(Autor: Professor Caviar)
O nome "João de Deus" parece ser ilustrativo para Francisco Cândido Xavier. Em sua trajetória três "Joões de Deus" se envolveram em diferentes episódios, de alguma forma marcados pelo tendenciosismo e outras situações que de nenhum modo soam iluminadas, apesar da persistência de seus seguidores.
O primeiro caso se deu em Parnaso de Além-Túmulo, livro oportunista de 1932, que veio com o detalhe surrealista de prometer lançar de uma só vez poemas e prosas trazidos por autores mortos lá do mundo espiritual, num Brasil que mal tinha noção de sua própria realidade.
Um dos vários poetas usurpados por essa suposta antologia - que expressa uma qualidade poética bastante inferior à que se conhece do legado dos autores mortos deixados em vida - foi o português João de Deus Nogueira Ramos, que viveu entre 1830 e 1896. Esse João de Deus era um poeta romântico, pedagogo e foi um dos mais populares de Portugal em seu tempo. Era também amigo do poeta Antero de Quental, outro dos usurpados por Chico Xavier no livro de 1932.
O poeta João de Deus foi creditado a um poema de Chico Xavier em 1930, que havia sido creditado a "F. Xavier", dando indício de que, do contrário que diz o "movimento espírita", o "médium" quis ser poeta de lavra própria, mesmo, mas "mudou de ideia". O poema "Os Felizes", posteriormente, foi um dos poemas que passaram a ter crédito tardio e tendencioso aos autores espirituais, e, neste caso, o nome de João de Deus foi creditado como suposto autor espiritual.
Outro João de Deus da vida de Chico Xavier foi o marido da ex-miss Campo Grande, Gleide Maria Dutra. Num determinado dia de 1985, o homem, também chamado de João de Deus, disparou um tiro acidental contra ela, ao retirar o revólver de sua calça, e ela morreu. As investigações já davam a crer na tese de homicídio culposo, e Chico Xavier forjou uma "carta" atribuída ao espírito de Gleide que inocentou o marido. Nessa época, Chico forjava "cartas" para pegar carona em crimes que já estavam praticamente resolvidos, com supostas mensagens espirituais que "inocentavam" pessoas que fizeram disparos acidentais que mataram entes queridos.
O JOÃO DE DEUS MAIS MARCANTE
Mas nunca um João de Deus esteve tão ligado a Chico Xavier quanto o latifundiário João Teixeira de Faria, que recebeu este apelido. O goiano era aprendiz de Chico Xavier e considerado seu discípulo, mas desde o fim de 2018 foi denunciado por inúmeros crimes, desde estupro e assédio sexual até porte ilegal de arma, mandante de homicídios e enriquecimento ilícito.
O que mais chama a atenção é que o "tão intuitivo" Chico Xavier não percebeu isso. Recentemente, levantamentos mostram que vários crimes do goiano João de Deus foram cometidos desde 1974, e o "médium" mineiro havia abençoado o goiano numa foto registrada em 1993, que incluiu também uma carta de saudação. Pelo menos supõe-se que Chico poderia ter tido um estranho incômodo que pressentisse algo estranho. Só que não.
Consta-se que os escândalos de João de Deus são apenas um pequeno aperitivo para o que vem por aí de denúncias dos bastidores do "movimento espírita", que haviam sido abafadas ao longo do tempo, incluindo uma provável "queima de arquivo", com a morte suspeita do sobrinho de Chico Xavier, Amauri Xavier Pena, que teria sofrido hepatite tóxica, possivelmente resultante de envenenamento, em 1961.
Há escândalos de fazer qualquer filme de terror, dos mais macabros, parecer chanchada da Atlântida nos bastidores do "movimento espírita". São exemplos os envolvimentos de Antônio Wantuil de Freitas com a umbanda, possivelmente para fazer mandinga para blindar Chico Xavier - mandingas são meios que muitos arrivistas usam para "abrir o caminho" para levar vantagem fácil na vida - , e os diversos artifícios para forçar o mercado de literatura fake, como o assédio que Chico Xavier fez em Humberto de Campos Filho, em 1957, ao atrai-lo para um evento "espírita" feito para forçar o filho do autor maranhense a não mais processar o "médium" e a FEB pela usurpação da memória do falecido escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.
Os próprios escândalos de Chico Xavier fazem arrepiar seus seguidores, que preferem esquecê-los sob a desculpa de "sempre perdoar". Mas perdão não é permissividade, e a própria literatura espírita oroginal recomenda que se denunciasse qualquer irregularidade sob o nome do Espiritismo, como forma de denunciar os piores inimigos, que, segundo Allan Kardec, estavam DENTRO e NÃO FORA da Doutrina dos Espíritos.
DIVINIZAÇÃO E FALSA MODÉSTIA
O nome "João de Deus", de toda forma, é ilustrativo porque, semiologicamente, diz muito para o arrivismo enrustido de Chico Xavier. A denominação combina um nome comum, associado a pessoas simples, como "João", e o complemento "de Deus", que evoca uma pretensa superioridade.
Isso é como, segundo as crenças religiosas, a imagem do "homem simples" que se torna um "semi-deus", embora isso seja bem representado no mito de Chico Xavier, que não foi um "João", mas um "Francisco".
Em todo caso, essa ideia mistura divinização e falsa modéstia, embora o nome "João de Deus" em si não diga muita coisa, senão uma denominação que, na melhor das hipóteses, reflete as crenças religiosas de seus pais, como no caso do poeta português assim batizado.
Quanto a outros dois Joões de Deus, a atuação criminosa acabou atraindo afinidade de sintonias com Chico Xavier, ele mesmo responsável por outros crimes, se não os de morte - apesar dele inspirar uma maldição na qual vários de seus adeptos adultos ou idosos têm filhos morrendo prematuramente - , mas aqueles relacionados à usurpação dos nomes dos mortos, produzindo sensacionalismo barato e enriquecendo os cofres da FEB, sob a desculpa da "caridade".
Diante disso, o sentido do nome "João de Deus" tem seu aspecto negativo de semiologia: o de combinar pretensiosismo divinizador com falsa modéstia, e nada mais apropriado que um escândalo envolvendo um "médium" desse codinome para preparar os brasileiros para escândalos ainda maiores escondidos há décadas pelo "movimento espírita", que tentou se desvincular do "médium" goiano para tentar se salvar. Mas é só relembrar a antiga trajetória de Chico Xavier para ver que, só neste caso, escândalos muito piores podem vir ou voltarem a vir à tona.
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