Pular para o conteúdo principal

Escola Superior de Guerra não perderia tempo homenageando quem não colaborou com a ditadura militar


(Autor: Senhor dos Anéis)


Não há o menor pingo de lógica negar que Francisco Cândido Xavier não tenha colaborado com a ditadura militar, se ele recebeu homenagens da Escola Superior de Guerra. Se Chico Xavier foi homenageado em 1972, período de auge da repressão ditatorial, é porque o "bondoso médium" colaborou com os generais, sim.

Não se trata de uma das boatarias que vitimaram o ídolo musical Wilson Simonal, porque as situações se mostram diferentes. No caso de Simonal, foi um boato lançado por dois seguranças que, sócios dos negócios empresariais do cantor, se envolveram em desavenças e, para se vingar, resolveram dizer que o cantor era dedo-duro de artistas que faziam oposição à ditadura militar. 

A boataria não teve fundamento e, no entanto, em atitude totalmente equivocada, o periódico O Pasquim, corroborou com a fofoca e acendeu uma campanha contra Simonal que, abalado no auge da popularidade, decaiu e não viveu para receber um pedido de desculpas oficial das Forças Armadas, já que os dois seguranças eram militares. As desculpas foram dadas em 2000, após a morte do cantor, naquele mesmo ano.

É muito diferente de Chico Xavier, cuja associação à ditadura militar se dá por meio de fatos. O biógrafo do "médium", Marcel Souto Maior, com todo o tendenciosismo chapa-branca de seu trabalho, embora, às vezes, mostre certos aspectos "controversos" do biografado, não teria o objetivo de inventar, para fins depreciativos, o apoio do "médium" à ditadura e, muito menos, a homenagem da Escola Superior de Guerra.

Vejamos o trecho do livro As Vidas de Chico Xavier, referente à cerimônia da Escola Superior de Guerra, motivada pelo apoio do "médium" à ditadura militar, descrito por Souto Maior:

"A Escola Superior de Guerra convidou Chico a dar uma palestra a seus alunos. Ele aceitou o convite. No final da conferência, os cadetes se perfilaram e, em fila, cantaram para ele o hino de sua escola".

É claro que, na época, periódicos como Veja e Última Hora passaram pano em Chico Xavier, ao descreverem esse envolvimento. Veja acreditava que o apoio do "médium" à ditadura militar era uma "estratégia" para evitar ser censurado e reprimido, algo que não procede, porque esse apoio era dado com evidente e explícita identificação do "médium" com os propósitos conservadores do regime ditatorial, apoiando o AI-5 sob o pretexto de "combater o caos", que é o que a direita acusa os opositores do governo ditatorial de provocarem com seus protestos, militâncias e guerrilhas.

Vejam o que Chico Xavier disse no programa Pinga Fogo da TV Tupi, em 1971, a respeito da ditadura militar. A tese de que a ditadura militar foi, "com justa razão e (...) com boa dose de patriotismo", um "apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras". 

Sendo "católico", neste caso, sinônimo de "cristão" (o que não isenta os evangélicos conservadores de tal empreitada, pois a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, que pediu o golpe em 1964, incluiu também membros da Igreja Nova Vida - pioneira das seitas neopentecostais - e da Federação "Espírita" Brasileira), e evocando o termo "patriotismo", vemos que o ponto de vista de Chico Xavier não era diferente do que motivou uma parcela de reacionários a eleger Jair Bolsonaro.

Vejamos o que Chico Xavier disse, com comentários anti-esquerdistas que Franklin Félix e Ana Cláudia Laurindo, "espíritas de esquerda", deveriam prestar atenção:

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".

É, portanto, um ponto de vista muito forte para tentar desmentir que Chico Xavier apoiou a ditadura. Afinal, ele se ofereceu ao risco de expor esse ponto de vista para uma plateia do Pinga Fogo, que já era grande, para uma grande audiência televisiva nos lares e demais estabelecimentos, na repercussão do rádio e da imprensa, além da própria TV, e, posteriormente, nos vídeos que hoje estão disponíveis em plataformas digitais como YouTube e outros.

