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O que um documentário sobre Michael Jackson ensinaria sobre Chico Xavier


(Autor: Professor Caviar)

Recentemente, um escândalo sem precedentes atinge a reputação de um dos maiores ídolos e vendedores de discos da música pop, o astro Michael Jackson, aclamado "Rei do Pop" e perto de completar dez anos de falecimento, no próximo 25 de junho.

Isso porque um documentário dirigido e produzido por Dan Reed com base em entrevistas dadas por Wade Robson e Jimmy Safechuck, intitulado Deixando Neverland (Leaving Neverland), alusão a um rancho de propriedade do cantor e compositor, divulga denúncias de supostos assédios sexuais cometidos pelo astro, com detalhes bastante contundentes.

Michael Jackson já apresentava problemas em sua trajetória. Sua morte prematura foi consequência pelo uso de remédios diversos usados para tentar embranquecer a pele e retardar o envelhecimento físico, fazendo com que o cantor, antes um negro, se tornasse um albino frágil de feições efeminadas. Jackson tinha um histórico de maus tratos pelo pai, Joe Jackson, o que lhe rendeu traumas na infância.

Como cantor, Michael Jackson era um promissor artista de soul music influenciado por James Brown. Ele surpreendia a plateia como o principal cantor da banda Jackson Five (que depois virou The Jacksons) e, mais tarde, se destacou como o mais ambicioso pupilo do maestro Quincy Jones, que produziu dois de seus discos solo, Off The Wall, de 1979, e o milionário Thriller, que fez sucesso tão estrondoso que suas faixas de trabalho foram divulgadas durante dois anos nas rádios.

Todavia, o sucesso lhe subiu à cabeça, junto a um "auto-racismo" que fez não só o cantor se embranquecer, como também forçá-lo a soar "roqueiro", a parecer "branco e jovem", a se passar por um pretenso rebelde, superestimando o sucesso de "Beat It" e do vídeo de terror do clipe da faixa-título do álbum campeão de vendas, "Thriller".

Ele se casou com a filha de Elvis Presley, Lisa-Marie Presley, e passou a usar um macacão idêntico ao do falecido ídolo do rock. Depois, sua voz passou a adotar gritos roucos, como de um pretenso roqueiro, e passou a imitar os trajes e os trejeitos de Mick Jagger, chamado para gravar um dueto na música "State of Shock", dos Jacksons, depois que o vocalista do Queen, Freddie Mercury, não pôde gravar na versão para o álbum, por questões de agenda. Mas Freddie e Michael deixaram gravações de ensaios, que incluíram esta e outras canções, mais tarde divulgadas na Internet, com ambos os cantores já falecidos. Elas foram gravadas entre 1981 e 1983 e "State of Shock" quase foi incluída em Thriller.

A partir daí, Michael Jackson virou o símbolo do "ídolo imperfeito", aquele que junta legiões de fanáticos, mas traz também controvérsias com detratores. E aí surgiram escândalos, houve a cena do Michael Jackson sacudindo um bebê na varanda de uma janela, pouco depois de se promover com o grupo baiano Olodum com a medíocre canção "They Don't Care About Us", suposta "canção de protesto" cujo clipe foi gravado no Pelourinho, em Salvador.

Michael se separou de Lisa, depois se casou com uma enfermeira, teve filhos brancos, Prince e Paris Jackson. Aliás, atualmente, Paris Jackson é a descendente de Michael que mais aparece na mídia, com seu corpo muito tatuado, conforme os pretensos rebeldes. Apesar de morto, Michael também é muito influente no pop dançante produzido dos anos 1990 para cá, marcado pelo uso total de sintetizadores e pelas performances repletas de dançarinos.

A influência de Michael Jackson, dez anos após sua morte, continuava dominante, tanto que mesmo os cantores adolescentes que começam fazendo um som diferente - como Demi Lovato, Taylor Swift e até mesmo Ed Sheeran - passam a adotar um estilo de pop dançante convencional, dentro de uma fórmula totalitária que foi moldada a partir do legado do falecido "Rei do Pop".

ASSÉDIOS

E tudo isso ocorria, dentro de um contexto, ainda que caótico e cheio de falhas, de idolatria feliz ao falecido astro norte-americano, até que, na onda de denúncias de assédio sexual que derrubaram as reputações de gente como o milionário produtor Harvey Weinstein e o ator Kevin Spacey, Michael foi alvo de denúncias postumamente divulgadas por dois rapazes que o conheceram na intimidade.

