(Autor: Senhor dos Anéis)
A postagem publicada ontem no nosso blog traz, por acidente, uma gravíssima denúncia contra Francisco Cândido Xavier e o esclarecimento a respeito das fraudes mediúnicas. A historiadora Ana Lorym Soares tentou fazer um trabalho "isento", que é um eufemismo para aqueles trabalhos que não contestam fenômenos estabelecidos e se reduzem a monografias meramente descritivas, mas deixou vazar revelações colhidas através de uma leitura crítica, por trás de certas estranhezas. As revelações acidentais foram publicadas na sua monografia O livro como missão: A publicação de textos psicografados no Brasil dos anos 1940 a 1960, de 2018.
É como alguém que, treinando tiro ao alvo, atirando para uma maquete, seu tiro tivesse atravessado essa maquete e atingido uma pessoa que estava atrás do objeto. Ana Lorym acabou, por acidente, como que num "fogo amigo" - apesar de distanciada do "meio espírita", sua pesquisa representou, por acidente, uma denúncia contra quem parecia apoiar de forma "objetiva" - , afirmando que a "psicografia" de Chico Xavier nunca passou de uma fraude.
No texto, sabemos que a "carteirada" inicial lançada por Antônio Wantuil de Freitas - "se Chico Xavier era um fraudador, ele foi muito talentoso, e, se não era, é porque foi escolhido o mensageiro dos espíritos benfeitores" - perdeu o sentido, porque o autoproclamado "lápis de Deus" fazia suas fraudes juntamente com dirigentes da FEB e, para piorar, com qualquer um que se dispusesse a colaborar (os tais "companheiros de fé" citados em cartas do "médium" a Wantuil).
Em outras palavras, a alardeada tese de que Chico Xavier fazia tudo sozinho e só contava com cooperação dos "espíritos do além" foi definitivamente derrubada, pois Lorym detalha até mesmo as formas como as revisões das "psicografias" eram feitas, com uma equipe responsável por tal tarefa, chegando ao cinismo do próprio "médium" dizer que não se pode "deixar um livro mediúnico prosseguir a solta, sem o nosso cuidado...".
Comparemos isso com o que Allan Kardec, em seu tempo, havia feito com as mensagens mediúnicas. Ele não era médium, mas teve médiuns a serviço dele, e há uma diferença enorme, em relação a Xavier, porque o pedagogo francês selecionava os textos recebidos, mas não interferia nos relatos espirituais, sendo bastante honesto no reconhecimento da integridade das mensagens atribuídas ao "outro lado".
Aqui Chico Xavier, em supostas mensagens espirituais, com alegados "editores do além" (Emmanuel e André Luiz), que dão indício de serem imaginários, recorre aos "editores terrenos", como o próprio Wantuil, além de Manuel Quintão e Luís da Costa Porto Carreiro Neto, entre outros colaboradores, para alterar os textos "mediúnicos" e fazer a redação final para "serem apresentados ao público".
Isso é uma irresponsabilidade que difere, e muito, do que Kardec havia feito com O Livro dos Espíritos, de 1857, que teve uma edição atualizada em 1860 porque havia necessidade não de "revisar" as ideias e palavras já publicadas, mas inserir no livro questões que não foram apresentadas pela primeira edição e que vieram após o lançamento do livro.
No caso de Chico Xavier, as alterações incluíram desde erros de abordagem "espírita" - paciência, a FEB é roustanguista, Chico Xavier, ainda que enrustido, também sempre foi - , como "perder o perispírito", até frivolidades poéticas como o verso "Sorrindo... Sorrindo..." em vez de "Sorrindo... Cantando", uma "bobagem da grossa" que afiligia o "médium".
