(Autor: Professor Caviar)
O "espiritismo" brasileiro é uma religião irregular e cheia de muita sujeira. Não se trata de uma religião que "tem o direito de errar", até porque esse discurso de "imperfeição" é pura demagogia, mas uma religião que não mediu o menor escrúpulo para fugir dos ensinamentos e recomendações originais do Espiritismo francês.
Oficialmente, o "espiritismo" brasileiro se anuncia como "religião da bondade" e diz pregar "a fraternidade, a caridade e o amor ao próximo". Mas a religião, que traz energias maléficas por conta de suas "imperfeições" - eufemismo para os gravíssimos desvios doutrinários da deturpação - , defende um moralismo punitivista e prega a aceitação da desgraça humana, por inspiração da Teologia do Sofrimento, corrente do Catolicismo medieval que tem em Francisco Cândido Xavier o maior apoiador, mais até do que muitos católicos ortodoxos que acolhem essa mesma corrente.
Por causa disso, o "espiritismo" brasileiro diz repudiar o suicídio, mas pede para que pessoas aguentem as desgraças intensas que, não raro, impelem a esse ato. Alguns "espíritas", de maneira covarde, chegam a defender o "combate ao inimigo de si mesmo" de forma que só alegam que isso foi "força de expressão" depois que o sofredor extremo havia acabado com sua própria vida, "destruindo o inimigo que havia em si mesmo".
O "espiritismo" brasileiro diz condenar o homicídio e as chacinas, mas às vezes sente um saborzinho sádico ao atribuir a certos casos a culpabilidade das vítimas, sob a desculpa dos "reajustes morais". No caso de tragédias coletivas, os "espíritas" apostam na tese absurda dos "resgates coletivos", como se até pessoas que nada têm a ver umas com as outras, só por sofrerem uma tragédia comum num mesmo lugar, estariam cumprindo um "mesmo destino existencial".
É ilustrativo que o "espiritismo" brasileiro, que com sua avalanche de irregularidades do mais extremo nível de gravidade - só o desrespeito ao rigor doutrinário original é um ato deplorável - , comete contradições aqui e ali.
Sufocando a revolta pessoal diante do acúmulo de desgraças, o "espiritismo" brasileiro nunca está aí para ajudar os sofredores extremos, só de maneira parcial ou tendenciosa. Mas, na maioria das vezes, o apelo é para a pessoa engolir seco e aguentar a barra pesada até o limite do limite, ou, em certos casos, até acima das próprias capacidades humanas, sob a desculpa de que o prejuízo mais trágico seria "anúncio das bênçãos divinas que estariam por vir (sic)".
Isso significa deixar a pessoa guardando o ódio dentro de si. E a natureza reacionária e punitivista do moralismo "espírita" brasileiro faz com que as energias inferiores não só continuem como se tornam cada vez piores.
É por isso que um incidente ocorrido em Suzano, no interior de São Paulo, hoje de manhã, é ilustrativo. O massacre ocorreu na Escola Estadual Prof. Raul Brasil, que causou 10 mortes, incluindo o suicídio de dois atiradores, ocorreu a poucos metros de um "centro espírita" com o nome atraente de A Caminho da Luz.
A Casa Espírita A Caminho da Luz se situa na alameda Meyer Joseph Nigri, a dois quarteirões da Rua Otávio Miguel da Silva, e esses dois logradouros são ligados pela Rua Taubaté. O atentado, descobriu-se, foi cometido por dois jovens, Luiz Henrique de Castro e Guilherme Monteiro, respectivamente de 25 e 17 anos.
Os dois rapazes eram defensores do rearmamento da população, eram apoiadores de Jair Bolsonaro e defendiam também a violência policial. O massacre cometido pelos dois - que deixou vários feridos e foi antecedido por uma tentativa de assassinato de um funcionário de um posto de lavagem de carros, perto da escola - é um efeito do que poderá vir em termos de livre porte de armas da população.
O atentado é muito comum nos EUA, mas no Brasil havia sido raro e pode se tornar cada vez mais frequente. Já ocorreu um massacre numa escola em Realengo, Rio de Janeiro, em 2011. Num cinema em um shopping de São Paulo, em 1999, outra chacina foi cometida durante a exibição do filme Clube da Luta (Fight Club).
Num país desigual como o Brasil, onde privilegiados lutam para manter suas vantagens abusivas e os infortunados têm que aguentar calados suas angústias, o "espiritismo" brasileiro nem está aí para ajudar de verdade. Pedindo para as pessoas aguentarem as desgraças caladas, os "espíritas" sufocam até as indignações mais justas, sob a desculpa de que "é aguentando calado o sofrimento que se chamará as bênçãos futuras".
Os "espíritas" chegam ao cinismo de dizer que os sofredores devem tratar a desgraça humana como se fosse uma mulher amada. E alegam que o sofrimento extremo só produz gênios, ativistas e pessoas de boa índole. Grande engano. A desgraça sem limites só raramente produz pessoas assim: a maioria fica desumanizada, embrutecida, agressiva e desonesta diante disso.
O "espiritismo" brasileiro que fala em "tóxico do intelectualismo" ao criminalizar os avanços do raciocínio crítico, pede justamente para os sofredores extremos "raciocinarem" diante da desgraça. Mas é aí que o instinto humano, semelhante ao de um animal, se manifesta. Quando há adversidades demais, a reação será muitas vezes de raiva, depressão e medo, a exemplo do que se vê quando cães, gatos e ratos ficam acuados num ambiente que lhes é hostil. Eles ficam agressivos nesta situação.
O "espiritismo" brasileiro pede para os sofredores extremos aguentarem suas desgraças, mesmo que elas se acumulem demais e desafiem seus limites. Mas os pede também para aceitar os abusos cometidos por algozes e privilegiados. Com um moralismo assim, que amor pode inspirar o "espiritismo" brasileiro para as almas esmagadas pelo infortúnio?
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