(Autor: Professor Caviar)
O texto abaixo, típico daqueles "isentões espíritas", não tem pé nem cabeça. Ele começa com um título infeliz, reivindicando autenticidade a Parnaso de Além-Túmulo, o que é um grave equívoco. Não se reivindica autenticidade, se busca comprová-la e, se isso não for possível, não se pode insistir nesse objetivo negado.
O autor, Jorge Caetano Júnior, reclama da "falta de sustentação teórica", uma desculpa típica dos "isentões". Por que ele não cobra sustentação teórica em tantas coisas referentes a, por exemplo, Nosso Lar, fantasiosa "cidade espiritual" feita sob o capricho de paixões materialistas à direita (dizemos à direita para não fazer com que outros "isentões espíritas" atribuíssem marxismo onde não existe)?
Isso é conversa mole. Afinal, sustentação teórica têm, sim, os contestadores da deturpação espírita, o que desagrada aos "isentões" é a falta de roupagem formal, num Brasil em que o valor das monografias se mede pelo embelezamento discursivo, e não pelo senso crítico nem pela audácia investigativa.
Falta de sustentação teórica tem o texto abaixo, que é apenas uma maquiagem discursiva, tanto que tem até referência bibliográfica dentro das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Jorge tenta parecer "imparcial" a ponto de "não se dizer espírita", mas sua única preocupação é em blindar Francisco Cândido Xavier sem parecer "sectário".
Reproduzimos o texto abaixo para ver o tom dessa maquiagem textual que os "isentões", pretensos proprietários da "verdade", usam para soarem convincentes no seu esforço de abafar e evitar os questionamentos em torno da deturpação da Doutrina Espírita.
Além disso, ele cita o texto do suposto Casimiro de Abreu, "A Terra", como exemplo de autenticidade, mas só reproduziu duas primeiras estrofes, quando, no poema completo, a penúltima estrofe traz uma causa própria de Chico Xavier, mas estranha na de Casimiro: "E enche-se de esperanças / Para sofrer e lutar". Não se pode confundir a dramatização do sofrimento, pelo Ultrarromantismo, pela apologia ao sofrimento, pela Teologia do Sofrimento de Chico Xavier. Afinal, o poeta ultrarromântico não queria sofrer, ele traduzia, em poesia, o lamento do sofrimento que era obrigado a encarar.
Vamos ao texto, que deve ser lido levando em conta que seus argumentos são bastante duvidosos e falhos, e carecem de lógica a partir da própria intenção de "desejar autenticidade" a uma obra, pois, repetimos, não se pode desejar nem reivindicar autenticidade, mas buscar provas e, se isso não for o caso, confirmar a fraude.
O texto apenas traz alguns clichês dos supostos "questionamentos" em torno das obras de Chico Xavier, inclusive polêmicas já manjadas, que são interpretadas sempre com base nas paixões religiosas, nas quais o religioso tem razão, pouco importando a lógica dos fatos e provas que o contradigam. É um texto obscurantista, apenas maquiado de linguagem monográfica para tentar impressionar o público com esse verniz intelectualoide.
Portanto, o texto abaixo é um texto que busca abafar questionamentos e deixar a idolatria a Chico Xavier como está, sem contribuir coisa alguma ao verdadeiro debate sobre as irregularidades do "espiritismo" brasileiro.
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Pela Autenticidade de Parnaso de Além-Túmulo, em defesa de Chico Xavier
Por Jorge Caetano Júnior - 17 de abril de 2016
RESUMO
O presente ensaio é uma contribuição à polêmica que recentemente ressurgiu, quanto à autenticidade da autoria espiritual dos poemas que compõem a obra Parnaso de Além-Túmulo, tida como ditada por poetas desencarnados, por intermédio da mediunidade de Chico Xavier. Procura-se apresentar argumentos técnicos, baseados em conceitos de teoria literária, com o fito de demonstrar da forma mais criteriosa possível a autenticidade da autoria espiritual. Além de fazer menção a críticas e defesas já existentes, o ensaio apresenta pequena tese própria fundamentada na análise dos poemas atribuídos ao espírito de Casimiro de Abreu.
1. Ruptura, Descontentamento e Acusações Desprovidas de Sustentação Teórica.
Nos últimos anos – e eu não saberia precisar há quanto tempo isso acontece – parece estar havendo um processo de ruptura no Espiritismo brasileiro. Isso pode ser constatado em várias páginas existentes na Internet (Dossiê Espírita e Crítica Espírita, por exemplo), dedicadas a criticar alguns temas bem pontuais, principalmente o posicionamento da Federação Espírita Brasileira – FEB ante alguns expoentes do Espiritismo nacional.
