(Autor: Senhor dos Anéis)
O título mete medo em muita gente, dominada pela fascinação obsessiva por Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier. Mas essa é a verdade. Os brasileiros, em maioria esmagadora, estão acostumados com a imagem adocicada do "médium", desenvolvida pela mídia corporativa durante (e sob encomenda) da ditadura militar, de forma a glorificar um dos colaboradores do regime dos generais, a ponto de iludir ateus e esquerdistas e, assim, criar uma cortina de fumaça para evitar a ascensão da esquerda no Brasil.
Só que essa imagem de "fada-madrinha da Disney" que muitos definem de Chico Xavier é falsa. Ele era ranzinza, temperamental, reacionário e pedia para os sofredores suportarem desgraças em silêncio, sob a desculpa de que "Deus os socorrerá no momento oportuno". Com toda certeza, o bom samaritano nunca foi um "espírita" brasileiro.
Beneficiados pela memória curta e pela propaganda seletiva que reduz a trajetória de Chico Xavier apenas a um punhado de episódios agradáveis e obras que não revelam seu lado macabro, as pessoas blindam o "médium" como verdadeiros obsediados. Numa discussão entre um chiquista e um opositor do "médium", é o chiquista o mais enfezado, furioso e desequilibrado, mesmo quando se disfarça de palavras suaves e use o truque da Projeção Psicológica: "Você está alterado, irmão".
A seletividade envolve um punhado de frases de Chico Xavier que circulam nas redes sociais ou são descritos por palestrantes e articulistas. Não são todos os livros, nem todas as frases, nem todos os depoimentos. A sua defesa - surpreendentemente radical e nunca revista, mesmo no ano de sua morte, pelo "médium" - da ditadura militar, seu direitismo mais do que convicto que faria Carlos Vereza parecer um trotskista fanático, não é incluída nessa narrativa selecionada e parcial.
É esse acervo parcial que faz com que Chico Xavier seja "enxugado" e servido como se fosse um produto agradável, um personagem de contos de fadas, uma "Cinderela da Disney" que foi linchada pelos "acadêmicos malvados" que não levaram a sério as obras que carregavam os nomes dos grandes escritores da língua portuguesa. E tudo isso criou uma obsessão psicológica que deixa as pessoas com a falsa impressão de serem iluminadas, serenas e protegidas vibratoriamente quando não se contesta a trajetória do "médium". Mas o menor questionamento lhes acende a fúria descomunal e cega.
CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS
Na verdade, Chico Xavier só é considerado "iluminado" porque o Brasil é um país de gente em maioria desonesta, traiçoeira, dissimulada, fantasiosa e com preguiça para exercer o raciocínio crítico. Isso porque o próprio Chico Xavier, a considerar o seu passado, tornou-se a personificação do "jeitinho brasileiro", com uma biografia digna de comédias surreais do grupo Monty Python, como muitas pessoas chamam a atenção.
Isso é evidente. Afinal, é o enredo de um sujeito que começou fazendo obras literárias fake - não há como, de acordo com a lógica, dar a mínima chance de autenticidade para, por exemplo, Parnaso de Além-Túmulo - e depois virou, se não o "espírito de luz" do imaginário de muitos, o "homem bom e simples que, imperfeito e errando muito, só viveu pelo próximo". Numa sociedade atrasada como o Brasil, essa alegação enche muitos de honra e orgulho. Só que, num contexto mais evoluído, isso seria demonstração de algo vergonhoso e constrangedor.
As pessoas não conhecem a si mesmas nem a realidade em que vivem. Daí aceitarem, por exemplo, que um escritor como Humberto de Campos pode mudar totalmente seu estilo quando retorna à "pátria espiritual". Se as pessoas não conhecem a si mesmas nem a realidade onde vivem, como elas terão que conhecer estilos literários diferentes?
O que temos que verificar é que interesse tem em endeusar (ou "quase endeusar", naquela linha dos "isentões espíritas" cultuarem "apenas um homem bom, simples e imperfeito") Chico Xavier. As pessoas virão com 1001 desculpas ou bem mais, mas elas sempre esbarram em alguma incoerência a qual as pessoas desprezam, porque estão acostumadas com essa "bagunça de vida" que é o Brasil.
As pessoas têm maus instintos, e isso se comprova quando "pessoas de bem" decidiram votar em Jair Bolsonaro, cujo "pano de fundo" de ascensão social não é diferente de Chico Xavier. Não adianta espernear, dizer que não dá para comparar Chico Xavier com Jair Bolsonaro, porque eles são a mesma coisa. É como Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Vamos explicar. No episódio de outro Jair, o Jair Presente - que, apesar do sobrenome, está ausente do mundo físico há 46 anos - , as "psicografias" de Chico Xavier causaram desconfiança nos amigos do jovem falecido. Isso é justo, não há como incriminar os rapazes e moças que conviveram com o universitário. Mas aí Chico Xavier ficou irritado (sim, ele FICOU IRRITADO) e disse que essa desconfiança era uma "bobagem da grossa". Com a mesma rispidez típica de Jair Bolsonaro.