Wade, ex-coreógrafo, e seu amigo Jimmy (que participou de um comercial da Pepsi com o cantor) ainda eram dois garotos que foram convidados para visitar o Neverland Ranch, que era anunciado como um "universo de sonhos e fantasia". O nome era inspirado na "Terra do Nunca" de Peter Pan, o mítico personagem que não queria crescer e que Michael Jackson se inspirou muito em sua vida.

Em vida, Michael Jackson havia sido acusado em 1993 de molestar o adolescente Jordan Chandler, quando ele tinha 13 anos de idade. O cantor negou as acusações e a sentença decidiu por sua absolvição. Em 1995, Wade e Jimmy negaram terem sido assediados pelo astro.

Mas, recentemente, detalhes foram divulgados no documentário de Reed, que afirmou que custou a acreditar nos dois jovens e que levou muito tempo pesquisando antes de conceber o documentário. Ele achou "absurdo" que os jovens e suas mães fossem acusados de inventar denúncias de tamanha gravidade.

"Não consigo imaginar que uma mãe invente isso - é a coisa mais humilhante e chocante admitir que você estava no quarto ao lado enquanto alguém estuprava seu filho por anos e anos", disse o produtor, que, mais tarde, prosseguiu, sobre Wade e Jimmy: ""Ninguém inventaria descrições sexuais tão explícitas (sobre os assédios)".

Os herdeiros de Michael Jackson reagiram, afirmando que o cantor é inocente e ficaram indignados com o documentário que julgam ser "unilateral". Reed, no entanto, afirma que nenhum contato recebeu dos familiares do cantor antes de realizar o documentário.

Ele ainda acrescentou: "Eles negam que qualquer abuso sexual tenha ocorrido, e essa visão não mudou desde a última vez que chequei. Demos muito espaço para isso e até colocamos fãs dizendo coisas horríveis sobre Wade. Consideramos que seus pontos de vista estão bem representados no filme. Não é uma obra unilateral".

O documentário repercutiu de tal forma que, em várias partes do mundo, várias emissoras de rádio comerciais deixaram de tocar os sucessos de Michael Jackson. Entre diversas reações, destaca-se a do produtor do seriado Simpsons, James L. Brooks, que excluiu de futuras exibições o episódio de 1991 "Stark Raving Dad", no qual um interno de um hospício pensava ser Michael Jackson. No episódio, o cantor fazia a voz desse personagem.

CHICO XAVIER, O POPSTAR DO "ESPIRITISMO" BRASILEIRO

Poucos conseguem parar para pensar pelo fato de que o "médium" Francisco Cândido Xavier foi um popstar religioso, dentro de uma mística na qual se adapta o estrelato das celebridades para o contexto da devoção religiosa.

A fama de Chico Xavier já deveria causar estranheza para a função de médium, que nos tempos de Allan Kardec era uma pessoa quase anônima, um mero prestador de serviços que era mais conhecido pelo sobrenome e que só servia de intermediário na comunicação entre vivos e mortos.

No Brasil, essa função intermediária deu lugar a um "culto à personalidade". "Médium" passou a ser o centro das atenções e o dublê de sábio, de profeta e de filantropo, bancando o arremedo de pensador com recados religiosos de qualidade duvidosa, inspirados em livros de auto-ajuda. No sentido linguístico, "médium" está mais próximo do termo "mídia", como propagandista do show business, do que da tradicional função intermediária, da mediação entre a vida material e o mundo espiritual.

Como Michael Jackson, Chico Xavier mostrou aspectos estranhos. Ele também teria tido transtornos mentais, pois o pai do "médium" ameaçou interná-lo em um hospício. Sua paranormalidade foi superestimada - assim como o talento do cantor, que não lhe permitia ultrapassar o âmbito da soul music, porque como arremedo de roqueiro, Michael foi péssimo - , e os escândalos lhe serviram para aumentar a fama e o prestígio às custas de "polêmicas".

Chico Xavier foi até pior, porque foi um arrivista. Lançou um engodo literário chamado Parnaso de Além-Túmulo, que, comprovadamente, é considerado uma pioneira obra da literatura fake, na qual se aproveita da ignorância dos brasileiros em torno da paranormalidade para oferecer um produto "mediúnico" que se demonstra explicitamente irregular, com poemas e prosas que não estão à altura dos autores mortos alegados.