O que se percebe, de modo geral, é que os descontentes manifestam uma intenção de preservar uma estrita fidelidade a Allan Kardec e, mais que isso, uma retomada dos princípios deixados pelo codificador, que estariam, em tese, sendo paulatinamente abandonados pela Federação, em que pese essa também declarar sempre e em todas as suas mídias institucionais essa mesma fidelidade. Provavelmente, inclusive, não exista maior fidelidade do que a ininterrupta reedição das obras da codificação e sua venda a preços populares e simbólicos, visando à disseminação da Doutrina.
Não pretendo eu, principalmente por não ser espírita, entrar no mérito das críticas feitas à FEB. Não fico de nenhum dos dois lados, até porque tenho posição muito bem demarcada em relação à aludida fidelidade a Kardec que precisa muito mais de atualização do que de fidelidade, mas, considerando a clara interseção existente entre a Umbanda – que pratico – e o Espiritismo, sinto-me, não apenas no direito, como na obrigação de posicionar-me quanto a algumas questões, principalmente aquelas que podem ser abordadas a partir de uma perspectiva um pouco mais técnica. Essa é a intenção deste ensaio.
Notadamente, os dissidentes do pensamento institucional espírita elegeram alguns bodes expiatórios, sobre os quais descarregam toda a sua ira, acusando-os de trair e perverter o legado de Kardec, seja por interesse de autopromoção, seja por identificação com o pensamento católico. No plano mundial, o principal eleito é Leon Denis (que oportunamente merecerá um ensaio autônomo) e no plano nacional os ataques recaem sobre Chico Xavier e seu mentor Emmanuel, e sobre Divaldo Pereira Franco, juntamente com Joana de Ângelis.
Não posso deixar de expressar minha convergência com os dissidentes, no que concerne a Divaldo Franco, tanto pelas razões por eles esposadas, quanto por outras que deixo de declarar, por fugir aos objetivos deste escrito, mas no tocante a Chico Xavier, embora reconhecendo certa razão em parte das críticas que lhe são dirigidas, como sua postura excessivamente estoica, não posso fazer coro com insinuações de falsidade de sua obra e de uma certa falsidade ideológica consubstanciada em mistificação através de falsas psicografias.
Nesse ponto devo dizer que sempre questionei a obra Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, por seu conteúdo que ultrapassa as fronteiras do ufanismo, para adentrar os domínios de um idealismo pueril e fantasioso, mascarando fatos históricos muitas vezes vergonhosos para a nação brasileira. Sempre disse que gostaria de que o livro tivesse vindo à luz após 1964 (preferencialmente após 1968), para ver que tipo de escusa se daria aos atos da ditadura militar. Apesar disso, nunca considerei mistificação, tendo sempre optado por entender como obra de algum espírito ignorante ou malicioso que tivesse conseguido se insinuar ao médium com um nome respeitável como o de Humberto de Campos, afinal, Chico era humano, a despeito de sua notável faculdade mediúnica.
Entre os muitos ataques que são dirigidos ao médium mineiro, encontrei recentemente dois textos intitulados ‘Parnaso de Além-Túmulo’ se revela um trabalho inseguro (DOSSIÊ, 2014a) e Os Problemas da Legitimação Mediúnica de ‘Parnaso de Além-Túmulo’ (DOSSIÊ, 2014b) nos quais, além de se criticar o processo de seleção de textos que comporiam o livro, por sua excessiva demora, ainda expressamente se declara a não autenticidade da obra em questão, atribuindo-se erroneamente a Chico a pecha de plagiador. Digo erroneamente, já que, em nenhum momento, o médium assumiu em nome próprio a autoria dos poemas constantes do livro. Fosse mistificação, como poderia ser plágio? Seria um estranho caso de plágio às avessas, onde o plagiador atribui produção própria a terceiros.
Mas não é o mérito jurídico da questão que eu desejo questionar aqui. É, antes, o mérito literário que se conecta diretamente com o mérito mediúnico que, por sua vez, é o real fator de discórdia, apontado pelos dissidentes, com o fito de desmerecer a mediunidade de Chico Xavier e, com isso, apontar uma sucessão de equívocos, desmerecendo por completo a trajetória do Espiritismo no Brasil.
