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Quando o "espiritismo" brasileiro despreza o Ser em prol do Ter

(Autor: Professor Caviar)

É muito bonito o balé das palavras do "espiritismo" brasileiro, com todo o teatro da voz mansa, das palavras que não podem ter vocábulos negativos, do pedantismo científico com um discurso verossímil e falsamente objetivo e alegações otimistas até quando se anuncia uma catástrofe.

Na Teologia do Sofrimento, existe toda uma retórica psicológica para forçar a pessoa a aguentar as piores desgraças sem que abertamente se usem palavras perversas para tanto. E isso vale tanto para a Teologia do Sofrimento católica quanto a "espírita", difundida por Francisco Cândido Xavier, que usa, como exemplo da apologia à desgraça humana, a falácia de que "se não fosse o sofrimento extremo, não teríamos gênios como Beethoven e Albert Einstein". Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

As esquerdas, tão empenhadas em desconstruir o discurso da mídia hegemônica, não conseguem ver as sutilezas da retórica "espírita" sobre o sofrimento. O método é diferente da direita, mas a essência é igual. Vejamos a comparação:

1) CENTRO-DIREITA - "Sabemos que é horrível, mas o sofrimento extremo é um mal necessário imposto pelas circunstâncias e deve ser aceito com paciência e fé";

2) EXTREMA-DIREITA - "A uns se impõe o sacrifício mais doloroso e extremo, pelo desmérito e predestinação de alguns indivíduos, que precisam sucumbir para que a humanidade seja salva;

3) MORAL "ESPÍRITA" - "A aceitação do sofrimento, mesmo no pior de todos os infortúnios, é necessária porque garantirá as bênçãos futuras e eternas de Deus Pai Todo-Poderoso".

No "espiritismo" brasileiro, até parece que a Terra é uma versão dimensionada da pequena cidade rural de Pedro Leopoldo. A perspectiva da vida humana, monopolizada pelo juízo de valor moralista de Chico Xavier, mais parece presa e apegada a um mundo rural, como se o trabalho humano mais digno se limitasse a funções relacionadas à vida caipira ou a uma industrialização incipiente, enquanto outras funções são consideradas "frescuras materialistas".

O solipsismo de Chico Xavier influi decisivamente nesse moralismo surpreendentemente medieval. E isso envolve uma contradição muito grande entre as ideias de Ser e de Ter, que tanto são conhecidas na retórica "espírita", relacionadas às relações maniqueístas entre "materialismo" e "espiritualismo".

Primeiro, porque o "espiritismo" é materialista, não à maneira que as esquerdas entendem como "materialismo histórico" do marxismo, mas porque desaconselha a pessoa a intervir no mundo material de maneira positiva, preferindo que ela aguente a opressão ou faça sacrifícios descomunais para sair dela - ou seja, uma opressão para sair da opressão - , e apenas viva conforme os "desígnios de Deus".

Há muito blablablá entre os "espíritas" que tentam, como quem elabora mil teses para tentar afirmar que o ovo de galinha é um vegetal, dizer que a pessoa "não nasceu para sofrer". Mesmo a Teologia do Sofrimento de Chico Xavier - lembremos que os "espíritas" se recusam a admitir que seguem a Teologia do Sofrimento, nunca mencionada por eles, e da qual acham "um absurdo" - é relativizada de maneira desesperada, quando o relativismo não surge para explicar metáforas, mas antes para tentar mascarar o óbvio com interpretações delirantes, mas agradáveis.

Primeiro, porque há um apelo que mais parece propaganda de plano de saúde privada, que é o de "Viva a Vida! Aproveite o dia e sorria sempre!". E aí temos todo um sermão e todo um palavreado textual falando que "aceitar o sofrimento extremo", sem se queixar da vida, já é uma "bênção de Deus". Se a pimenta arde no olho de outrem, essa pessoa tem que ver nisso uma oportunidade para uma nova visão, procurando esquecer a dor da ardência extrema e, se preciso, evitar até gemer e sorrir como se estivesse de olhos abertos para ver o céu azul e o lindo horizonte à frente.

O materialismo "espírita" se dá porque a individualidade é creditada, tendenciosamente, como se fosse individualismo. A individualidade pouco importa, a pessoa só segue os "desígnios divinos", embora os "espíritas" que preguem isso entrem em contradição ao dizer que "ninguém é marionete de Deus". Vá entender isso, porque a verdade é que os "espíritas" descrevem a missão encarnatória justamente como um processo de subordinação a Deus, como se as pessoas fossem suas marionetes, como se elas fossem capachos do destino, mesmo.

