(Autor: Professor Caviar)
Mais revelações em torno das fraudes da suposta psicografia de Francisco Cândido Xavier e dos "editores terrenos" da Federação "Espírita" Brasileira, que revelam os interesses dos envolvidos em, pasmem, "deixar um livro mediúnico prosseguir a solta, sem o nosso cuidado...", criando uma farsa na qual "amigos do além" como Emmanuel e André Luiz, supostamente, participariam da "elaboração" ou "recepção" de supostas obras espirituais, enquanto elas, abertamente, recebiam revisões sucessivas.
Essas revisões eram feitas por editores como Antônio Wantuil de Freitas, Manuel Quintão e Luís da Costa Porto Carreiro Neto, eventualmente com a participação de Chico Xavier e, conforme este foi incapaz de esconder, a "outros companheiros de fé" por "algumas circunstâncias específicas".
Algo comparável a uma grande mentira, na qual existe uma história rocambolesca para tentar justificar a atuação de "editores terrenos" na intervenção das obras espirituais, o que, na prática, desqualifica a missão dos "benfeitores espirituais". Observando os detalhes do processo, vemos que a tal "atuação dos amigos espirituais" é uma ficção, um meio apenas de Chico e Wantuil, que estabeleceram a farsa, arrumar o apoio e a colaboração de outros membros da FEB.
E quem acha que essas revelações vieram de alguém invejoso e caluniador à pessoa de Chico Xavier, se enganou. Afinal, as revelações, descontando uma atitude chapa-branca de aceitar alguns argumentos confusos (como a "consulta aos amigos do além"), vieram de uma pesquisadora considerada "isenta", a historiadora Ana Lorym Soares, cujo currículo Lattes é descrito assim:
"Ana Lorym Soares
Doutora em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PPGHIS-UFRJ (2016). Mestre em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio (2010). Graduada em História pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2007). É professora Adjunta II do Curso de História da Universidade Federal de Goiás, Regional Jataí - UFG/REJ. Concentra suas pesquisas nas áreas de História da Cultura (Brasil) e Teoria da História e História da Historiografia (século XX), com ênfase nas temáticas: história e ficção; noções de temporalidade na literatura contemporânea; utopia e distopia; história das edições e práticas de leituras; história intelectual; folcloristas; espiritismo".
O material consultado se chama O livro como missão: A publicação de textos psicografados no Brasil dos anos 1940 a 1960, do qual reproduzimos um trecho, no Capítulo II, "O que faz A vida no mundo espiritual uma coleção?". O livro foi publicado em 2018 pela editora Gramma, do Rio de Janeiro, de onde é a autora, e boa parte das pesquisas teve como fonte o famoso "fogo amigo" que denunciou as fraudes de Chico Xavier, Testemunhos de Chico Xavier, de 1981, da "médium" Suely Caldas Schubert.
A autora dá "nome aos bois" para os editores da FEB, citando Manuel Quintão, Antônio Wantuil de Freitas e Luís da Costa Porto Carreiro Neto, entre outros, que davam aos livros "psicográficos" um reparo editorial que, sabemos, envolveu até consultoria literária, como se observa em livros como Volta, Bocage. Nesta obra, supostamente atribuída ao espírito do poeta português, teria tido o pastiche estilístico moldado e aperfeiçoado por Porto Carreiro Neto, autor de notas "explicativas".
Com os relatos reproduzidos abaixo, descontando a abordagem chapa-branca travestida de "imparcial", podemos concluir que a obra "psicográfica" de Chico Xavier foi uma farsa, por dois aspectos aqui contidos (o livro não enfatiza as disparidades de estilo dos supostos autores mortos e do legado destes nomes deixado em vida):
1) Chico Xavier não elaborava as "psicografias" sozinho; ele contava com atuação de colaboradores, dirigentes da FEB e até de "companheiros de fé em circunstâncias específicas", incluindo até mesmo a esposa e o filho de Wantuil, que chegaram a passar noites fazendo revisões de livros;
2) As "edições terrenas" desqualificam as obras "espirituais", uma vez que há uma estranha necessidade de "adaptar" os recados supostamente atribuídos aos espíritos para a "linguagem da Terra", uma estranheza que só pode confirmar uma grande farsa.
Vamos então ao trecho do livro de Ana Lorym Soares:
Trecho do Capítulo II - "O que faz A vida no mundo espiritual uma coleção?"
Ana Lorym Soares - Extraído de O livro como missão: A publicação de textos psicografados no Brasil dos anos 1940 a 1960 - Rio de Janeiro, Gramma, 2018.
Embora se propague no meio espírita que a coleção fosse um desdobramento de um projeto de "despertamento" cuja origem remetia ao "Além", seria necessária, para sua concretização na Terra, a intervenção humana, através da transformação de um ideal doutrinário em um conjunto de livros dispostos em coleção.
