuvens, levando um grande tombo no chão. Afinal, enquanto sonhavam em ver o projeto "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", associado, no equívoco de suas fantasias, ao PT, o legado do "médium" guardava consigo ideias de um ultraconservadorismo chocante.

Daí que Chico Xavier foi um mito muito bem construído pela ideologia ultraconservadora da ditadura militar, com a colaboração da Rede Globo, que adaptou o "método Muggeridge" em seus programas jornalísticos para desenhar uma figura supostamente ecumênica, de tal forma que o mito de Chico Xavier conseguiu enganar as esquerdas direitinho. E isso, porque, naquela época, não havia um forte contraponto para essa imagem adocicada, que os esquerdistas pegaram de graça e foram enganados.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 3

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual. Testemunhos Lentulianos Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944) :   Em agosto de 1944, o periódico carioca “Jornal da Noite” publicou reportagens investigativas acerca da mediunidade de Francisco Cândido Xavier.   Nas suas edições de 09 e de 11 de agosto de 1944, encontram-se contra-argumentações espíritas defendendo tal mediunidade, inclusive em resposta a uma reportagem anterior (negando-a, e baseando seus argumentos, principalmente, na inexistência de “Públio Lêntulo”, uma das encarnações pretéritas do

Provas de que Chico Xavier NÃO foi enganado por Otília Diogo

 (Autor: Professor Caviar) Diante do caso do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que divulgou uma farsa alimentícia durante o evento Você e a Paz, encontro comandado por Divaldo Franco, o "médium" baiano, beneficiado pela omissão da imprensa, tenta se redimir da responsabilidade de ter homenageado o político e deixado ele divulgar o produto vestindo a camiseta do referido evento. Isso lembra um caso em que um "médium" tentava se livrar da responsabilidade de seus piores atos, como se ser "médium espírita" permitisse o calote moral. Oficialmente, diz-se que o "médium" Francisco Cândido Xavier "havia sido enganado" pela farsante Otília Diogo. Isso é uma mentira descarada, sem pé nem cabeça. Essa constatação, para desespero dos "espíritas", não se baseia em mais um "manifesto de ódio" contra um "homem de bem", mas em fotos tiradas pelo próprio fotógrafo oficial, Nedyr Mendes da Rocha, solidário a

Um grave equívoco numa frase de Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar) Pretenso sábio, o "médium" Francisco Cândido Xavier é uma das figuras mais blindadas do "espiritismo" brasileiro a ponto de até seus críticos terem medo de questioná-lo de maneira mais enérgica e aprofundada. Ele foi dado a dizer frases de efeito a partir dos anos 1970, quando seu mito de pretenso filantropo ganhou uma abordagem menos confusa que a de seu antigo tutor institucional, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Nessa nova abordagem, feita sob o respaldo da Rede Globo, Chico Xavier era trabalhado como ídolo religioso nos moldes que o jornalista católico inglês Malcolm Muggeridge havia feito no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) , em relação a Madre Teresa de Calcutá. Para um público simplório que é o brasileiro, que anda com mania de pretensa "sabedoria de bolso", colecionando frases de diversas personalidades, umas admiráveis e outras nem tanto, sem que tivesse um