Quem não quisesse ser visto como apoiador da ditadura militar não se daria a esses caprichos. Bastariam apenas declarações tímidas e Chico Xavier teria evitado comparecer à homenagem da Escola Superior de Guerra. Mas não. Sua defesa foi escancarada, e só mesmo um tolo ou ingênuo para acreditarem que Chico Xavier "apoiou a ditadura sem realmente apoiá-la de fato". Quem acredita nisso, mesmo sob o verniz da "imparcialidade", comete contradições bastante grosseiras.

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA ERA O SUSTENTÁCULO DA DITADURA

A tese de Ronaldo Terra sobre a "santidade" de Chico Xavier, motivo que ele alegou para o apoio à ditadura militar, sob o pretexto de "consideração fraterna com tudo e todos, opressores e oprimidos" que não condiz ao verdadeiro humanismo, mas é um argumento verossímil na retórica religiosa conservadora, apresenta seus sérios equívocos.

Ronaldo Terra não só "santifica" Chico Xavier e o isenta da colaboração com a ditadura militar - tese que soa agradável, mas esbarra em contradições diversas, como um "humanismo" complacente com a opressão - , como acaba minimizando o caráter rigorosamente militar da Escola Superior de Guerra. E isso sem falar que Chico Xavier, tão associado à ideia de "paz", recebeu homenagens a uma instituição com nome de "guerra".

O equívoco de Ronaldo Terra esbarra em uma questão muito grave. Documentos que investigam a repressão do período ditatorial de 1964 a 1985 revelam que a Escola Superior de Guerra planejou a derrubada de João Goulart, desde a campanha de depreciação até o golpe civil-militar de 1964. Além disso, a instituição sustentava a ditadura militar e patrocinava palestras de estrangeiros que apresentavam técnicas de torturas de presos políticos.

O rigor com que a Escola Superior de Guerra monitorava o Brasil não lhe permitia que, em dado momento, aliviasse seu rigor repressivo para condecorar alguém por uma mera questão de "santidade" ou embarcasse na figura supostamente humanista de alguém. Tais teses não se sustentam - a "santidade" de Chico Xavier no apoio à ditadura e a "troca de interesses" do apoio mútuo entre ele e os militares - e só confirmam que o "médium" colaborou, sim, com o regime ditatorial.

Surgida em 1949, a Escola Superior de Guerra foi fundada por inspiração direta com a War College, dos Estados Unidos. As colaborações da ESG com o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, hoje são confirmadas por farta documentação, e isso incluiu a atuação do FBI (Federal Bureau of Information) e CIA (Central Intelligence Agency) nas medidas estratégicas de combate a movimentos progressistas e a subordinação da América Latina ao poder dos EUA.

A Escola Superior de Guerra não teria uma folga de seu processo repressivo para homenagear um "santo" nem teria interesse de se promover às custas dessa pessoa para sabe se lá quais razões. Afinal, que razões seriam essas? As de ter uma boa imagem na sociedade? Como assim? 

A ESG não era apreciada pelos cidadãos comuns, era uma entidade militar cuja reputação pública era desnecessária, não existia a necessidade da ESG ser adorada e respeitada sequer pela classe média que apoiava a ditadura militar. Era uma entidade cuja atuação dispensava a apreciação pública, o desprezo público à instituição não só não incomodava os militares como garantia a eles liberdade de ação, sem a cobrança da chamada "opinião pública".

Dito isso, não vemos sentido algum em achar que a ESG iria "melhorar sua imagem" apoiando Chico Xavier. Também não teria mostras de "humanismo" nessa circunstância, num contexto em que se torturavam e matavam políticos e jornalistas moderados, como Rubens Paiva e Vladimir Herzog, por ações civilizadas de oposição à ditadura militar. 

Por muito menos, a ditadura matou Juscelino Kubitschek com um atentado forjado como suposto acidente de carro. Como é que a Escola Superior de Guerra, o "cérebro" da ditadura militar, iria dar um tempo na sua desumanidade para condecorar um "santo"? E Chico Xavier, ele teria ignorado os riscos de seu apoio à ditadura militar, expondo demais a defesa desse regime? Evidentemente, não. Se ele apoiou a ditadura militar, é porque ele apoiou a ditadura militar. Simples assim.

