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Por que é impossível separar Chico Xavier de Jair Bolsonaro?


(Autor: Senhor dos Anéis)

Nem todas as coisas são como desejamos. Nem tudo se expressa como as aparências sugerem. Nem tudo é agradável em nossa vida e a realidade dos fatos apresenta constantes momentos de decepção.

As pessoas, quando apreciam o "espiritismo" brasileiro, confundem a embalagem com o conteúdo. Acreditam que, se a embalagem é boa, o conteúdo também é, e acabam definindo um pelo outro, sem ter o mínimo discernimento nem um pingo de desconfiômetro e muito menos qualquer senso de realismo.

Em vez disso, criam um terreno da fantasia e do pensamento desejoso, e, dentro de um emaranhado de dissimulações que são muito caraterísticas nesse Brasil em que as pessoas mentem até para si mesmas em nome de vantagens sociais diversas, as pessoas tomam suas "fantasias" como se fosse um pretenso realismo.

Com essa postura, essas pessoas são capazes de argumentar demais para defender ideias sem pé nem cabeça que elas acreditam serem racionais. Chegam os "isentões" de plantão, prometendo uma abordagem "objetiva" e "imparcial" das coisas, e eles investem na "neutralidade" de suas falácias, dentro do que eles acreditam ser o "equilíbrio" da realidade com a fantasia.

Francisco Cândido Xavier pode não ser o único homem cuja vida é abordada no terreno da fantasia. Temos também Adolfo Bezerra de Menezes, com sua biografia parcial e "sem máculas", mesmo quando seus contemporâneos, como Rui Barbosa e Machado de Assis, apresentam pontos sombrios em suas biografias. 

Mas é em Chico Xavier que tais fantasias são levadas ao extremo, a ponto dele ser visto como uma "fada-madrinha" do mundo real, sendo uma espécie de "princesa da Disney" para as pessoas mais velhas. E isso alimentado por uma seleção de memes e testemunhos que só mostram o lado agradável da biografia do "médium", um dos maiores representantes do pensamento conservador brasileiro.

Só que os aspectos negativos da biografia de Chico Xavier são reconhecidos, mesmo por acidente e até de forma inconsciente, por aqueles que expressam simpatia e apreço ao anti-médium (lembremos que "anti-médium" é o termo que usamos para supostos médiuns que querem ser o centro das atenções, não o intermediário da comunicação protagonizada entre mortos e vivos).

Um dos casos são as fraudes literárias. Já se sabe, portanto, que Chico Xavier realmente fez essas fraudes. Não fez sozinho, mas isso também não lhe exime de responsabilidade. Mesmo quando o "médium" não decidia pelas tarefas ruins a ele relacionadas, ele não só consentiu como deu amplo apoio e, no caso das fraudes literárias, "aperfeiçoadas" pelos dirigentes da Federação "Espírita" Brasileira (que "concebia" os estilos de cada "psicografia", alterando a linguagem), ele apoiava e se oferecia até para colaborar.

Isso desmonta a tese do "mistério psicográfico", uma lorota que até os "isentões" - como o pessoal que atuou na revista Superinteressante - acreditam como "plausível". Afinal, eles ainda permanecem na zona de conforto de continuar acreditando que Chico Xavier fez as "psicografias" sozinho, seus "assistentes" se limitam ao além-túmulo e, se há problemas de estilos manifestos nas "psicografias", só Deus irá resolver.

Isso quer dizer que, se o suposto Humberto de Campos apresenta problemas de estilo na obra "mediúnica", temos que aguardar a "avaliação dos céus" que irá nos "explicar" como o "autor espiritual" mudou de estilo, esperando de braços cruzados - e sob o silêncio da prece - que Deus indique as razões "lógicas" (sic) necessárias para apontar tais mudanças.

Esses absurdos, que contrariam abertamente a lógica e o bom senso, blindam Chico Xavier que, também, era um reacionário e um ultraconservador tão convicto que só mesmo a falta de uma leitura crítica de seus livros para ignorar tais aspectos, o que faz com que muitos, erroneamente, classifiquem o "médium" como "progressista".

Não, ele nunca foi progressista. A ideia de "vida melhor" se encaixa até no imaginário mais perverso da ditadura militar. Semiologicamente, a ideia de "vida futura" não inocentam Chico Xavier de querer espetacularizar a morte, uma vez que ele concebe um "mundo espiritual" com base em devaneios materiais e sem qualquer fundamentação científica, por mínima que fosse.

O pensamento desejoso dos chiquistas é que minimiza as ideias de Chico Xavier e apelam para o truque da falsa metáfora, quando uma ideia óbvia e explícita é tendenciosamente encarada como "figura de linguagem", para que nela se insiram ideias opostas através de uma engenhosa interpretação.

Esse recurso, pouco falado até entre os semiólogos, é uma forma de contaminar uma verdade que, transformada em falsa metáfora, é interpretada de forma viciosamente relativista, de maneira a poder inserir ideias opostas que desmintam a obviedade.

É como ocorre num caso de estupro, onde o fato evidente é que um homem violentou sexualmente uma moça. É criada uma narrativa relativista, na qual se supõe, por exemplo, que dado estuprador é considerado um homem atraente, e a mulher, por causa de suas roupas que mostram as formas corporais e do perfil atraente que "exala energia sexual", ela é que "atraiu o bonitão" para uma cilada e o obrigou a "cometer os atos" e "da maneira que cometeu".

