Pular para o conteúdo principal

Chico Xavier e Jair Bolsonaro são "almas gêmeas"?


(Autor: Professor Caviar)

Note esse comentário:

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".

Esse comentário transmite uma visão tipicamente bolsonarista, e se refere à ditadura militar, vista como uma "necessidade" das "famílias cristãs", com "boa dose de patriotismo", apelou para o golpe militar de 1964.

Ela, no entanto, foi declarada, em alto e bom som, diante de um grande público, na época, e, também, hoje, postumamente, em vídeos no YouTube e até livro e DVD, por Francisco Cândido Xavier. Sim, o famoso "médium" Chico Xavier, que uma parcela de seus seguidores define como "progressista", "moderno" e, até mesmo, um suposto esquerdista, tese que não tem pé nem cabeça. As declarações foram dadas no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, no final de julho de 1971, quando a ditadura militar, movida pelo AI-5, estava em sua fase mais repressiva, e boa parte da direita que apoiou o golpe de 1964 passou para a oposição.

Diferente da imagem de "fada-madrinha do mundo real" que os críticos de Chico Xavier chamam a atenção para o mito adocicado difundido pela Rede Globo a partir de um roteiro importado de Malcolm Muggeridge - e que é o paradigma oficial que inspira a adoração ao "médium" - , o mineiro de Pedro Leopoldo sempre foi uma figura reacionária, que em seus livros, mesmo botando no crédito autoria de "espíritos do além-túmulo", sempre defendeu que as pessoas desafortunadas "aceitassem sofrer desgraças em silêncio". Sendo devoto da Teologia do Sofrimento, Chico Xavier não pode ser moldado pelo pensamento desejoso para parecer um pretenso progressista, por mais que se faça um esforço retórico para isso, caprichando em ideias agradáveis, porém falsas e nada realistas.

Hoje se começa a argumentar que Chico Xavier e Jair Bolsonaro são, no fundo, "almas gêmeas", descontadas as diferenças de contextos, e se é que tal expressão existe. Em inglês, o termo equivalente ao "alma gêmea" é mais feliz: soulmate, "companheiro em alma". E isso se dá de forma que Jair Bolsonaro e Chico Xavier são, no fundo, personagens igualmente arrivistas, ambiciosos e conservadores, tendo se ascendido de forma semelhante, com o intuito de se tornarem quase unanimidades, às custas de muito sensacionalismo e blindagens.

Chico Xavier criou uma "antologia poética", Parnaso de Além-Túmulo, que tem três estranhezas.

1) O livro se intitula "parnaso", quando o Parnasianismo já era um movimento fora de moda, dez anos antes do lamçamento do livro "mediúnico" (de 1932). O Modernismo, aliás, estava consolidado e seus integrantes até estavam exercendo cargos administrativos.

2) Era sensacionalismo demais apelar para um livro em que "vários escritores mortos", do mundo espiritual, ainda mais recorrendo a um caipira de um antigo distrito de Santa Luzia, a hoje cidade de Pedro Leopoldo (ainda com feições interioranas), na Grande Belo Horizonte, para receber tais obras. É bom demais para ser verdade e a lógica torna impossível que espíritos de diferentes procedências se reúnam todos em um mesmo evento, seja artístico ou de outra natureza. A nossa vida traz exemplo: se é difícil reunir todos os amigos de infância para um reencontro muitos anos depois, imagine diferentes escritores, pintores, compositores etc.

3) As obras apresentam irregularidades estilísticas não raro graves. Alguns estilos soam paródicos, como Castro Alves, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos e Olavo Bilac. Outros desaparecem, como Auta de Souza. São coisas que não devem ser menosprezadas porque ferem a memória e o legado desses artistas.

A esse trabalho vieram outros, como a série "Humberto de Campos", um "clássico" da literatura fake. O processo dos herdeiros contra Chico Xavier deu em nada, pelos caprichos da justiça seletiva através do juiz suplente João Frederico de Mourão Russell, da 8ª Vara Cível do Distrito Federal (então o Rio de Janeiro), que, numa declaração que lembraria um Sérgio Moro, definiu o processo "improcedente".

Mourão Russell foi um dos três Mourões que abriram as portas para o arrasamento do Brasil. Outro Mourão foi o general mineiro Olímpio Mourão, lotado na mesma Juiz de Fora onde ocorreu o atentado contra Bolsonaro, comandou em 1964 o golpe militar que tirou João Goulart do poder. O terceiro é outro general, o gaúcho Antônio Hamilton Mourão, vice do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Jair Bolsonaro também foi arrivista. Se ascendeu causando confusão, ao planejar uma série de atentados terroristas em quartéis, sem provocar vítimas, só para chamar atenção à cúpula do Exército para o aumento de salário dos capitães e outras patentes militares inferiores ao oficialato.

