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Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá: "ativistas" que a direita elitista tanto gosta


(Autor: Professor Caviar)

O grande problema das esquerdas no Brasil é que seus heróis foram os mesmos trazidos pela direita cultural. Bastava um falso aparato "popular", um pretenso "cheiro de pobre", para que se arranque das esquerdas mais ingênuas um apoio um tanto crédulo, baseado em ideias soltas e palavras vagas como "paz", "periferia", "caridade" ou mesmo um desvirtuado conceito de tolerância e "fim dos preconceitos".

Isso abriu o caminho para a retomada reacionária que hoje tempos. Admirando os "cavalos de Troia" fornecidos pela mídia hegemônica, que trouxe para setores flexíveis das forças progressistas uma agenda cultural de centro-direita, a ponto de vender, como pretenso empoderamento feminista, a objetificação sexual da mulher tomando como mera desculpa o fato de que suas "musas" não eram casadas nem tinham sequer namorado - quando muito, elas eram jogadas a "namoros" de dois dias e "casamentos" de três meses - , essas forças se tornaram vulneráveis e foram colocadas no ridículo por comentaristas reacionários que se ascenderam a ponto de se tornarem seguros propagandistas da campanha estranhamente vitoriosa de Jair Bolsonaro para presidente da República.

O fato das esquerdas, ingenuamente, adorarem os reacionários religiosos Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier - este conhecido popularmente como Chico Xavier - é ilustrativo dessa complacência de um país que nunca teve tradição para ser progressista, mas de ser um país bastante conservador. Associado a paradigmas socialmente consagrados como "paz" e "caridade", Chico e Teresa se tornaram, na verdade, porta-vozes de um pretenso pacifismo criado pela ideologia conservadora dominante.

Por trás de ambos, há a articulação discursiva do católico e ultraconservador Malcolm Muggeridge, jornalista e escritor que havia trabalhado na BBC e pela qual elaborou e dirigiu o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), em 1969, sobre Madre Teresa de Calcutá.

"CARIDADE" DE FACHADA

Esse documentário criou os paradigmas do que se chama, criticamente, como Assistencialismo. É uma "caridade" de fachada, que rende mais adoração e vantagens pessoais ao suposto benfeitor do que resultados sociais, por sinal medíocres, quando muito eventuais e longe de serem concretos. Na melhor das hipóteses, o número de beneficiados dessa "caridade" é ínfimo e seletivo, mais para justificar as bênçãos aos "escolhidos" da "graça divina".

Uma narrativa era até montada para divinizar Madre Teresa. Como num enredo de novela, a "santa" chegava a uma casa de caridade, cumprimentava a multidão extasiada à sua espera, saudava alguns miseráveis colocados no chão, carregava bebês no colo, entrava no estabelecimento, cumprimentava doentes deitados em leitos, acompanhava crianças tomando sopas e, sentando na bancada do salão principal, dava depoimentos dizendo frases de efeito que eram tidas como "saber filosófico", embora de profundo conteúdo moralista dos mais conservadores.

Essa narrativa, montada com a habilidade de uma ficção novelesca, foi utilizada pela Rede Globo de Televisão para recriar o mito de Chico Xavier, que havia sido montado de maneira confusa por Antônio Wantuil de Freitas, em seu tempo. Com a morte deste, houve necessidade de relançar o mito do "médium bondoso", mas dele se minimizou todo o apelo sensacionalista anterior, reduzindo a ênfase na evocação de "escritores mortos" fruto de uma "pitoresca paranormalidade". Assim, deixou-se de colocar em primeiro plano a paranormalidade que, quando muito, era destacada apenas nas ações "mais simples", como a farsa das "cartas mediúnicas", tida como a "maior caridade de Chico Xavier".

Isso tudo era feito para dar um verniz de simplicidade, tanto no caso de Chico quanto de Madre Teresa, esta depois denunciada pelo jornalista Christopher Hitchens por corrupção e maus tratos, desviando o dinheiro da caridade para os cofres do Vaticano e deixando os internos das casas das Missionárias da Caridade em situações desumanas, morrendo de doença, subnutrição e falta de higiene. Devota da Teologia do Sofrimento (que, no Brasil, tem no "espírita" Chico Xavier seu propagandista explícito, porém não oficialmente declarado), Madre Teresa chegou a festejar as mortes de seus "assistidos" como "novos anjos que foram ao encontro de Deus".

ESPETACULARIZAÇÃO DA MORTE

No caso de Chico Xavier, as "cartas mediúnicas", atividade que se tornou intensa num estranho contexto, o das convulsões sociais que explodiram na crise da ditadura militar, durante o governo de Ernesto Geisel, serviram para diversos motivos: promover um ídolo religioso concorrente aos pastores neopentecostais (como Edir Macedo e R. R. Soares, em ascensão na época), quanto para promover um suposto ativismo social nos moldes aceitos e tolerados pela sociedade reacionária e elitista que, recentemente, retomou o domínio no Brasil.

As "cartas mediúnicas" foram uma farsa que, entre outros malefícios, prolongavam a exposição de tragédias familiares de pessoas comuns, transformavam as mortes, sobretudo prematuras, em espetáculo, e alimentavam o sensacionalismo da mídia policialesca. Mesmo a suposição da "vida futura" trazida por Chico Xavier - tese feita sem fundamento científico, apesar de haver possibilidade de vida espiritual - não excluía a espetacularização da tragédia humana, que criava, nas famílias viventes, um clima de catarse que chegava ao ponto do patético, com mães pulando que nem animais e gritando histéricas depois de ouvirem mensagens supostamente atribuídas aos parentes mortos.