A defesa da ditadura militar de Chico Xavier, que chegou ao ponto de pedir aos brasileiros rezarem pelos militares porque eles "fariam do Brasil um futuro reino de amor", teve agravantes como o apoio ao AI-5 (que o "médium" julgava necessário para combater os "excessos" das esquerdas) e a condecoração da Escola Superior de Guerra, que não perderia tempo nem dinheiro para homenagear quem não tivesse o propósito de colaborar com o regime ditatorial.

Narrativas aqui e ali tentaram relativizar esse apoio, baseados na seguinte falácia: que Chico Xavier era um "santo" que tratava com igualdade oprimidos e opressores, através de um princípio de "misericórdia cristã". Mas esse "humanismo da galinha com a raposa" é falso, porque é evidente que um humanista de verdade se recusa a compactuar com os opressores. E Chico Xavier esteve justamente ao lado dos senhores da opressão.

Mas é bom prestar atenção nas ideias apresentadas e pelo fato de que não existe garantia de que um ídolo religioso rejeitasse regimes autoritários. A História Geral registra o Catolicismo medieval como o apoio da Religião à tirania política, assim como o Catolicismo alemão apoiou o nazi-fascismo.

No Brasil, como a Igreja Católica estava vivendo a predominância de correntes progressistas, divergentes do regime ditatorial e de suas ações, a ditadura militar recorreu a outras religiões, subsidiadas pelo poder dominante, e que se fortaleceram como concorrentes dos católicos, as seitas neopentecostais (Igreja Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus etc) e o "movimento espírita".

Há todo um imaginário social desenvolvido por um sistema de valores que transita entre a opressão aberta àqueles que afrontam os privilégios dos mais ricos e o acolhimento paternalista de pobres sem que estes superem sua inferioridade social, apenas sobrevivendo de maneira medíocre e inofensiva. Por isso muitos acreditam que o caráter egoísta e meritocrático dos neopentecostais não dialoga com a suposta caridade dos "espíritas", o que é um engano.

Deixando de lado alegações meramente emotivas e vendo a coisa com realismo e objetividade, se vê, aliás, que o "espiritismo" brasileiro faz parte de todo um "edifício de valores" que gerou o bolsonarismo. A ideia de "sofrer em silêncio", pela qual Chico Xavier apelava para os sofredores evitarem mostrar aos outros sua agonia, para não atrapalhar a felicidade alheia, é um apelo tipicamente bolsonarista.

E as relações de trabalho? A servidão no trabalho, o trabalho exaustivo, a submissão aos patrões, a aceitação dos abusos patronais ou mesmo a abnegação material (no caso, a aceitação de perdas salariais e fim dos encargos trabalhistas) era DEFENDIDA por Chico Xavier, com suas palavras, de forma explícita e pouco importando as assinaturas "espirituais" que ele forjava para evitar ser reconhecido por posições tão reacionárias.

Se observarmos bem as ideias de Chico Xavier, esquecendo daquelas imagens dóceis dele acariciando criança pobre, ele era tão reacionário quanto Jair Bolsonaro, guardadas as diferenças de contexto. E a "chocante" imagem de Jair Bolsonaro segurando o Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, se justifica pela semelhança com que o presidente se promoveu com o lema "Brasil, Acima de Tudo, Deus Acima de Todos".

Falta leitura mais crítica por parte das pessoas. Falta um pouco de semancol, de autocrítica e de revisão de valores. As pessoas, antes de se enfurecerem com as comparações que tornam Chico Xavier e Jair Bolsonaro idênticos, precisam ver as ideias, não a seleção de frases agradáveis que circula nas redes sociais, mas os lados sombrios da biografia e dos depoimentos do "médium".

É impossível separar Chico Xavier de Jair Bolsonaro. Ambos tiveram ascensão arrivista, irritando, respectivamente, literatos e militares, e são extremamente conservadores em suas ideias. Isso traz uma energia vibratória que une um e outro, e é por isso que nenhuma circunstância acontece contra Jair Bolsonaro e até sua queda do poder será feita sem lhe trazer profundos arranhões jurídicos.

Até mesmo os dados opostos do suposto "amor" de Chico Xavier e do aparente "ódio" de Jair Bolsonaro podem ser facilmente negociados por conta das ideias conservadoras compartilhadas por ambos, o que seria mais difícil quando, por exemplo, a gente confronta as ideias trabalhistas do "médium" ao projeto político do ex-presidente Lula.

Portanto, é bom os adeptos do "espiritismo" brasileir tirarem as traves dos olhos, antes de se irritarem com os argueiros dos outros. Os "espíritas", que desconhecem que sua própria religião deturpa a Codificação em prol de conceitos igrejeiros medievais, deviam observar o que pensam e o que querem e entender as próprias contradições, pois eles foram passados para trás pelos neopentecostais que, por pior que sejam, possuem a honestidade doutrinária que os "espíritas" não têm.

Entender o que Chico Xavier tem em comum com Jair Bolsonaro é uma experiência que dói nos corações de muitos, mas pensemos bem a respeito das contradições morais, ideológicas e religiosas que condicionam tanto um quanto outro, na qual ideias que parecem opostas são complementares ou até mesmo afins, através do conteúdo que não é devidamente compreendida pelos brasileiros.

O ultraconservadorismo de Chico Xavier é fundamentado rigorosamente por suas bases sociais, pelo conteúdo de suas ideias, pelo contexto da sociedade em que vivemos, e pelo próprio interesse do "médium" em assumir tais posições. Alguém imaginaria que um progressista iria fingir apoio à ditadura militar num programa de TV de grande audiência? 

Isso daria margem a contradições vergonhosas, mesmo no terreno agradável das interpretações desejosas e relativistas. A tese de que Chico Xavier era um reacionário é mais lógica e realista, queiram ou não queiram seus seguidores e apoiadores, mesmo os "isentos".

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