É totalmente falsa a ideia de que o "espiritismo" brasileiro, cujas raízes são fundamentadas em Jean-Baptiste Roustaing - apesar das bajulações persistentes e hipócritas a Allan Kardec - , apoia de forma irrestrita a Ciência. Isso é uma mentira das mais descaradas, mas, infelizmente, transitada, nas redes sociais e no YouTube, com toda sorte de retóricas, muitas habilidosamente enganadoras.
Há muitos vídeos, nos quais até senhoras idosas que não parecem conhecer mais do que atividades domésticas mas que, só por participarem de "centros espíritas", se acham no direito de investir no pedantismo de arriscar comentários "científicos", não raro misturando as coisas, criando um engodo verborrágico que envolve Física, Química, Astronomia, Astrologia, Quiromancia, Cartografia, Cartomancia, Psicologia etc etc etc.
É tudo conversa para boi dormir. O discurso é bastante organizado, a exposição, paciente, e as palavras, agradáveis. Isso é certeiro para um público médio que, com baixo nível de esclarecimento da realidade, em muitos casos até com conhecimento razoável, mas mesmo assim em algum ponto medíocre, aceita esse discurso como se fosse "Conhecimento pleno", até como "filosofia", pasmem!
Circulam até mesmo vídeos que falam que Francisco Cândido Xavier "exaltava a Ciência" e "aprovava irrestritamente" as atividades e o pensamento científico, e não faltam alegações para reforçar tamanha falácia, sustentada sobretudo pelos livros atribuídos ao "espírito André Luiz", que sabemos ter sido tão fictício quanto os heróis da Marvel e DC Comics.
Isso é uma grande mentira. Sabemos que o pensamento de Chico Xavier era claramente igrejista, calcado no Catolicismo medieval, fundamentado na Teologia do Sofrimento, baseado no deísmo mais fanático (atenção, ateus!), e todas as alegações de que o "médium" apoiaria o pensamento científico livre são absolutamente mentirosas.
O "espiritismo" brasileiro só apoia as atividades científicas dentro de seus limites considerados "instrumentais". Em tempos de coronavírus, a Ciência obtém o protagonismo nas pesquisas sobre a cura da Covid-19 e isso dá uma boa reputação às atividades científicas. E aí vídeos produzidos em que palestrantes "espíritas" bajulam a Ciência repercutem mais, aparecem na lista de "recomendados" pelos algoritmos do YouTube e cria-se uma falsa impressão que "nossos kardecistas" são os melhores amigos do trabalho científico e até do pensamento científico. Só que não.
MORAL "ESPÍRITA" REJEITA SENSO CRÍTICO, A FERRAMENTA MAIOR DO PENSAMENTO CIENTÍFICO
Diferente de Allan Kardec, o "espiritismo" de Chico Xavier sempre se manifestou contrário ao senso crítico, que é a ferramenta maior do pensamento científico. Enquanto o pedagogo francês era adepto confesso da dúvida cartesiana (trazida pelo filósofo francês René Descartes), como um caminho para se chegar ao Conhecimento, o "médium" mineiro só defendia a Fé acima da Razão, preferindo o ato de "acreditar" do que questionar as coisas.
Isso está muito claro nas obras de Chico Xavier e nos depoimentos pessoais dele. O senso crítico era rejeitado, como "sinônimo de maledicência", e o pensamento lógico, "amaldiçoado", teria que ser filtrado pelos devaneios da Fé, e não o inverso.
É muito diferente da Codificação que, com muita propriedade, dizia que "nada poderia ser aceito senão sob o crivo da Razão". A obra de Chico Xavier faz o contrário, defendendo, em suma, que "a Razão é amaldiçoada pelas paixões (sic) terrenas, cabendo aceitar certos enigmas como mistérios da Espiritualidade".
Ou seja, se Humberto de Campos mudou de estilo após a morte, se uma cidade inteira flutua sobre o nosso Rio de Janeiro como uma terra plana astral, se Auta de Souza voltou incorporando a linguagem de Chico Xavier e um Brasil esfacelado por golpes e crises diversas vai dominar o mundo como "pátria do Evangelho", tudo isso não pode ser questionado pelo crivo da lógica porque são "mistérios da fé espírita".
Até o acovardado acadêmico Alexandre Caroli Rocha, que preferiu brincar de cálculos matemáticos com as sílabas das supostas psicografias que carregam os nomes "Humberto de Campos" e "Irmão X", preferiu apelar para o "mistério da fé", esperando que se "resolvam" problemas que os próprios "espíritas" não se dispõem a resolver: a natureza do contato de uma pessoa viva com os mortos e a natureza da vida no mundo espiritual.
Caroli Rocha se esconde pela cosmética "científica" que faz dos meios acadêmicos, principalmente os de pós-graduação, verdadeiros desertos de ideias, uma vez que os trabalhos monográficos têm que ser restritos à assepsia textual da "linguagem objetiva", com problemáticas desproblematizadas, como se um fenômeno estudado fosse um "patrimônio" e não um problema. Até quando polêmicas são causadas, elas sempre são comparadas e neutralizadas pelo discurso acadêmico, mesmo quando dão em empate (a torcida é para vencer o "estabelecido", como nas monografias "espíritas" que passam pano em Chico Xavier).
É essa cosmética "científica" que faz com que tantas teses acadêmicas se destinem a serem apreciadas apenas pelas traças e pelos mofos, depois do seu monógrafo viver seus 15 minutos de fama na exposição das teses finalizadas. A linguagem "científica" e a abordagem "objetiva e imparcial" estão impecáveis, mas a contribuição para o ramo do Conhecimento é, praticamente, zero, e o suposto questionamento da "problemática" abordada simplesmente dá em nada. É pior do que Rodrigo Maia fazendo "notas de repúdio" contra Jair Bolsonaro e, no entanto, recusar a abrir processo de impeachment contra o desastrado governante.
A sociedade brasileira, ultraconservadora, permite esse academicismo de álcool em gel, dessa produção de teses acadêmicas estéreis, que, apesar de sua pretensão de "atenderem à sociedade", se tornam material maçante e de leitura cansativa, pela falta de questionamentos ao que é "estabelecido".
A própria sociedade brasileira, bastante conservadora, não aprecia a Ciência como um todo. Nossos cientistas são os que menos recebem subsídios para realizarem seus estudos. Pessoas dotadas de senso crítico são boicotadas pelos cursos universitários de pós-graduação. Nosso mercado literário é um dos piores do mundo, onde prevalecem obras analgésicas, que não contribuem para o desenvolvimento do Saber.
Se as pessoas dizem que adoram o "Conhecimento amplo e irrestrito" e "apreciam o senso crítico", mas em dado momento reclamam quando "se discute demais um assunto" e "tanto questionam aquele problema que não veem algo positivo nele", deveriam pensar sobre si mesmos. Ou eles fingem apreciar o Saber irrestrito para ficar bem na fita ou então eles são pessoas envergonhadas que mentem até para si mesmos, com medo de assumir seus próprios defeitos. Não dá para ficar no faz-de-conta só para parecer "legal" na sociedade. E o "espiritismo" brasileiro deveria assumir seu igrejismo medieval, se quer, ao menos, demonstrar um mínimo de sinceridade.
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