Sinto-me profundamente à vontade para fazer isso, primeiramente porque, como já afirmei antes, estrito senso, não sou espírita. Além disso, também questiono – como eles fazem – os rumos tomados pelo movimento espírita brasileiro, principalmente no que diz respeito ao abandono da vocação científica que o movimento deveria ter e pela excessiva aproximação com os valores católicos, mas daí para se lançarem dúvidas sobre a faculdade mediúnica de Chico Xavier vai uma enorme distância. E essa distância se acentua ainda mais quando se pretende questionar essa autenticidade em uma obra como Parnaso de Além-Túmulo.
O diferencial que pretendo oferecer é o de uma análise fundada em conceitos da Teoria da Literatura; análise essa que venha a oferecer argumentos muito mais técnicos e eficazes do que as meras idiossincrasias e as referências indiciais e maliciosas que pretendem lançar a dúvida de fora para dentro, servindo-se de fatores alheios à obra em si, fundados no achismo e na opinião.
Concluo essa primeira parte, então, dizendo que é absolutamente impossível, de uma perspectiva lógico-racional, provar de forma inconteste a autenticidade da autoria espiritual da obra psicográfica – aliás, quem pode provar a autenticidade de uma manifestação mediúnica – mas é perfeitamente possível, partindo da própria obra, oferecer um grande número de evidências que militem muito mais em favor de sua autenticidade do que em favor de uma fraude.
2. Um Perfil da Obra e de Sua Complexidade.
O primeiro requisito para se fazer a análise de uma obra é o conhecimento da mesma. Não falo de um conhecimento superficial que lastreie análises subjetivas binárias do tipo gostei/não gostei, mas de um conhecimento mais profundo que lastreie análises técnicas fundadas em critérios sólidos, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático.
Necessário, então, traçar inicialmente um perfil da obra, dizendo que Parnaso de Além-Túmulo foi a primeira obra psicografada por Chico Xavier e teve sua primeira edição vindo a público em 1932, por publicação da FEB. Essa primeira edição contava apenas com sessenta poemas, assinados por um número bem menor de autores: quatorze ao todo, sendo nove brasileiros, quatro portugueses e um anônimo.
Esse número foi sendo aumentado a cada nova edição, até que se chegasse à edição definitiva, a sexta, datada de 1955, que já contava, então, com duzentos e cinquenta e nove poemas, devidamente assinados por cinquenta e seis autores, entre brasileiros e portugueses e alguns anônimos.
Trata-se, portanto de uma respeitabilíssima coletânea de poemas, reunindo autores diversos, de diferentes épocas e diferentes nacionalidades, o que deixa claro que, além das diferenças de estilo individual, ainda vamos encontrar diferenças de estilo de época e de nacionalidade, porque é sabido, por exemplo, que, embora autores como Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Olavo Bilac e Raimundo Correia sejam contemporâneos, não compartilham a mesma escola literária, porque nunca houve um Parnasianismo em Portugal.
Essa riqueza de estilos de época coloca lado a lado autores românticos de diferentes gerações, como Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Castro Alves; projeta-se até o Arcadismo, resgatando a musicalidade do verso tetrassílabo do inconfidente Alvarenga Peixoto e passa a limpo o Simbolismo brasileiro, ao registrar a colaboração de Cruz e Souza e de Alphonsus de Guimarãens. É, portanto, um mosaico da História da Literatura Brasileira, ao longo de dois séculos, sem contar a investida pela Literatura Portuguesa.
Uma tal diversidade permite que se encontrem no acervo todos os recursos existentes no processo de versificação e, no campo da análise literária leva o analista a lançar mão de quase toda a teoria existente para a composição poética. É, indubitavelmente uma obra complexa, e essa complexidade não se aplica apenas à análise; aplica-se principalmente à composição. Talvez, por isso mesmo, tenha-se levado tanto tempo para se chegar à edição definitiva. Esse é, inclusive, um dos pontos de polêmica.
Oficialmente, segundo o que esclarece a FEB, após a publicação da primeira edição, Chico Xavier continuara a ser procurado por outros poetas desencarnados que também desejavam oferecer sua contribuição. Destarte, à medida que juntava uma certa quantidade de novos poemas, esses eram enviados à FEB e adicionados aos que já existiam, ensejando, assim, uma nova edição. Esse processo teria se arrastado por vinte e três anos, até a edição definitiva, na qual os poemas aparecem organizados segundo os capítulos de O Livro dos Espíritos.