55 anos separaram os dois arrivismos,  o livro poético de 1932 e o atentado de 1987. E os dois foram salvos por pistolões: o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, dublê de "empresário" de Chico Xavier, e um "general amigo" que protegeu Bolsonaro.

Os dois passaram a ser blindados também com "ajuda" indireta de fora. Chico Xavier é alvo de adoração atualmente por conta da imagem adocicada que a Rede Globo trabalhou em favor dele, com base no que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá. Portanto, se o brasileiro gosta tanto de Chico Xavier, deveria gostar também de Muggeridge, que ofereceu o roteiro para tão fantasiosa imagem humana, feita para o consumo emotivo da idolatria religiosa.

Já o político Jair Bolsonaro contou com uma colaboração indireta de Steve Bannon, o marqueteiro de Donald Trump, que forneceu o modus operandi para a campanha que fez vencedor o candidato do PSL. Bannon chegou a aparecer ao lado de Eduardo Bolsonaro, filho de Jair e deputado federal eleito por São Paulo, assim como seu irmão Flávio, como senador pelo Rio de Janeiro.

Os apelos emocionais que unem Chico e Jair são os mesmos: catarse extrema, apelo sensacionalista, imagem de "salvador da Pátria", emotividade cega, baixo senso crítico e uma idolatria a níveis perigosamente religiosos. Ambos tiveram origem católica mas se integraram a outras religiões. Enfim, há uma coleção de pontos em comum entre Chico Xavier e Jair Bolsonaro.

Difícil os malabaristas do discurso elaborarem um pensamento desejoso arranjando textos de Chico Xavier escritos nas últimas décadas de vida para inserir ali uma interpretação fantasiosa para manter a imagem agradável e idealizada que se tem do "médium", graças a Muggeridge.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 3

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual. Testemunhos Lentulianos Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944) :   Em agosto de 1944, o periódico carioca “Jornal da Noite” publicou reportagens investigativas acerca da mediunidade de Francisco Cândido Xavier.   Nas suas edições de 09 e de 11 de agosto de 1944, encontram-se contra-argumentações espíritas defendendo tal mediunidade, inclusive em resposta a uma reportagem anterior (negando-a, e baseando seus argumentos, principalmente, na inexistência de “Públio Lêntulo”, uma das encarnações pretéritas do

Provas de que Chico Xavier NÃO foi enganado por Otília Diogo

 (Autor: Professor Caviar) Diante do caso do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que divulgou uma farsa alimentícia durante o evento Você e a Paz, encontro comandado por Divaldo Franco, o "médium" baiano, beneficiado pela omissão da imprensa, tenta se redimir da responsabilidade de ter homenageado o político e deixado ele divulgar o produto vestindo a camiseta do referido evento. Isso lembra um caso em que um "médium" tentava se livrar da responsabilidade de seus piores atos, como se ser "médium espírita" permitisse o calote moral. Oficialmente, diz-se que o "médium" Francisco Cândido Xavier "havia sido enganado" pela farsante Otília Diogo. Isso é uma mentira descarada, sem pé nem cabeça. Essa constatação, para desespero dos "espíritas", não se baseia em mais um "manifesto de ódio" contra um "homem de bem", mas em fotos tiradas pelo próprio fotógrafo oficial, Nedyr Mendes da Rocha, solidário a

Um grave equívoco numa frase de Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar) Pretenso sábio, o "médium" Francisco Cândido Xavier é uma das figuras mais blindadas do "espiritismo" brasileiro a ponto de até seus críticos terem medo de questioná-lo de maneira mais enérgica e aprofundada. Ele foi dado a dizer frases de efeito a partir dos anos 1970, quando seu mito de pretenso filantropo ganhou uma abordagem menos confusa que a de seu antigo tutor institucional, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Nessa nova abordagem, feita sob o respaldo da Rede Globo, Chico Xavier era trabalhado como ídolo religioso nos moldes que o jornalista católico inglês Malcolm Muggeridge havia feito no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) , em relação a Madre Teresa de Calcutá. Para um público simplório que é o brasileiro, que anda com mania de pretensa "sabedoria de bolso", colecionando frases de diversas personalidades, umas admiráveis e outras nem tanto, sem que tivesse um