A semana foi marcada pela polêmica causada pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo do presidente Jair Bolsonaro, a evangélica Damares Alves. Ela disse que os meninos deveriam vestir roupas azuis e a cor rosa só deveria fazer parte das roupas das meninas.
Com uma postura contrária à comunidade LGBTT, o governo Jair Bolsonaro segue a pauta ultraconservadora da sociedade que o elegeu, incluindo forças equiparadas ao antigo clero da Idade Média, na qual se envolvem seitas evangélicas neopentecostais (como Igreja Universal do Reino de Deus e Assembleia de Deus), setores reacionários do Catolicismo (como o padre Paulo Ricardo) e o "movimento espírita" (simbolizado pela figura de Francisco Cândido Xavier).
Chico Xavier, como Francisco é conhecido, sempre foi um reacionário contumaz. Suas ideias sempre foram de um conservadorismo pleno, convicto e irredutível. Baseadas na Teologia do Sofrimento, elas consistem em defender a aceitação do sofrimento extremo, com resignação e sem queixumes. A tese do "sofrimento em silêncio", na qual não se recomendava sequer a prece em voz alta, era uma bandeira ultraconservadora de Chico.
Ele tem pontos reacionários nos seus livros e na declaração no programa Pinga Fogo da TV Tupi. Sua defesa à ditadura militar e seu anti-esquerdismo surpreendentemente hidrófobo - algo que chocaria vários seguidores desavisados e uns de tendência progressista - foram explícitas e declaradas para um enorme público, não só dos presentes na plateia, mas também teleespectadores e, postumanente, nos internautas que podem ver o "médium" no programa através do YouTube.
Um deles é a homofobia. Apesar de dizer com certa cautela, o que dá a falsa impressão de que ele era favorável à comunidade LGBTT (então definida como "homossexual"), ideia falaciosa que pode ser supostamente "justificada" pelos trejeitos efeminados do "médium", Chico Xavier, na verdade, definia o homossexualismo como "doença do espírito".
Ele atribuía o fenômeno a uma "confusão mental", na qual o espírito que era de um homem, ao reencarnar no corpo de uma mulher, estabeleceria "conflitos psicológicos" com a nova condição. É uma abordagem que, superficialmente, parece "científica" e "objetiva", mas trata-se de uma postura homofóbica, não muito diferente da de evangélicos neopentecostais como Marco Feliciano, Silas Malafaia e a própria Damares Alves.
Uma grande prova disso estão duas declarações de Chico Xavier, uma no livro Vida e Sexo, de 1970, atribuído ao espírito Emmanuel e lançado no auge do movimento hippie (marcado pela liberdade sexual). Outra é a declaração dada no Pinga Fogo, em 1971. Em ambas, apesar do tom aparentemente educado das palavras, Chico Xavier demonstra ver o homossexualismo como uma doença, o que comprova sua postura homofóbica, análoga à dos partidários da "cura gay":
HOMOFOBIA, SEGUNDO CHICO XAVIER:
A homossexualidade, hoje chamada também transexualidade, definindo-se, no conjunto de suas caraterísticas, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos de base materialista mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.
Embora a sociedade terrena seja constituída, em sua maioria, por criaturas heterossexuais, o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiências dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos aos heterossexuais.
A vida espiritual pura e simples rege-se por afinidades eletivas essenciais; contudo, através de milênios e milênios, o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno da bissexualidade, mais ou menos pronunciado, em quase todas as criaturas.
O homem que abusou das faculdades genésicas, arruinando a existência de outras pessoas com a destruição de uniões construtivas e lares diversos, é em muitos casos induzido a buscar nova posição, no renascimento físico, em corpo morfologicamente feminino, aprendendo, em regime de prisão, a reajustar os próprios sentimentos, ocorrendo o mesmo com a mulher que tenha agido de igual modo.
(FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER / EMMANUEL. VIDA E SEXO. FEB, 1970)
ALMYR GUIMARÃES Chico, tem aqui uma pergunta de dona Maria Lúcia Silva Gomes. Pergunta: "Como se explica o homossexualismo e a perturbação no comportamento sexual à luz da doutrina espírita?"
CHICO XAVIER Temos tido alguns entendimentos com Espíritos amigos e notadamente com Emmanuel a esse respeito.
O homossexualismo, tanto quanto a bissexualidade ou bissexualismo como a assexualidade são condições da alma humana. Não devem ser interpretados como fenômenos espantosos, como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade. Tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito. E acreditamos que o comportamento sexual na humanidade sofrerá de futuro revisões muito grandes, porque nós vamos catalogar, do ponto de vista de ciência, todos aqueles que podem cooperar na procriação e todos aqueles que estão numa condição de esterilidade.
A criatura humana não é só chamada à fecundidade física, mas também à fecundidade espiritual. Quando geramos filhos, através da sexualidade dita normal, somos chamados também à fecundidade espiritual, transmitindo aos nossos filhos os valores do espírito de que sejamos portadores.
Não nos referimos aqui aos problemas do desequilíbrio nem aos problemas da chamada viciação nas relações humanas. Estamos nos referindo a condições da personalidade humana reencarnada, muitas vezes portadora de conflitos que dizem respeito seja à sua condição de alma em prova ou à sua condição de criatura em tarefa específica.
De modo que o assunto merecerá muito estudo e poderemos voltar a ele em qualquer tempo que formos convidados Porque nós temos um problema em matéria de sexo na humanidade, que precisaríamos considerar com bastante segurança e respeito recíproco.
Se as potências do homem na visão, na audição, nos recursos imensos do cérebro nos recursos gustativos, nas mãos, na tatilidade com que as mãos executam trabalhos manuais, nos pés; se todas essas potências foram dadas ao homem para a educação, para o rendimento no bem, isto é, potências consagradas ao bem e à luz em nome de Deus, seria o sexo, em suas várias manifestações, sentenciado às trevas?
(ENTREVISTA DO PROGRAMA PINGA-FOGO, APRESENTADO POR ALMYR GUIMARÃES, TV TUPI DE SÃO PAULO, 28 DE JULHO DE 1971)
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