Essa é uma explicação que de forma alguma soa impossível, ou absurda, principalmente por não sabermos como funcionam as permissões no plano espiritual, por não sabermos se os espíritos comunicantes foram aos poucos adquirindo condições de dar a comunicação, visto que muitos deles podiam, quando das edições anteriores, estar ainda em condições precárias, principalmente porque alguns dos que figuram em autoria, aparecem com pouco tempo de desencarnados. À parte isso, existem inúmeras outras razões possíveis e que se encontram fora de nossas possibilidades de entendimento, pelo menos por enquanto.
De resto, pouco importa o tempo que levou. Sabe-se, por exemplo, que Camões gastou dez anos escrevendo os Lusíadas. Nenhuma composição poética nasce de passe de mágica e acredito que isso valha igualmente para aquelas oriundas de autores desencarnados. O que realmente importa é a qualidade dos poemas e as similaridades que guardem com as obras dos mesmos autores, quando ainda encarnados. Qualquer análise que tenha por escopo aferir a autenticidade da autoria tem que seguir por esse caminho: o do cotejo detalhado e técnico dos poemas, descartando-se a mera opinião
3. Das Críticas, das Opiniões Contrárias e das Réplicas.
Ao que se sabe, o livro sofreu duras críticas, desde sua primeira edição em 1932. Alguns dos autores de tais críticas hoje figuram como referência histórica obrigatória a quem quer que se proponha a contestar a obra.
Um desses críticos é João Dornas Filho, poeta, contista e historiador, nascido em 1902 e falecido em 1962, autor que conseguiu galgar o posto de acadêmico da Academia Mineira de Letras. Sua crítica a Parnaso é bastante lembrada hoje, apenas pelos atuais críticos de Chico Xavier. Pelo visto, a postura crítica de Dornas ganhou tanta evidência quanto suas obras, já que ele pode, talvez, com muito boa vontade, ser considerado escritor secundário no contexto da Literatura Brasileira.
Segundo Druyan (2016), Dornas centrava sua crítica – certamente contra a edição de 1935, a segunda – nos poemas de Parnaso, atribuídos a Olavo Bilac que jamais teria, em vida, escrito um verso imperfeito e que nos sonetos constantes em Parnaso teria errado na rima, na métrica e na linguagem.
Tenho que admitir que só tive acesso à edição definitiva e não conheço a segunda edição, a de 1935, mas tenho certeza de que os poemas de Bilac só começaram a aparecer nessa edição. Confesso-me bastante cético em relação às afirmações de Dornas, porque, embora muito se comente (e se critique) o fato de vários poemas terem sofrido mudanças com o intuito de adequar a métrica, o rigoroso trabalho de Rocha (2001) não faz qualquer referência a mudanças realizadas nos poemas de Olavo Bilac.
Embora me confessando suspeito para comentar, porque nunca tive grande admiração por Bilac, considerando-o um poeta um tanto insosso, também analisei as obras e posso dizer que ou eu, ou Dornas, um de nós leu os poemas errados, porque não consegui encontrar um só detalhe que respaldasse as críticas feitas.
São dez sonetos no total. Quanto à métrica, contei palavra por palavra, verso por verso e, a menos que eu tenha desaprendido versificação, todos são decassílabos, ou alexandrinos, sempre em composições isométricas, exatamente como era normal em Bilac, enquanto encarnado. Só não digo que a métrica seja perfeita, porque um poeta que sempre usou e abusou do enjambement, só podia fazer versos com métrica rigorosa, porém com fluidez duvidosa. E é exatamente assim nos sonetos de Parnaso, bem ao gosto e ao estilo de Bilac.
Também as rimas desmentem explicitamente a crítica. Aliás, chama a atenção a enorme quantidade de rimas ricas (maioria nos sonetos) e a presença de algumas preciosas, por sinal muito bem colocadas no contexto. O máximo que se poderia, talvez, comentar é a insistência no padrão interpolado nos quartetos, mas Bilac encarnado, também demonstrava uma certa preferência por esse padrão.