Conforme foi possível acompanhar por meio da correspondência ativa de Chico Xavier, havia um grupo mais ou menos fixo e centralizado, a partir da administração geral da FEB, que se encarregava de materializar as projeções intelectuais que diziam emanar do "mundo espiritual", traduzindo-as em material impresso. Havia um circuito de produção, edição e reedição de textos, que agrupou aproximadamente cinco pessoas ao longo das três décadas, quando as mensagens contidas em A vida no mundo espiritual foram dadas a ler em livros, nas suas primeiras edições.
O processo de elaboração da coleção, da maneira como os seus produtores apresentam, pode ser entendido como uma cadeia de atividades formada por agentes responsáveis por desempenhar diferentes papéis voltados para o objetivo comum: a produção e a difusão do livro psicografado. Esse projeto era composto supostamente por três ou quatro estágios, cada qual contando com sujeitos e funções mais ou menos definidas. Assim, no primeiro estágio seria construído o conteúdo intelectual das obras por um grupo de "espíritos superiores", representados pelas figuras do "autor", André Luiz, e de Emmanuel, que fazia amediação entre o presumido criador das ideias e os médiuns psicógrafos (função que, segundo Xavier, fazia de Emmanuel "simples pregador de cartazes do Reino").
No segundo estágio, o médium entrava em ação, responsável por transcrever no papel as mensagens presumidamente ditadas por espíritos para, em seguida, encaminhá-las à editora. Essa função teria sido exercida por Chico Xavier, secundado, a partir de 1958, pelo jovem médico Waldo Vieira. Depois de realizado o registro a lápis das mensagens tidas como psicografadas, seria papel do médium reescrevê-las à máquina, tarefa para a qual contaria, algumas vezes, com ajuda externa.
É importante notar que, mesmo mostrando-se como um "receptor de mensagens", que se presuma advir de "espíritos superiores", Xavier não deixava de admitir a seleção dos seus textos para fins de publicação. É o que se percebe na carta que enviara a Wantuil de Freitas, em dezembro de 1943: "Façamos de conta que sou um pescador, no dizer de um Espírito amigo. Hei de enviar-te sempre o resultado da pescaria, e examinarás o material, antes de ir ao mercado, não é? Essa atitude explicita que, mesmo se tratando supostamente da missão transcendente à vontade dos homens, a atuação deles era decisiva, inclusive na definição do que iria ou não chegar às mãos dos leitores.
O terceiro estágio da cadeia de produção dos livros da coleção era desenvolvido pelos chefes maiores do quarte-lgeneral do espiritismo brasileiro: o presidente da FEB e alguns dos membros de sua diretoria. Cabia a eles toda a responsabilidade material pela confecção dos livros, inclusive a parte administrativa e comercial do negócio. Era da alçada desse grupo o tratamento editorial dos textos a fim de torná-los livros aptos à manipulação e à leitura pelos consumidores. Wantuil de Freitas, que era o principal responsável pela obra do livro na FEB, contava, algumas vezes, com o auxílio doméstico da esposa e do filho que, segundo informa a sua ex-secretária, Rúbia da Costa Guimarães, chegavam a varar noites no trabalho de revisão dos textos. Junto com o presidente, Wantuil, atuavam também o ex-presidente da FEB, Manuel Quintão, que editara o livro inaugural de Xavier, em 1932; o jornalista Ismael Gomes Braga, que a partir da segunda metade dos anos 1940 assumiu a chefia dos "escritórios da Livraria" e dividia com Wantuil a incumbência de editar a revista Reformador; e o professor Porto Carreiro Neto, que era médium e divulgador do esperanto. Segundo relata Chico Xavier, outros companheiros de fé poderiam, por algumas circunstâncias específicas, participar desse processo.
Muitas vezes, a cadeia de produção da coleção era alterada, fazendo com que se introduzisse novamente o trabalho do médium ou mesmo voltasse a ter a interferência dos espíritos. Um quarto estágio poderia ser incluído no circuito, possibilitando que as posições dos agentes fossem relativizadas, o que permitia que o médium participasse tanto da revisão dos textos (sugerindo ou fazendo alterações ele mesmo) ou mediando a "anuência espiritual" às correções realizadas pelos "editores terrenos". Podemos acompanhar um caso semelhante por meio do registro que Xavier fez ao amigo em abril de 1945, ocasião em que se expôs o quão comum era essa prática.
"Muito obrigado pela remessa de 'O Psicógrafo' e 'Materialização' com as instruções. Ótima lembrança! Ao recebê-la, recordei o nosso Dr. Guillon (antigo editor e presidente da FEB, agora já falecido), em 1942, quando se organizou 'Reportagens de Além-Túmulo'. Ele e eu, embora distantes um do outro, combinamos o esforo para o mesmo fim".
