(Autor: Professor Caviar)
Um típico exemplo de texto igrejista se nota neste link. Uma patriotada cheia de belas palavras, afinal é o balé da bela retórica, das palavras "boas" que nada dizem, porque só servem para o apelo fácil da emoção, um recurso que especialistas da Comunicação se referem como falacioso, o Argumentum Ad Passiones.
Orson Peter Carrara não é o único palestrante "espírita" que cai em contradição o tempo inteiro, mas é um dos mais típicos, em que, num momento, bajula a "surpreendente atualidade" de Allan Kardec e, em outro, exalta a "luminosidade" de Chico Xavier. Em outro, fala na "urgência" dos alertas de Erasto, mas em outro, na "sabedoria" de Emmanuel. Orson ainda defende a Teologia do Sofrimento - certa vez citou jargões típicos como "inimigo de si mesmo" - , mas exalta a figura de Zilda Arns, irmã e parceira de Dom Paulo Evaristo Arns na luta contra a opressão.
É o tipo de sujeito que acende velas para tudo quanto é canto. Como investe no mel das palavras, pouco importa para palestrantes assim a coerência de ideias. Desta forma, acreditam eles que basta dizer uma coisa e dizer outra bem oposta e emendar tudo com alusões à "paz", ao "amor" e à "fraternidade".
Coitados desses palestrantes "espíritas", que seriam duramente reprovados por Erasto. O discípulo de Paulo de Tarso, em mensagens espirituais divulgadas por um discreto médium, sr. D'Ambel - muito diferente dos "médiuns" festeiros do Brasil que investem no culto à personalidade - , sempre alertava dos deturpadores dos ensinamentos de Allan Kardec, capazes de apelar para o "amor" e "caridade" em frases enfeitadas para inserir ideias igrejeiras velhas, decadentes e sem vínculo com a realidade.
Isso lembra muito a comédia Escolinha do Professor Raimundo, de um outro Chico, bem mais sensato e muito mais mediúnico, o Chico Anysio, esse sim um Chico que incorporou diferentes pessoas com digna habilidade. Não há como não estabelecer paralelo entre o personagem Rolando Lero (do saudoso Rogério Cardoso) e o professor Raimundo com a entre Divaldo Franco e o professor Allan Kardec.
Quanto à patriotada, há a informação absurda de que a Terra "foi construída por Jesus" e fala-se da divinização do Hino Nacional Brasileiro. E o texto investe na mitificação perigosa do Brasil como "Coração do Mundo", uma perspectiva que parece linda, mas é muito traiçoeira, vide o que aconteceu com o Catolicismo do Império Romano durante a Idade Média, em que também se prometia a "união da humanidade por Cristo".
O problema é que essa retórica "tão bonita" só fala de um lado. Unilateralmente, o lado "do bem", o lado "fraterno", "pacifista", "humanitário". Mas não se fala do outro lado, de quem não compartilha com tais "causas" e precisa "sofrer os efeitos dessa recusa". O Catolicismo medieval, o nazi-fascismo, as ditaduras latino-americanas como a brasileira, vivida entre 1964 e 1985, também vieram com um discurso "unificador" no qual quem se recusasse a compartilhar "sofreria as devidas consequências".
E se o nazi-fascismo tivesse justificado seus holocaustos, que tanto chocaram a humanidade pelo seu caráter perverso e sem um pingo de humanidade, com alegações do tipo "resgates espirituais", investindo na culpabilização da vítima atribuindo a ela uma hipotética encarnação antiga, muito longínqua no tempo e que, se fosse verídica, teria sido provavelmente superada?
O "iluminado" Chico Xavier, diante de uma grande plateia, das atenções de milhares de espectadores e sob atento olhar da imprensa, foi no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, no fim de julho de 1971, defender a ditadura militar com suas próprias palavras, dizendo para "orarmos aos generais que estavam construindo o reino de amor do futuro".
Em outras palavras, Chico Xavier acreditava que a ditadura militar iria construir o "Coração do Mundo" que ele sempre atribuiu ao Brasil, misturando um devaneio caipira de querer que seu próprio país "mande no planeta" - uma visão extremamente perigosa e potencialmente mortal - com um senso de divinização trazida pela formação religiosa do "médium", católica ortodoxa de influência jesuíta-medieval.
E aí o texto de Carrara se contradiz. Que "liberdade" que ele fala? A palavra soa solta, vaga, nesse balé de palavras bonitas. O trecho que copiamos - descontamos a óbvia bajulação a um Kardec reduzido a um "padre", na tradução igrejista de Gentile - revela um moralismo que poderia ser dito em propagandas da ditadura militar:
"O dia 21 de abril lembra liberdade, desde os tempos escolares. Isso lembra responsabilidade, comprometimento, ética. Afinal, temos um compromisso com o país, com a coletividade brasileira. Qualquer cidadão está comprometido com a segurança, com os valores do país, com a obrigação moral da retidão e da gratidão, que se estendem por ações em favor do bem comum. É o dever! (...)
Por tudo isso, a reflexão sobre nosso papel de brasileiros perante a Pátria Brasileira inclui-se igualmente no dever, ainda que apenas por gratidão pelo país que nos acolhe, garantindo-nos a paz desse foco irradiador de trabalho e fé que é o Brasil. Tamanho compromisso dispensa corrupção, egoísmo e tolas vaidades. Pede-nos, isso sim, trabalho e dignidade, exatamente pelo alto compromisso que todos temos com a vida e seu significado.
Repare o leitor atento que, quando ouvimos o Hino Nacional, a emoção nos envolve completamente. É o sentimento de compromisso com a missão da Pátria que integramos. O renascimento no país não é obra do acaso. Indica comprometimento e programação sabiamente elaborada. Saibamos respeitar e cumprir o que antes prometemos".
Falar é muito fácil, e como jardins de palavras róseas escondem significados espinhosos e mortíferos. O quanto se fala, em tese, em "trabalho", sem verificar a natureza dessa tarefa e sem considerar a individualidade humana. Ignora-se que o texto de Carrara é difundido num momento grave para o país, em que a precarização do trabalho e o desmantelamento do patrimônio brasileiro e de seus serviços públicos causa muita dor e sofrimento para os cidadãos.
Devemos lembrar, também, que os "espíritas" definiram como "regeneração" as passeatas "contra a corrupção" de 2016, chegando a falar em "intuições de espíritos superiores" e tudo o mais. No entanto, tais passeatas mostravam pessoas pedindo morte aos esquerdistas - uma senhora exibiu o cartaz "Por que não mataram todos em 1964" - manifestantes apelavam para a baixaria de baixar as calças e exibir seus traseiros fedorentos em plenas ruas e outros "revoltados" exibindo até mesmo suásticas nazistas e pedindo "intervenção militar" (eufemismo para golpe e ditadura militar).
O "espiritismo" não consegue esconder sua insensibilidade humana com o maravilhoso mel das palavras. Virou uma religião de confeiteiros da palavra, que acreditam na vã ilusão de que, quanto mais textos "belos" como o que aqui citamos forem escritos, mais possibilidade haverá do palestrante ou escritor "espírita" garantir um lugar no céu.
Para o "espírita", pouco importa se o sofredor desperdice uma ou duas encarnações acumulando desgraças que lhes fazem adiar projetos de vida. Mas o "espírita" tem pressa em alcançar o céu, e acha que com o seu balé de palavras pode agradar Jesus, Kardec e outros e entrar para aquilo que entende como o "jantar dos puros" pela porta da frente.
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