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Mito da "vida futura" mostra conservadorismo do "espiritismo" brasileiro


(Autor: Professor Caviar)

A sabedoria nos alerta que o futuro, mesmo quando é planejado com muita prudência, é sempre incerto. Infelizmente, não é o que pensa o "espiritismo" brasileiro, que já tem prontinha uma visão de "vida espiritual" bem delimitada, com uma grande cidade, um grande condomínio, bosques floridos, crianças (?!) brincando, um grande hospital com capela para oração, e animais fofinhos como passarinhos, cãezinhos, gatinhos, oncinha pintada, zebrinha listrada e coelhinho peludo.

A visão do mundo espiritual revela um materialismo doentio do moralismo "espírita". Afinal, essa ideia é especulativa e trazida sem que fosse desenvolvido o menor fundamento científico. Allan Kardec já havia avisado que não há, na Terra, uma ideia plausível de como realmente seria o mundo espiritual, por mais razoável que fosse, e o andamento das pesquisas nunca avançou o suficiente para que houvesse uma superação desse alerta trazido pelo pedagogo de Lyon.

O que se tem no Brasil é apenas um enfeite "científico", um simulacro de geografia, sociologia e até história sobre o suposto mundo espiritual que se situa sobre o território brasileiro. Tem-se até a famosa "cidade-colônia" de Nosso Lar, invenção de Francisco Cândido Xavier originalmente inspirada no livro A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do protestante britânico George Vale Owen, adaptado mediante sugestões vindas de gente como Antônio Wantuil de Freitas e o adolescente prodígio Waldo Vieira, fã de ficção científica. 

Nosso Lar, segundo os "espíritas", se situaria sobre o Estado do Rio de Janeiro, este supostamente governado, no plano espiritual, pelo doutor Guilherme Taylor March, homenageado por uma famosa rua no bairro do Barreto, em Niterói. March foi um dos pioneiros do "movimento espírita" brasileiro, que respaldaram a obra de J. B. Roustaing em detrimento das lições "complicadas" de Kardec.

Em termos de bolsonarismo, nota-se que o "espiritismo" brasileiro, embora jurasse de joelhos que está "neutro" no plano ideológico, sinalizou apoio ao presidente eleito Jair Bolsonaro - que apresenta diversas caraterísticas surpreendentemente comuns a Chico Xavier, que muitos se esquecem ter sido reaça de carteirinha - , comprova-se uma religião profundamente conservadora, em que a Teologia do Sofrimento exerce mais influência do que os postulados originais do Espiritismo francês.

Mesmo a ideia de "vida futura" e "reencarnação" são interpretados pelo "espiritismo" brasileiro como ganchos para que se aceite a degradação da vida atual. A ideia de "sofrer em silêncio, sem reclamar da vida", é um apelo que se justifica pela desculpa na qual a "vida futura" trará "coisas melhores", e a certeza da reencarnação é tendenciosamente interpretada com uma exatidão inconcebível.

Afinal, você não sabe o que esperará na "vida futura". A reencarnação existe, mas os papéis sociais serão outros. As oportunidades perdidas na vida presente se perderam para sempre, e só com muita dificuldade se recuperam, parcialmente, situações e projetos de vida perdidos na encarnação que se passou, seja pelos obstáculos extremos ou pela tragédia prematura.

É verdade que as circunstâncias forçam a pessoa a se tornar conservadora, porque as decepções com as situações diferentes na "vida futura" dificilmente evitam a reação inconsciente da pessoa que perdeu as oportunidades da vida anterior e não quer suportar uma nova perda. A diferença de contextos, a substituição de antigos repressores por oportunistas a se promoverem às custas do plano de vida duramente reconstituído na vida posterior, revelam mais novos impasses do que novas possibilidades para o reencarnado.

Num contexto ultraconservador que é o brasileiro, o "espiritismo" brasileiro esconde essa dura realidade. Até porque, para essa religião, o ultraconservadorismo é "saudável", por se respaldar a paradigmas de moralidade, hierarquia social e religiosidade socialmente estimulados no Brasil. Tanto faz a pessoa sofrer desgraças e obstáculos intransponíveis na vida atual quanto sofrer decepções na vida futura, que nem sempre lhe trará as mesmas condições para seus projetos de vida, a serem recomeçados do zero, talvez com alguns ganhos, mas também com perdas que podem soar frustrantes.

A "vida futura" traz incertezas, seja quanto ao planeta em que se viverá, o tipo de povo a conviver, as tecnologias disponíveis, as estruturas sociais a serem constituídas. O sujeito que, numa encarnação, vivia feliz com sua mulher, até ela morrer numa tragédia prematura, ao ver que, depois, ela reencarna como sua irmã e não na condição anterior, terá alguma autorização para cometer o incesto? Ou terá que extinguir as antigas afeições sexuais e adaptá-las à nova condição?

E o músico de vanguarda que tinha um cenário com pessoas afins e que morre, de repente? Ao reencarnar, ele não encontra mais o mesmo cenário artístico, mas se cerca de ídolos cafonas e canastrões que o usam para ser arranjador e "embelezar" o repertório medíocre dos cantores na encarnação recente do músico de vanguarda. Quantas oportunidades perdidas na vida anterior!

Se, como na música de Lulu Santos, "Como Uma Onda", e num trecho de "Tempos Modernos", fala-se que de mudanças bruscas em segundos e na sequência de tempos que não voltam mais, por que os "espíritas" falam em planos de vida que "podem recomeçar" na "vida futura"?

O que se observa é o descaso que o "espiritismo" brasileiro tem do sofrimento humano. Os "espíritas" dizem reprovar o suicídio, o consideram um "crime hediondo", mas não estão aí para as condições que levam alguém ao suicídio, afinal ninguém se suicida por diversão. Pior: insistindo para os sofredores suportarem suas desgraças na vida presente, mesmo quando os obstáculos os fazem perder o controle de seus destinos, os "espíritas" ainda apelam para a falácia do "inimigo de si mesmo", o que não passa, contraditoriamente, de um impulso para o desgraçado tirar sua própria vida, sendo uma acidental incitação ao suicídio que o próprio "espiritismo" brasileiro diz condenar.

E agora que o bolsonarismo está em voga, com o "mito" Jair Bolsonaro a poucos dias para assumir o Governo Federal, os "espíritas", ainda que façam beicinho dizendo que "não estão compactuando com o bolsonarismo" (apesar das evidências de que o espírito do reacionário Chico Xavier tenha se afinado com as energias bolsonaristas de Edir Macedo, R. R. Soares, Silas Malafaia etc), revelam seu ultraconservadorismo ao defenderem que os brasileiros "aguentem pesadas dificuldades" em prol de um "futuro melhor".

Só que não sabemos como será esse futuro e se ele oferecerá as mesmas condições para a realização de projetos de vida perdidos, porque os contextos sociais, os papéis sociais dos reencarnados e as possibilidades de tomada de iniciativas serão muitíssimo diferentes, com alto risco de perdas profundas para a retomada daquilo que não foi feito ou se perdeu na caminhada.

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