Ana Lorym se baseia, entre outras fontes pesquisadas, no livro Testemunhos de Chico Xavier, de Suely Caldas Schubert, "médium" e amiga do mineiro. Embora Suely tenha publicado este livro por manifestação de carinho e solidariedade a Chico Xavier, a obra contém uma rajada de "metralhadora amiga", pois nas cartas do "médium" enviadas a Wantuil, então presidente da FEB, notam-se revelações sobre as fraudes mediúnicas, das quais a "consulta dos amigos espirituais" é um ponto duvidoso que tenta dar legitimidade à alteração "terrena" dos textos "mediúnicos".
Chega-se ao ponto de Parnaso de Além-Túmulo sofrer cinco alterações editoriais em 23 anos, com um total de seis edições com modificações em casa uma. O pior é que isso era feito em outras obras de Chico Xavier, incluindo as que levam o nome de "Humberto de Campos" - a patriotada literária Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho (lema idêntico ao mantra bolsonarista "Brasil, Acima de Tudo, Deus Acima de Todos"), sofreu reparos após publicada a primeira edição - , embora a ênfase da autora fosse a série A Vida No Mundo Espiritual, atribuída a André Luiz.
PARA A FEB, "ESPÍRITOS DO ALÉM-TÚMULO" NÃO TEM VALOR
E, sem o menor escrúpulo, é usado um argumento falacioso que Ana Lorym Soares aceita de maneira subserviente - é fácil bancar o "acadêmico isento e imparcial", porque além da roupagem "objetiva" das monografias e artigos, evita-se a complexa análise crítica daquilo que está escrito ou é falado, caindo numa zona de conforto de aceitar o que uma fonte, oral ou bibliográfica, diz - , que é dito pela autora no primeiro parágrafo:
"Embora se propague no meio espírita que a coleção fosse um desdobramento de um projeto de "despertamento" cuja origem remetia ao "Além", seria necessária, para sua concretização na Terra, a intervenção humana, através da transformação de um ideal doutrinário em um conjunto de livros dispostos em coleção".
Isso é extremamente grave. É gravíssimo mesmo, com a força desta palavra, e dá para perceber por que o sobrinho Amauri Xavier teve suspeitas de ter sido morto por "queima de arquivo", porque o trabalho da FEB, um esquema digno de Máfia combinado entre Chico Xavier e os membros da Federação "Espírita" Brasileira, era por demais ambicioso.
Com os argumentos que Ana Lorym Soares, mesmo sem trazer questionamentos e aparentemente legitimando a "missão livresca" de Chico Xavier, que segundo ela seria "ao mesmo tempo doutrinária e educadora", nos faz considerar que a mensagem dos espíritos do além, para a FEB, "não têm valor", e precisam ser "reparadas" pelos editores da federação e por Chico Xavier, que supostamente consultaria os "amigos espirituais" (André Luiz e Emmanuel), o que seria um eufemismo para ele fazer sozinho suas revisões.
Sabe-se que Chico Xavier, que, à maneira de Jair Bolsonaro hoje (outro arrivista, similar ao "médium", apesar das simbologias opostas no imaginário popular), era acusado de ter problemas mentais - houve o caso do pai do "médium", que, quando da infância deste, ameaçou interná-lo num sanatório, coisa que o filho "compreendeu suas razões", conforme depoimento mais tarde - , não foi o super-médium que muitos acreditam. Na prática, ele só "conversava" com a falecida mãe.
A "consulta dos amigos espirituais" teria sido apenas uma "senha", combinada por Chico e Wantuil, para convencer os outros da necessidade de publicação de obras supostamente mediúnicas, já que sabemos que as "psicografias" atribuídas a determinados espíritos nunca estão à altura do que os supostos autores espirituais representaram entre nós.
Humberto de Campos não escreveria, na lucidez ampliada da vida espiritual, sem a agilidade narrativa que demonstrou em vida. As "psicografias" têm uma narrativa pachorrenta e melancólica, diferente da que o autor maranhense realizou quando era vivo e mesmo em obras satíricas escritas sob pseudônimo. Da mesma forma, numa condição em que os talentos humanos são ampliados pelo fim do véu do corpo carnal, Olavo Bilac nunca perderia sua habilidade atlética para compor versos musicais, em surpreendente ritmo silábico de sua poesia.