Por muito menos, a sociedade brasileira se decepcionou com pessoas que manifestavam algum surto reacionário, bem mais ameno ao de Chico Xavier. As pessoas se assustam com o "acidental" surto reacionário de Divaldo Franco ou de João de Deus, além do reacionarismo permanente de Carlos Vereza. Mas nenhum deles chegou aos pés de Chico Xavier, em termos de reacionarismo.

Hoje predomina aquela reputação de "fada-madrinha" que se atribui a Chico Xavier, mas os fatos e a realidade comprovam que ele era um reacionário convicto, até mesmo radical, com amostras nesse texto para ninguém duvidar.

Daí ser uma coisa muito feia os adeptos, seguidores e simpatizantes de Chico Xavier, incluindo os "isentos" e "não-espíritas", e até os autoproclamados "esquerdistas" e "ateus", tão zelosos em repudiar conflitos de toda espécie, ficarem o tempo todo brigando com os fatos. Não dá para promover a "fraternidade" da Verdade com a Mentira, do Bom Senso com o Contrassenso e da Realidade com a Fantasia.

Admitir que Chico Xavier foi um precursor dos "médiuns de direita" é uma forma de admitir a realidade. Até porque os motivos que chegam a essa constatação são mais lógicos do que aqueles que o classificam como um "progressista", com frágeis argumentações de caráter meramente emotivo. A realidade nem sempre é agradável e, eventualmente, ídolos religiosos podem se aliar com opositores, de maneira mais convicta do que se imagina. Vamos dar fim às paixões religiosas, que tudo cegam.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 3

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual. Testemunhos Lentulianos Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944) :   Em agosto de 1944, o periódico carioca “Jornal da Noite” publicou reportagens investigativas acerca da mediunidade de Francisco Cândido Xavier.   Nas suas edições de 09 e de 11 de agosto de 1944, encontram-se contra-argumentações espíritas defendendo tal mediunidade, inclusive em resposta a uma reportagem anterior (negando-a, e baseando seus argumentos, principalmente, na inexistência de “Públio Lêntulo”, uma das encarnações pretéritas do

Provas de que Chico Xavier NÃO foi enganado por Otília Diogo

 (Autor: Professor Caviar) Diante do caso do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que divulgou uma farsa alimentícia durante o evento Você e a Paz, encontro comandado por Divaldo Franco, o "médium" baiano, beneficiado pela omissão da imprensa, tenta se redimir da responsabilidade de ter homenageado o político e deixado ele divulgar o produto vestindo a camiseta do referido evento. Isso lembra um caso em que um "médium" tentava se livrar da responsabilidade de seus piores atos, como se ser "médium espírita" permitisse o calote moral. Oficialmente, diz-se que o "médium" Francisco Cândido Xavier "havia sido enganado" pela farsante Otília Diogo. Isso é uma mentira descarada, sem pé nem cabeça. Essa constatação, para desespero dos "espíritas", não se baseia em mais um "manifesto de ódio" contra um "homem de bem", mas em fotos tiradas pelo próprio fotógrafo oficial, Nedyr Mendes da Rocha, solidário a

Um grave equívoco numa frase de Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar) Pretenso sábio, o "médium" Francisco Cândido Xavier é uma das figuras mais blindadas do "espiritismo" brasileiro a ponto de até seus críticos terem medo de questioná-lo de maneira mais enérgica e aprofundada. Ele foi dado a dizer frases de efeito a partir dos anos 1970, quando seu mito de pretenso filantropo ganhou uma abordagem menos confusa que a de seu antigo tutor institucional, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Nessa nova abordagem, feita sob o respaldo da Rede Globo, Chico Xavier era trabalhado como ídolo religioso nos moldes que o jornalista católico inglês Malcolm Muggeridge havia feito no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) , em relação a Madre Teresa de Calcutá. Para um público simplório que é o brasileiro, que anda com mania de pretensa "sabedoria de bolso", colecionando frases de diversas personalidades, umas admiráveis e outras nem tanto, sem que tivesse um