E Jair Bolsonaro, "símbolo do ódio e da violência"? Alguém acha que o atual presidente da República vai sair com uma bazuca na mão para metralhar quem encontrar pela frente, mesmo os mais ardentes seguidores (que, por um espirro, talvez fossem acusados de "comunistas" por bolsonaristas ainda mais cegos e muito mais radicais)? Não. Ele sai para a rua e vai cumprimentando pessoas como um tiozão do pavê, com a mesma gentileza típica de Chico Xavier.
Atletas esportivos, como jogadores de vôlei, de futebol e de natação, que faziam um discurso de meritocracia bastante dócil, que lembra as recomendações que o "espiritismo" brasileiro fazem da luta e da superação humanas, com aqueles apelos de solidariedade, semelhantes ao que se vê nos "centros espíritas" ou mesmo em frases de Chico Xavier. Só que esses mesmos atletas manifestaram seu voto em Jair Bolsonaro.
TODO MUNDO QUER SER "TUDO DE BOM"
O problema é que o Brasil possui condições psicológicas atrofiadas. Elas pioraram quando Chico Xavier foi entregue à impunidade, em 1944, por um juiz chamado João Frederico Mourão Russell, de conduta não muito diferente da de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Luiz Fux ou Luís Roberto Barroso, partidários da Justiça seletiva que mede os atenuantes de crimes pelo status social: econômico, político, lúdico (celebridades), religioso etc.
A partir daí, foi o caminho para a idolatria religiosa e para as atribuições de "luminosidade" para Chico Xavier que só tem validade na Terra. No mundo espiritual, ele foi apenas o farsante que conseguiu enganar multidões durante décadas e continua enganando postumamente. No Brasil, as paixões religiosas deixam as pessoas com cegueira emocional, um mal que pega até mesmo aqueles que se julgam dotados de algum esclarecimento. Muita gente boa caiu como patinho nas lorotas de Chico Xavier.
Existe um cacoete na maioria esmagadora de brasileiros que é a de todo mundo querer ser "tudo de bom". A vida lhes parece como um restaurante a quilo, onde se pega o que quer, botando banana na feijoada, comendo melancia com chuchu, macarrão com doce de leite e uma fatia de torta com jiló.
Há desde mulheres-objetos querendo ser "feministas" até moralistas de sofá que cobram demais dos jovens para arrumar um emprego, mas pouco liga se os empregadores recusam ofertas de mão-de-obra por cismarem com a aparência de cada candidato, desagradável ao gerente de recursos humanos por frescuras mil.
A sociedade esconde desejos de promoção pessoal e criam até mesmo posturas falsamente modernas. O conservadorismo retrógrado e reacionário fica oculto, até mesmo entre esquerdistas, e num momento em que a sociedade brasileira anda surtando por não suportar a quarentena, a natureza humana ainda vai mostrar pontos mais sombrios do que simpáticos e amistosos atletas esportivos votando em Jair Bolsonaro.
As pessoas, então, misturam as coisas. Há pessoas que acham que podem ser de esquerda e ao mesmo tempo cultuar um reacionário doentio que foi Chico Xavier, fazendo ouvidos de mercador quando se mostra, com provas contundentes, que ele não só apoiou a ditadura militar como foi condecorado pela Escola Superior de Guerra. Se a ESG premia alguém, devemos levar a sério isso, porque isso envolve aqueles que colaboraram de maneira estratégica e certeira com a ditadura militar.
Sim, Chico Xavier apoiando opressores! Ele disse, a um grande público, ciente de que causaria repercussão com sua declaração, que os militares "estavam fazendo do Brasil um reino de amor". O "espiritismo" brasileiro usa a tese dos "reajustes espirituais" para justificar a criminalização das vítimas de qualquer tipo de opressão.
Para promover um holocausto, o "espiritismo" encontra motivos de sobra. Suas sombras conceituais envolvem ideias e práticas retrógradas de deixar um bolsonarista vingativo com o queixo caído. O bolsonarista iria logo perguntar, para si: "E eu imaginava que o Silas Malafaia e o Edir Macedo eram fascistas...".
É evidente que se confunde embalagem com conteúdo e os "espíritas" se revoltam quando sua religião é tida como fascista. E mesmo aqueles que não seguem a religião "espírita", ou mesmo os que questionam a deturpação, acham isso um "exagero". Não é. A indignação é comparável àqueles homens que cultuavam uma mulher, marcada pelo seu erotismo, e depois a reveem obesa, decadente e feia, e se recusam a admitir isso.
As pessoas têm medo de tudo. Direitistas têm medo do Brasil ser governado por um operário. Esquerdistas têm medo de abrir mão de suas fantasias, como acreditar que um ritmo grosseiro e culturalmente estereotipado como o "funk" seria o "paradigma de cultura popular". Associar o "funk" a Luciano Huck, seu propagandista maior, ainda faz muitos esquerdistas espernearem.