A partir daí, Chico Xavier foi impulsionado para o estrelato, sob a ajuda do ambicioso presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, que entre 1932 e 1969 atuou como "empresário" do "médium". Foi Wantuil que usou do seu tino publicitário para transformar um co-autor de pastiches literários - Chico Xavier não trabalhava sozinho e seus colaboradores não eram gente do além-túmulo, mas pessoas da equipe editorial da FEB - em semi-deus.

Chico Xavier usurpou o nome de Humberto de Campos, para se vingar de uma resenha que o "médium" não gostou. A apropriação de nomes literários, já feita em Parnaso de Além-Túmulo (cujo título é até antiquado, pois o Parnasianismo estava fora de moda em 1932 e até Humberto, neo-parnasiano, sofria influências modernistas), aponta suspeitas se a FEB não tinha uma animosidade com a Academia Brasileira de Letras. Talvez um figurão do "movimento espírita" tivesse tentado algumas vezes entrar na ABL e não ter conseguido. Ainda é preciso investigar sobre essa suspeita, mas ela sinaliza um sério problema.

O "médium" foi beneficiado por se livrar de muitas encrencas, devido à habilidade de Wantuil em contornar incidentes com seu tino marqueteiro. Um processo movido por herdeiros de Humberto de Campos resultou em impunidade, devido a combinação de um advogado esperto (Miguel Timponi), a carteirada religiosa (o prestígio da FEB e de Chico) e a seletividade da Justiça (o juiz João Frederico Mourão Russell considerou a ação "improcedente", cancelou o processo e cobrou ônus advocatício à viúva de Humberto, dona Catarina Vergolino de Campos).

Depois, um sobrinho de Chico Xavier que iria denunciar os "podres" do "movimento espírita", Amauri Xavier, morreu "de repente", sob suspeitas de "queima de arquivo". Mais tarde, Chico Xavier foi inocentado de cumplicidade no caso da farsante Otília Diogo, e quando provas trazidas acidentalmente por um aliado confirmaram essa cumplicidade, já era tarde demais, com a Rede Globo promovendo o "médium" como um pretenso filantropo, nos moldes que hoje tenta fazer com Luciano Huck.

Com a aposentadoria e morte de Wantuil, Chico Xavier passou a ser blindado pela mídia hegemônica, primeiro pelos Diários Associados, depois pelas Organizações Globo, neste caso ocorrendo até hoje. Recentemente, Chico Xavier se divide entre as supostas (mas risíveis) atribuições de "profeta", devido ao mito da "data-limite" de 2019, e a tendência de uma "idolatria mais modesta", sob a tese de que ele deve ser admirado "como homem simples, humilde e imperfeito". Essa tendência deve brigar com a do "profeta", porque esta ainda o trata como uma figura "salvadora" e "acima do bem e do mal".

IDOLATRIA DOENTIA É RUIM

A idolatria doentia, que consiste no fanatismo - mesmo o fanatismo não-assumido dos "espíritas" em torno de Chico Xavier - , é muito ruim. No âmbito da religião, temos as paixões religiosas, que se equiparam à morbidez emocional das orgias do dinheiro, do sexo e das drogas, e que, em relação a Chico Xavier, envolvem sentimentos de fascinação obsessiva trazidos pelo "bombardeio de amor", técnica de manipulação mental muito perigosa, por trazer apelos de suposta beleza e pretensa afetividade profundos.

Preciosas lições podem ser extraídas na declaração do próprio cineasta Dan Reed, a respeito do culto à celebridade, ao qual ele adverte sobre os perigos do fanatismo que, no caso de Chico Xavier, tornam as pessoas praticamente escravas de seu mito. Mesmo sendo as frases sobre o caso específico de Michael Jackson, elas se encaixam às advertências sob o perigo de admirar, mesmo em "condições modestas", uma figura como Chico Xavier. Encerramos esta postagem com algumas frases de Dan Reed:

"O culto à celebridade é maligno e leva as pessoas a ficarem cegas e os pais a fazerem coisas estúpidas"

"Especialmente quando você é jovem e seu ídolo é um incrível dançarino ou cantor, você pensa que este talento se traduz em bondade, você assume que ele é uma pessoa legal e, infelizmente, esse não é o caso".

"Temos que ser mais céticos e desafiar mais a fama, a celebridade e o poder do que fazíamos no passado".

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