E aí entra a questão do Ter e do Ser. Oficialmente, a moral "espírita" brasileira reconhece no mal a obsessão do Ter em detrimento da necessidade do Ser. Mas o moralismo "espírita" vai contra os desejos humanos, vontade humana é "frescura materialista", o que se deve fazer é obedecer às "determinações do Alto".

Vocação para o trabalho? É frescura, deve-se fazer até o que não se sabe para "evoluir na vida". Deseja aquela ocupação tão sonhada? Desista, a não ser que encontre um arremedo dessa ocupação com um patrão abusivo e colegas de trabalho traiçoeiros. Em certos casos, se permite trabalhar em funções consideradas "lenhadas" mas que trazem uma remuneração satisfatória que permita morar numa casa barata, mas situada num bairro onde o morador é sempre interpelado pelo miliciano que controla a religião.

E a vida amorosa? É frescura pedir que a mulher tenha o máximo de afinidades com o homem e vice-versa? Para os "espíritas", sim, porque a falta de afinidades é "necessária" para a "lapidação do espírito", porque é "frescura" pedir para fazer ou viver o que gosta, a obrigação é "aprender a gostar" do que é detestável, porque a vontade humana é amaldiçoada pelos "espíritas" (ele tentam desmentir isso, mas é em vão).

E isso é estranho, porque para muitos indivíduos, que precisam de um emprego de acordo com sua vocação e um (a) cônjuge com a afinidade, isso é necessário para a evolução espiritual, para a realização dos dons humanos. Situações mais adversas complicam essa evolução, diante de muitos impasses e tanta paciência.

A esposa espancada pelo marido violento tem dificuldades de lhe convencer pelos ensinamentos cristãos e o marido constrangido pela esposa ignorante e vulgar também tem dificuldade de difundir os mesmos ensinamentos.

Até porque machistas violentos e as chamadas "periguetes" - mulheres que parecem ver nos glúteos a maior prioridade para sua vida - já sabem de cor os "ensinamentos do Cristo" e até os apoiam em causa própria, deturpando as questões que envolvem "misericórdia aos inimigos" e "apoio às prostitutas".

As situações adversas apenas se situam no terreno do Ter, em muitos casos restringindo as atribuições da experiência de vida a aspectos como a procriação e a sobrevivência financeira. Ou seja, é o princípio do Ter que prevalece sobre o Ser, porque a questão do emprego e vida amorosa só são vistas pelo prisma de permitir o ganho salarial e o sexo, sem benefício real para a evolução humana.

Essas situações trazem dificuldades para o desenvolvimento do Ser, mas essas dificuldades não são a "sopa de mel" que os "espíritas" falam, pois o moralismo "espírita" é tão insensível que acredita no diálogo entre o condenado e a forca, sob o pretexto de resolver uma adversidade extrema.

O que se prova, com esse moralismo, é que os "espíritas" não passaram pelos sofrimentos extremos. É fácil, num "auxílio fraterno" dos "centros espíritas", ser informado das angústias de um sofredor extremo e dizer-lhe que "está tudo bem, é só orar para Deus e manter-se na fé". Isso lembra aquela pessoa da parábola do bom samaritano, na qual o "espírita" mais parece o levita que para e observa as feridas da vítima e depois vai embora, sem socorrer.

Os "espíritas" se gabam em se autoproclamarem "bons samaritanos", estufam os peitos e abrem os braços para tamanha presunção, que também é mentirosa. Afinal, os "espíritas" não estão aí para o sofrimento alheio. Só fazem a tal "caridade" (Assistencialismo barato, e, ainda assim, às custas das doações dos fiéis) porque precisam de protagonismo e há muito trouxa que mede o valor da filantropia não pelos resultados, mas pelo prestígio do suposto benfeitor.

Fora isso, os "espíritas" brasileiros trocaram a máxima do professor Allan Kardec, "Fora da caridade não há salvação", pelo ditado popular "Pimenta nos olhos dos outros é refresco". A pessoa que abra os olhos ardendo de dor por causa da pimenta e forjem um sorriso em vez de reclamarem de dor. Tudo em nome das "bençãos futuras de Deus".

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