(Autor: Professor Caviar)
Os brasileiros estão horrorizados com as denúncias de assédio sexual nos bastidores de Hollywood? Sim, e com razão, diante do escândalo que horroriza o mundo e mostra os impulsos sexuais desmedidos de cineastas, executivos e atores estadunidenses.
Mas o Brasil, que finge que tudo está às mil maravilhas, possui um dado muito grave. É a castração temática que impede que documentários com abordagens mais críticas sejam sequer produzidos. Aqui, certos temas, por mais verídicos, consistentes e instigantes que fossem, são proibidos pelo simples fato de que os patrocinadores não se dispõem a trabalhar esses temas, pela desculpa deles serem "muito maldosos" e vão contra "boas iniciativas".
Criticar a degradação cultural pelo "funk"? Nem pensar! Seria ir contra a "alegria do povo pobre", embora sabemos que esse mercado milionário do "pancadão" aposta na glamourização da pobreza em aliança com as grandes empresas e as grandes corporações de comunicação.
No caso da religião, também há esse problema. Não se pode questionar a deturpação do Espiritismo, porque seria contra "o trabalho de caridade e amor ao próximo". Ninguém se encorajará a patrocinar, e não faltará gente dando um sonoro "Não" ou partindo para comentários cínicos do tipo "Vá trabalhar para arrumar dinheiro, seu vagabundo de bosta!".
É triste, mas é isso que ocorre. Num país em que o mercado literário prefere manter as mentiras "espíritas", divulgando bobagens fantasiosas em favor de Francisco Cândido Xavier e até Adolfo Bezerra de Menezes, enquanto a obra de Attila Paes Barreto sobre o "médium" mineiro - o instigante livro O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, de 1944 - permanece uma raridade fora de catálogo e o dr. Bezerra carece de uma biografia menos adulatória, o mercado cinematográfico teria caminho semelhante.
Lá fora, existem documentários que questionam a Cientologia e demais religiões que se movem de maneira irregular e arrivista. O mercado cinematográfico dos EUA, embora mercenário, movido por sérios interesses financeiros, que, no setor televisivo - sim, as companhias cinematográficas são em boa parte donas de canais de TV - , são capazes de ceifar excelentes seriados se eles não alcançarem boa audiência, pelo menos possuem alguma liberdade de informação.
Filmes realmente comerciais podem trazer questões e críticas que, no Brasil, nem o cinema independente se permite fazer. A questão do bullying, por exemplo, foi um tabu na sociedade como um todo, mesmo nos EUA, mas alguns filmes comerciais estadunidenses já mostravam a temática. Vingança dos Nerds é um exemplo. O comercialismo musical, as fraudes nos reality shows ou mesmo o mercenarismo empresarial também podem ser abordados em produções comerciais.
E no Brasil? Aqui o que impera é o cinema carneirinho. Poucos filmes furam o bloqueio crítico e questionador, e ainda assim com sérios limites. Não podemos sequer informar às pessoas leigas que o Espiritismo está sendo deturpado há muitas e muitas décadas, porque dizer que os brasileiros levam gato por lebre com esse "kardecismo" que traiu o legado original de Allan Kardec mas e diz fiel a ele, porque os patrocinadores iriam boicotar o que entendem ser "ofensa ao trabalho do bem".
Nem o jornalismo investigativo serve para convencer a indústria a investir em temáticas críticas. E nem a intenção de criar polêmica. Aqui polêmica é coisa apenas de políticos reacionários, jornalistas policialescos e subcelebridades de fazer sucesso dividindo a opinião pública entre favoráveis e contrários. Mas nunca temas sérios podem ser usados para tal, porque há um lobby muito grande em vários setores.
O "espiritismo" brasileiro tem um lobby tão grande que os filmes que se permite fazer sobre a religião são sempre apologistas. Há dramaturgia como em Chico Xavier - O Filme e As Mães de Chico Xavier, documentário sobre bobagens pseudo-proféticas e pseudo-filosóficas como Data-Limite Segundo Chico Xavier, adulações pseudo-humanistas em documentários sobre Divaldo Franco e, agora, temos o documentário de Candé Salles, João de Deus - O Silêncio é Uma Prece, com esse medonho subtítulo que remete à Teologia do Sofrimento.
São filmes que nem deveriam ser chamados de documentários, porque não possuem a missão de informar, mas tão somente de mitificar e mistificar, alimentando idolatrias, devoções e crendices sem pé nem cabeça. Nem função social eles têm, porque a questão é puramente alimentar a catarse religiosa, rebaixando os documentários a mero entretenimento. Como se a vida fosse um reality show e o "espiritismo" demonstra ser, no cinema, um reality show da fé religiosa.
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