Junte-se a isso - destacando a estranha trajetória de Parnaso de Além-Túmulo - a colaboração enfática dos "editores da Terra" que, julgando que "não dá para liberar as mensagens espirituais soltas por aí", consideram que os "espíritos do além" não têm valor e precisam ser "filtrados" pela revisão editorial da FEB para terem suas "mensagens" apresentadas ao público.
Houve quem alegasse que Chico Xavier tinha trabalhos "adulterados" por editores da FEB, atribuindo a estes uma "perversidade contra uma personalidade tão pura e inocente", "deturpando" as mensagens dos "espíritos" através dos interesses financeiros e gananciosos de qualquer natureza de uma "lamentável" gestão da FEB.
Ana Lorym, pelo menos, desmentiu isso, porque Chico Xavier era cúmplice das tramoias da FEB e sempre se oferecia, quando disponível, para colaborar com a farsa. Ela não definiu o ato como farsa, evidentemete, porque seu trabalho, "isento", aceitava a legitimação das "psicografias" mesmo sob a intervenção dos "editores terrenos" e acha natural tudo isso.
APESAR DA "ISENÇÃO", A PESQUISADORA MOSTRA PONTOS DUVIDOSOS
Nem a imprensa investigativa chegou longe na revelação das fraudes de Chico Xavier. Sob este tema, vimos veículos como Superinteressante (não necessariamente imprensa investigativa, mas uma revista de curiosidades), Folha de São Paulo e BBC Brasil, agirem de forma impotente, preferindo adotar uma atitude chapa-branca em relação ao "médium", sem propósito declarado.
Ao menos a história registra que o famoso repórter investigativo Saulo Gomes, já falecido, aposentou a função que o consagrou ao fazer cobertura de Chico Xavier, de quem se tornou amigo, dando lugar a um propagandista explícito, emocionalmente envolvido com o entrevistado.
Mesmo sem questionar Chico Xavier e tentando legitimar os mecanismos montados pela FEB para "analisar psicografias", Ana Lorym Soares deixa vazar alguns pontos duvidosos, na forma como escreveu certas ideias, várias vezes:
1) Ela credita as mensagens dos espíritos por termos como "supostamente" ou "presumidamente", sugerindo dúvida na legitimidade das mesmas;
2) Ela enfatiza que as revisões das supostas psicografias feitas pelos "editores da Terra" eram muito comuns, ideia descrita em várias passagens de sua monografia;
Se o trabalho tivesse tido um faro investigativo e questionador, certamente Ana Lorym Soares teria em mãos uma das mais graves e escandalosas denúncias dos bastidores do "espiritismo" brasileiro e colocaria em xeque-mate a reputação de Chico Xavier, que, ultimamente, é relembrado, nesses tempos de Covid-19, como um suposto "mensageiro da paz" para esses tempos de convulsões sociais e pandemias mortais.
Está na cara que Chico Xavier cometeu fraudes e o "fogo amigo" de Ana Lorym Soares, que, sem combater, acabou "atirando" no "médium", trouxe revelações certeiras que, por sorte, só deixaram de se tornarem denúncias formais porque a historiadora evitou exercer senso crítico, que é discriminado nos meios acadêmicos ao ser confundido com "opinião pessoal".
Só mesmo quem ainda sente fascinação obsessiva e cega a Chico Xavier não se sentirá chocado com tais revelações, antes reagindo com muita relativização e ginástica mental para sustentar suas crenças absurdamente fantasiosas para blindar seu ídolo.
A realidade dói e os fatos são muitas vezes desagradáveis, mas, infelizmente, os seguidores de Chico Xavier, como uma "princesa da Disney" de adultos e idosos, querem mantê-lo no "reino da fantasia", recusando-se a vê-lo como um farsante literário.
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