O que mais existe é gente usando justificativas para defender convicções que perdem o sentido. E isso numa sociedade que tem medo de ver "médiuns" sendo desmascarados - há um esforço de se limitar apenas ao caso João de Deus, porque é preciso forjar um "boi de piranha", enquanto se abafa o caso Fernando Bem para o desmascaramento não chegar até Chico Xavier e Divaldo Franco - , como também há um medo de ver feminicidas morrerem.
Na Internet, muita gente reclama que há quatro feminicidas na casa dos 80 anos e eles parecem ser tratados como se fossem "meninos bem alimentados", quando dois deles já demonstraram fraquezas por efeito de sua masculinidade tóxica.
Já se considera o medo de ver feminicidas morrerem - a imprensa, inclusive, fica em silêncio absoluto ante a essa realidade - como um problema psicológico, uma crença exagerada na utopia da ressocialização que manda às favas as leis da Natureza (os femincidas morrem, não raro prematuramente, porque descuidam de sua saúde). Uma misericórdia que, convertida na "síndrome de Estocolmo", se converte a um apego doentio aos assassinos que "não podem morrer".
Somos uma sociedade de instintos maus ocultos, que no caso dos bolsonaristas revelavam a burrice e a estupidez existente até em pessoas tidas como "experientes" com mais de 60 anos de idade. Temos esquerdas ingênuas e complacentes, que acreditam que a objetificação do corpo feminino possa render ativistas "feministas" que usam os glúteos como "ferramenta de luta". Há muita gente tola, imprudente, iludida, apegada, com neuroses antes inimagináveis sendo despejadas de repente.
Os brasileiros tentam botar isso debaixo do tapete, renegando suas próprias neuroses que as circunstâncias revelam por acidente, num momento ou em outro. Daí que, no caso de Chico Xavier, as pessoas, obsediadas por um "bom velhinho" que mais parece um personagem de novela das seis, as pessoas precisam ver seus maus instintos.
Chico Xavier foi um deturpador da causa espírita, comprovadamente desobedecendo muitos dos ensinamentos da Codificação. Ele foi um criador de livros fake, auxiliado por terceiros, mas com plena responsabilidade de sua parte nos atos cometidos. Isso é confirmado mediante provas diversas (assinatura, estilo de linguagem, ideias) que contradizem com o que os alegados mortos nos deixaram em vida. E Chico Xavier foi um reacionário que defendeu a ditadura militar e manifestou seu horror em ver Lula presidindo o Brasil.
São fatos, não opiniões. E se as pessoas, num sentido ou em outro, reagem a isso, elas devem prestar atenção a si. É fácil cultuar um "velhinho doente" quando é ídolo religioso. Mas quantos chiquistas não jogam seus pais, sogros e avós doentes em hospitais qualquer nota, como se fossem lixos tóxicos? Quantos exaltam Chico Xavier porque ele apareceu ao lado de gente pobre, mas fecham, alarmados, os vidros dos carros quando pedintes se aproximam para pedir uns centavos?
Quantos maus instintos existem ocultos pela dissimulação? E a demonstração de ódio, de fúria, dos adeptos de Chico Xavier, que teriam causado a morte do sobrinho Amauri Xavier, cujas ameaças de morte de dentro do "meio espírita" foram noticiadas pela imprensa? Fácil, diante desses casos, fingir piedade com o morto, como Guilherme de Pádua que, depois de ter matado Daniella Perez, ainda foi ao velório "consolar a família".
Chico Xavier arruinou o Brasil porque fez com que a hipocrisia humana se consagrasse, crescesse e chegasse ao ponto extremo do bolsonarismo, de um lado, e das esquerdas problemáticas de hoje, incapazes de reconhecer traições e irregularidades.
A ruína se deu porque o "médium", ao ser visto como "exemplo superior de humanidade" - mesmo as alegações "isentonas" de que ele foi "apenas um homem simples e imperfeito" não fogem à regra, porque essa "carteirada por baixo" tenta nivelar Chico Xavier a Jesus Cristo (o que é um absurdo, porque Chico representa o fariseu moderno, falso profeta e falso sábio) - , abriu caminho para que todo mundo passasse pano nos seus próprios defeitos.
Daí que Chico Xavier contaminou os brasileiros com toda a permissividade de quem faz literatura farsante, faz juízo de valor contra gente pobre (vide o caso das vítimas do incêndio em um circo em Niterói, em 1961), com uma licenciosidade que passa pano nos erros humanos, e permite toda a série de impunidades, caneladas, atrocidades, omissões e, principalmente, dissimulações que fazem com que o brasileiro, mais do que envergonhar da honestidade, sinta orgulho em ser desonesto. Até porque um desonesto foi promovido a "espírito de luz" pelo imaginário popular brasileiro.
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