Da mesma forma, a linguagem dos sonetos nada fica a dever à do Bilac físico. Transparece no plano lexical o preciosismo na busca de vocábulos mais exóticos, enquanto nos planos morfológico e sintático prevalece a lucidez elegante, entremeada, aqui e ali de algumas construções mais ousadas: “Soluça no silêncio. Alma doce e submissa, / E em vez de suplicar a Deus para a injustiça / O fogo destruidor em tormentos que arrasem...” (XAVIER, 2010, p. 346). Faz-se, portanto, perfeitamente possível, admitindo-se a autoria, afirmar que Bilac claramente preservou no plano espiritual sua profissão de fé, seu solene culto à deusa forma.
Como corolário do que aqui afirmo, vale dizer que trabalhos acadêmicos também estão concordes com essa posição. Cite-se então:
Os dados levantados em nossas análises mostram grande proximidade entre os estilos dos autores Olavo Bilac e Olavo Bilac espírito, o que sugere, no mínimo, que o autor dos sonetos mediúnicos tem profundo conhecimento da poética bilaquiana. (...)Tomando em conta os resultados das análises estilística e discursiva, de acordo com o embasamento teórico adotado, e considerando que o autor empírico – o médium Chico Xavier – não reconhece como seus e abre mão legalmente dos textos que grafa pela mediunidade, até poderíamos considerar os sonetos da seção Olavo Bilac do Parnaso de além-túmulo, como parte da obra bilaquiana. (PEREIRA, 2008, p. 110)
Ao que se sabe, também Osório Borba – outro grande nome de nossas letras – foi um severo crítico de Parnaso:
Mas, já no meio da década de 1940, o escritor pernambucano Osório Borba havia pensado em publicar um livro desmascarando o Párnaso do Além-Túmulo. Ele, Cid Franco e o jornalista e espírita José Herculano Pires foram visitar Chico Xavier em Pedro Leopoldo. Herculano Pires é um espírita bem mais cauteloso e, como tradutor dos livros de Allan Kardec, é o único a manter fidelidade aos textos originais do professor francês.No regresso a Belo Horizonte, num bar, conforme relatou o próprio Herculano em 1973, Osório decidiu que irá publicar o livro desmascarando a antologia “espírita”. “Vou provar que o Chico é um pasticheiro, seja consciente ou inconsciente. Ele me impressionou bem, mas tenho de provar isso. Meu livro está quase pronto”, disse. (BURKE, 2014)
Infelizmente nunca se soube qual era o teor alcoólico dessa inusitada conversa de botequim, mas o tal livro nunca saiu. Estranho, porque estava quase pronto. Ou ele se convenceu, ou o porre passou.
O que realmente se sabe é que essa investida contra Chico Xavier – que tinha por trás de si a Igreja Católica – era para ter sido dada por encerrada ainda na década de 1940, depois que Chico venceu a pendência jurídica contra a família de Humberto de Campos e também após a minuciosa investigação conduzida pelo jornalista Clementino de Alencar de O Globo que, Segundo Stoll (2003, p. 73-75) defendia abertamente a posição de que os escritos mediúnicos de Chico eram pura fraude, mas depois de conduzir sua própria investigação, que envolvia até perguntas telepáticas com pedido de resposta em outros idiomas, retornou ao Rio de Janeiro como ardoroso defensor da mediunidade. O que ele escreveu no jornal é documento de época: “... sente-se o repórter no dever de anotar, já agora, aqui, esta impressão: torna-se cada vez mais remota a ideia de fraude grosseira que tenha porventura surgido com as primeiras notícias relativas ao jovem médium de Pedro Leopoldo.” (TAVARES, 1967 apud STOLL, 2003, p. 75).
Toda a polêmica, contudo, vem sendo reaberta – pelo menos nos meios espíritas – por alguns supostos adeptos do Espiritismo – aos quais já me referi no item 1 – que mais parecem estar a serviço dos novos inquisidores gerais, os evangélicos neopentecostais. Daqui a pouco, esses dissidentes estarão afirmando que quem ditava as psicografias de Chico era o diabo. Estudo é, realmente, algo imprescindível em todas as áreas da vida.
4. Mais Alguns Elementos de Convicção.
Seria necessária uma gigantesca obra para se fazer uma análise da autenticidade dos escritos de todos os autores devidamente identificados no livro. Já se produziram trabalhos inteiros (PEREIRA, 2008) para abordar apenas um desses autores, por isso não seria eu a tentar, no âmbito de um simples ensaio, executar tarefa de tamanha monta. Posso, contudo, falar sobre um autor específico e é isso que faço nas páginas seguintes. Precedo, contudo, essa apreciação, de algumas considerações teóricas que se fazem imprescindíveis.