Outro aspecto também a ressaltar, mas esse já foi tema de outros textos, é que essas mensagens gozam de caráter fake, havendo denúncias sérias e fartas de provas consistentes de que tais "cartas mediúnicas" eram produzidas de maneira fraudulenta, através de pesquisas de fontes bibliográficas e jornalísticas e de interpretações de "leitura fria" trazidas pelos depoimentos de parentes dados nos chamados "auxílios fraternos" das "casas espíritas" envolvidas, sobretudo em Uberaba.

A "leitura fria" é um recurso no qual o entrevistador "pega carona" no que o entrevistado diz, interpretando, a partir não só das informações colhidas como da forma como que elas são expressas pelo depoente, podendo, assim, inventar um repertório "sobrenatural" de informações e detalhes que podem "fabricar" uma mensagem "mediúnica" bastante sofisticada, cheia de "detalhes pouco conhecidos". Até mesmo quando uma tia fala do detalhe de um sobrinho morto que a mãe deste desconhece pode ser aproveitado como "informação desconhecida", fazendo com que incautos "comprovem" uma autenticidade que nunca existiu.

CONSOLO COM A TRAGÉDIA DA DITADURA MILITAR

O que chama a atenção nos casos de Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá é que os dois viraram símbolos de um suposto ativismo social em países conservadores, o Brasil e a Índia. A exaltação dos dois e a promoção deles como "espírito de luz" e "santa" - Madre Teresa foi canonizada pelo Vaticano por estar associada a dois falsos milagres, um tratamento comum de câncer de uma indiana em 2002 e uma intoxicação alimentar creditada como "câncer terminal" de um engenheiro brasileiro em 2008 - eram uma forma de fazer as populações dos dois países se resignarem com seus cenários conservadores de desigualdades sociais, a serem resolvidas apenas pelo Assistencialismo (creditado tendenciosamente como Assistência Social) e não por verdadeiros movimentos sociais "criminalizados" por suposta associação ao "comunismo".

No Brasil, Chico Xavier foi o ideólogo perfeito para fazer criar multidões de pessoas servis e submissas. Seu ideário era todo em prol da submissão dos oprimidos: "sofrer em silêncio, sem reclamar" era o seu maior princípio. Chico Xavier era uma espécie de "AI-5 do bem", uma versão adocicada de Jair Bolsonaro, e hoje, quando os dois arrivistas - "médium" e ex-capitão - estão sendo comparados um com o outro, apresentando semelhanças surpreendentemente intensas, nota-se que não há coincidência alguma no fato do auge de Chico Xavier ter sido durante a ditadura militar.

Chico Xavier era o anti-petista por excelência e seu suposto ativismo tinha como objetivo evitar a consagração de ativistas autênticos como líderes sindicais, camponeses, estudantis e de sem-teto. Daí os comentários que o "médium" fez contra os movimentos sociais no Pinga Fogo da TV Tupi. E daí soar patético quanto setores das esquerdas ainda sentem complacência com o "médium" e coçam suas cabeças quando alguém lhes adverte que Chico Xavier sempre foi um reacionário. E isso quando pessoas aparentemente mais "modernas" como o roqueiro Roger Moreira e a atriz Maitê Proença podem ser naturalmente reconhecidos como reacionários. Soa surreal que um "médium" de perfil antiquado, visual cafona e ideias como defender que o oprimido sofra desgraças em silêncio seja visto como "progressista", sem haver sequer desculpa verossímil para tanto.

O que vemos é que a farsa das "cartas mediúnicas" de Chico Xavier, oficialmente tidas como "sua maior e mais bela caridade em favor dos sofredores", foi feita para forçar o conformismo social com a ditadura militar. E representava um recado subliminar: se os parentes morriam nas tragédias cotidianas e isso "era natural", o mesmo deveria ser encarado para as vítimas da ditadura militar, o que significava que essas tragédias eram "um mal necessário", porque a "outra vida" era um "porto seguro" para esses mortos.

Chico Xavier sempre foi uma das figuras mais retrógradas, mais conservadoras e mais reacionárias de toda a História do Brasil e isso não é um exagero. Suas ideias, suas práticas, suas opiniões sempre trazem alguma prova disso, aliás, um monte de provas consistentes e comprováveis à luz de um simples argumento lógico. Por isso é que, se Chico Xavier é considerado "ativista", é porque ele segue padrões de "ativismo" defendidos pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira. E, de forma explícita e comprovável pelas obras de Chico Xavier, tudo o que ele fez foi criar uma multidão de pessoas submissas ao poder dominante, um rebanho de miseráveis e infelizes subservientes às imposições de uma sociedade injusta e desigual. 

O ideário de Chico Xavier mostrava o lado cruel do moralismo "espírita": pede-se "misericórdia e perdão incondicional" da parte dos oprimidos; da parte dos opressores, permite-se o "livre arbítrio" e apenas o "fiado espiritual", que é a ideia de "pagar pelo que se fez" na próxima encarnação.

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