Xavier se referia a dois capítulos do terceiro livro da coleção, Missionários da Luz. O livro em questão fôra publicado em 1945, logo após Os Mensageiros, e ao que se pode perceber, houve necessidade de revisão nos dois capítulos mencionados. Assim, antes de a obra ser encaminhada definitivamente para a publicação, em segunda edição, o médium teria que chancelar as mudanças efetuadas. Na mesma carta, Chico Xavier relembrou o processo similar que ocorrera entre ele e o antigo presidente da FEB, o já falecido Guillon Ribeiro, no momento em que se organizava a segunda edição de Reportagens de Além-Túmulo, primeiro livro (sic) atribuído ao escritor escritor, Humberto de Campos (*). Na missiva subsequente, datada de julho de 1946, o médium parabenizou Wantuil por ter feito alteração no texto do quarto livro da coleção, de modo que ficasse em sintonia com informações iconográficas trazidas na capa.
Esse regime de colaboração na edição dos livros psicografados era comum e se observava nas demais obras que supostamente emergiam dessa complexa gênese. Chico Xavier nos permite saber do caso da revisão de Parnaso de Além-Túmulo, do qual se ocuparam eles e os "editores da FEB", em presumida colaboração com Emmanuel, guia espiritual de Xavier e "editor" do "Além". Tal revisão levou alguns anos para se efetivar por causa da indecisão entre eliminar ou apenas corrigir termos de poemas tidos por eles como problemáticos. Quando se conjecturou o lançamento de uma sexta edição de Parnaso, Xavier escreveu a Wantuil de Freitas, em resposta sobre a questão desta revisão, e acrescentou:
"Grato pelos teus apontamentos alusivos ao 'Parnaso' para a próxima edição. Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão mais meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro Neto é uma iniciativa feliz. Na ocasião em que o serviço estiver pronto, se puderes me proporcionar a 'vista ligeira' de um volume corrigido, ficarei muito contente, pois isso dará oportunidade de ouvir os Amigos Espirituais, em algum ponto de maior ou menor dúvida. Há uma poesia, sobre a qual sempre pedi socorro, mas continua imperfeita desde a primeira edição. É aquela 'Aves e Anjos' (**), da pág. 325, na 5ª edição. Ela termina assim: 'Sorrindo... Cantando...' e não 'Sorrindo... Sorrindo...', como vem sendo impresso. Conto com a tua colaboração, em favor do reajustamento definitivo".
Também Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, segundo livro (sic) atribuído a Humberto de Campos, precisou desses ajustes para sair em segunda edição. Já em se tratando dos livros pertencentes à coleção A vida no mundo espiritual, o caso mais expressivo relativo a mudanças operadas nos textos ocorreu no sexto livor da série, Libertação, no qual a utilização da expressão "perder o perispírito", na primeira edição, causou estranhamento entre os leitores que viam nela uma espécie de contrassenso em relação à doutrina espírita kardecista.
"Tomei atenção no caso a que te reportas e, conforme a carta anterior, penso que a aplicação dos verbos 'sublimar' e 'rarefazer' atenderá às nossas necessidades, no momento. Creio que se persistíssemos em empregar a expressão 'perder o perispírito' usando notas explicativas por parte da Editora não ficaria muito bem. As notas poderiam traduzir fraqueza ou insegurança. Assim, opinaria pelos verbos ultimamente sugeridos, para não ferirmos bruscamente os pontos de vista estabelecidos, embora tenhamos muita coisa a reconsiderar na conceituação doutrinária, na jornada evolutiva que vamos realizando. Nossos Amigos do Alto, contudo, são de parecer que tudo se faça com tempo, paciência e medida. Façamos a nossa parte, não achas? Outros prosseguirão e sentir-nos-emos feliz (sic) se eles encontrarem menos aflições e menos sarcasmos".
Como foi possível observar, a cadeia de produção das obras da coleção Nosso Lar (mas também de outras obras psicografadas) estava geralmente compreendida em três ou quatro etapas que englobavam a suposta matriz espiritual geradora das mensagens veiculadas ("autor" e "editor" espirituais) e o médium psicógrafo que registrava as mensagens por meio da escrita e as fazia chegar até o grupo de pessoas que, na FEB, era responsável pelo trabalho editorial. É interessante pontuar que, embora as mensagens fossem aceitas no meio espírita como de autorias transcendentes, as revisões e reajustes nos textos eram realizados, usualmente, pelo concurso de "editores terrenos", muitas vezes com a participação do médium. Isso porque, segundo Chico Xavier, não poderiam "deixar um livro mediúnico prosseguir a solta, sem o nosso cuidado...". No caso narrado acerca da expressão "perder o perispírito", a opção foi a de manter o texto e inserir uma nota: não da editora, como se aventou na conversa entre Xavier e Wantuil, mas do "próprio autor espiritual", em que se lê: "O perispírito, mais tarde, será objeto de mais amplos estudos das escolas espiritistas cristãs".
(*) Nota do nosso blog: O primeiro livro de Chico Xavier que leva o crédito de "Humberto de Campos" é Palavras ao Infinito, de 1936.
(**) Poema atribuído ao escritor português Júlio Dinis.
(**) Poema atribuído ao escritor português Júlio Dinis.
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