Não posso deixar de assinalar que cada pessoa – e a Psicologia confirma isso – é uma individualidade, um mundo à parte, e essa individualidade se exterioriza em várias atitudes que a pessoa apresenta no seu dia a dia. São gestos, maneirismos, expressões de fala, modos de olhar, de andar, de dormir, de comer, de vestir e toda a variedade de ações que compõem a dinâmica da vida, submetidos à subjetividade do indivíduo.
Creio não ser absurdo falar que essas manifestações de individualidade vão se acentuando à medida em que as pessoas vão aumentando sua bagagem intelectual e transformando seu repertório em um estilo bem demarcado. Essa característica é potencializada ao extremo nos artistas em geral. Em cada forma de arte, o artista apresenta traços peculiares que permitem sua identificação em meio a uma multidão de outros artistas. A isso, grosso modo, chama-se estilo.
Em literatura, em verso, ou em prosa, esse estilo se manifesta no discurso e, devido à infinitude de possibilidades expressivas apresentada pela linguagem, torna-se o mais difícil (de meu ponto de vista impossível mesmo) de ser imitado com semelhança absoluta. Isso faz com que a paródia e o pastiche – que não são a mesma coisa – por mais perfeitos que sejam, sequer se aproximem do estilo original de um autor.
Para tentar explicar o que aqui se propõe, vale dizer que a obra literária possui o valor da forma (linguístico) e o valor do conteúdo (semântico), ambos perpassados por uma intenção estética, compondo juntos a expressão artística (LOPES, 2016). De nada adianta a quem se proponha a imitar o estilo tomar alguns termos pré-selecionados, e algumas imagens comuns a determinado autor, recombinando-os de modo a formar discursos, se esse discurso não estiver impregnado da intenção estética peculiar ao autor em questão. É justamente no modo de trabalhar essa intenção que repousa o estilo marcante de um artista, porque ela está carregada de afetividade, de um conteúdo psicológico personalíssimo que não tem como ser imitado.
Tudo isso levou Tavares (1989, p. 396-397, grifos nossos) a afirmar que “O estilo literário é pertença exclusiva daqueles que foram desde o berço fadados para a arte. Requer vocação. (...) Não é suficiente querer ser escritor ou poeta, no autêntico significado desses termos.” Fica claro que “requerer vocação” inviabiliza a possibilidade de alguém, por mais preparado e inteligente que seja, conseguir copiar fielmente o estilo de um escritor qualquer. Haverá sempre falhas claramente detectáveis e, no mais das vezes, faltará à imitação a carga de significado que se encontra no autor original, visto que a afetividade é subjetiva. Ninguém sente do mesmo modo que outro.
Tendo isso em mente, a leitura dos poemas de Parnaso de Além-Túmulo não pode deixar dúvidas para quem conhece a obra dos autores vivos. Chamam muito a atenção, com certeza, os poemas atribuídos a Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Guerra Junqueiro, Fagundes Varela, Alvarenga Peixoto, Olavo Bilac e Raimundo Correia, mas em minha opinião, a semelhança mais impressionante se dá nos poemas atribuídos a Casimiro de Abreu. Vale fazer a comparação:
Trecho do poema “Saudades” de autoria de Casimiro de Abreu:
Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!
Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.
Trecho do poema “A Terra” atribuído ao Espírito Casimiro de Abreu:
Se há noite escura na Terra,
Onde rugem tempestades,
Se há tristezas, se há saudades,
Amargura e dissabor,
Também há dias dourados
De sol e de melodias,
Esperanças e alegrias,
Canções de eterno fulgor!
A Terra é um mundo ditoso,
Um paraíso de amores,
Jardim de risos e flores
Rolando no céu azul.
Um hino de força e vida
Palpita em suas entranhas,
Retumba pelas montanhas,
Ecoa de Norte a Sul.
Definitivamente não basta a composição em redondilha maior para se atingir o grau de musicalidade de ambos os poemas. Ele decorre também da seleção e da combinação vocabular, do esquema de rimas, da quantidade de versos nas estrofes. Comparem-se essas características entre os dois poemas.
No plano semântico, cabe destaque para a oscilação entre sentimentos de melancolia e de alegria; para as sinestesias expressando estados de espíritos semelhantes: “Também há dias dourados / De sol e de melodias” e “Como é doce o meditar / Quando as estrelas cintilam”; para as adjetivações que também expressam impressões semelhantes, tudo emergindo da subjetividade e da afetividade do autor. Somente com enorme má vontade não se percebe a mesma autoria nos dois trechos.
A comparação serve, então, para demonstrar concretamente que, ao contrário do que afirmam em abstrato os críticos modernos, a semelhança entre os poemas que compõem Parnaso e os dos autores quando em vida não é uma mera semelhança de pastiche. É algo que transcende enormemente a possibilidade de uma cópia de estilo, de um decalque, como costuma acontecer no pastiche tradicional. Arrisco dizer, sem intenção de trocadilhos bizarros, que se trata de uma semelhança de alma. E essa mesma semelhança pude encontrar no caso de todos os autores cuja obra conheço.
Conclusão.
Parto, então, da afirmação de alguns teóricos modernos – afirmação de que particularmente discordo – no sentido de que não é impossível imitar o estilo de alguns autores, com elevado grau de perfeição e acrescento a isso apenas que, existindo realmente a possibilidade, não se trata de algo que se faça com enorme facilidade, pincelando, aqui e ali, entre uma atividade e outra.
Alguns dos que sustentam tal possibilidade, são acordes, inclusive, em afirmar que é uma atividade que requer elevado nível de formação acadêmica, um profundo conhecimento da obra do autor a ser imitado (o que requer anos de estudo), um consistente conhecimento de literatura, além, é claro de um natural talento para a poesia, talento que permita ao imitador compor ele mesmo versos bem construídos, revestindo tais versos do estilo peculiar ao autor imitado.
Diga-se de passagem que imitar também exige um talento especial. Note-se, então, que admitir a hipótese implica admitir o imitador dotado de dois talentos especiais: um para a literatura e outro para o mimetismo. Permito-me concluir, com base nisso, que seria possível imitar bem o estilo de um autor, talvez até de dois. Mas no caso de Parnaso de Além-Túmulo são cinquenta e seis autores. Ainda que eu dê o desconto de cinco anônimos e do espírito da mãe de Chico que não era uma poetisa conhecida, cuja obra servisse de paradigma para comparação, sobram cinquenta autores, e com mais de um poema para cada.
Não entendo como alguém possa, de sã consciência, imaginar que seja possível um só homem conseguir imitar o estilo de cinquenta autores. Considero uma tarefa humanamente impossível. Penosa e irrealizável.
Acredito que, caso a FEB desejasse produzir algum tipo de mistificação, precisaria ter contado com pelo menos vinte e cinco pessoas diferentes, imitando, cada uma, dois poetas distintos. Ainda assim a dificuldade seria enorme, porque precisaria de haver entre essas pessoas uma similaridade no talento, tanto para a poesia, quanto para o mimetismo, garantindo assim a uniformidade da qualidade dos poemas constantes no livro. E a FEB ainda teria que contar com o silêncio e a fidelidade de todos eles, por um período de tempo bastante amplo. Não consigo ver como factível.
A segunda hipótese, contudo, apesar de toda a dificuldade que comporta, ainda seria palatável, entendida como uma teoria da conspiração, nascida no seio de uma organização especialmente voltada para a prática de atos ligados à mentira e à enganação. Não me parece ser o caso da FEB que, a despeito dos erros que comete, não possui um histórico de atividades fraudulentas ou dolosas de qualquer natureza.
Mas, para aceitar que Chico Xavier produziu sozinho todos os duzentos e cinquenta e nove poemas, com a qualidade que eles apresentam e com o sofisticado grau de perfeição na imitação do estilo, eu teria que aceitar também que Chico foi o mais excepcional poeta que já pisou a face do planeta. Merecia inúmeros Prêmios Nobel de Literatura consecutivos, todos pela mesma obra. Não foi assim. Não dá para acreditar nisso. Creio que para o maior dos céticos, a manifestação de espíritos ditando obras é mais verossímil do que a concentração de tamanha genialidade em um homem só.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOBRE O AUTOR:
Jorge Caetano Júnior tem 51 anos, é professor e advogado. Mineiro de Uberaba, reside em Brasília, desde 1974. Tornou-se umbandista aos dezesseis anos e atualmente é diretor doutrinário e celebrante de um centro de Umbanda no Distrito federal. Especialista em Ciência da Religião, desenvolve estudos sobre Filosofia Espírita e sobre Teologia de Umbanda.
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