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Chico Xavier apoiou e foi apoiado pela ditadura por causa da "santidade"? Santa Ignorância!



(Autor: Senhor dos Anéis)

Esse é o preço de se discriminar o senso crítico nas teses de pós-graduação. Enquanto na Europa, os intelectuais não têm medo de pôr em xeque mesmo os fenômenos da moda, causando polêmicas e debates intensos, no Brasil reina a assepsia "científica", com a cosmética da "imparcialidade" reinando nas monografias produzidas, bonitas na forma e na arrumação das palavras, mas estéreis no que se diz à produção do Conhecimento.

Uma tese vexaminosa foi trazida pelo acadêmico Ronaldo Terra, que mais parece fake news ou teoria conspiratória, apesar de todo o verniz de objetividade que carrega sua tese Fluxos do espiritismo kardecista no Brasil : dentro e fora do continuum mediúnico, publicada em 2011 como dissertação de Mestrado em Ciências Sociais para a Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, em Marília, interior de São Paulo.

Essa tese consiste em dizer que o "médium" Francisco Cândido Xavier, um dos baluartes do pensamento conservador brasileiro - ele "adaptou" o Espiritismo para os moldes do Catolicismo medieval que, no Brasil, foi introduzido pelos jesuítas - , só apoiou e foi apoiado pela ditadura militar por causa de sua "santidade".

Vejam o trecho, que cita as teorias de Sandra Jacqueline Stoll e Bernardo Lewgoy sobre o caráter da "religiosidade cristã", que sabemos ser voltada para a ideia de "misericórdia":

"Aliás, se considerarmos os estudos de Stoll (2002; 2003; 2004) e Lewgoy (2001), citados no início desse capítulo, compreenderemos que as atitudes complacentes de Chico Xavier com o exército brasileiro eram mais condizentes com o perfil católico de santidade assumido por ele do que propriamente uma estratégia em busca de legitimação ou um ato de colaboração com a ditadura militar, condição que não reverte o relacionamento amigável do médium com os militares".

A alegação se deu depois que foi citado o episódio do Pinga Fogo da TV Tupi, em 1971, quando o "médium" fez comentários raivosos contra as esquerdas e defendeu abertamente a ditadura militar, dizendo que os militares (pelo contexto histórico, o sádico coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra está entre eles) estavam fazendo do Brasil um "reino de amor".

Da mesma maneira, também foi citado o trecho do livro de Marcel Souto Maior, As Vidas de Chico Xavier, que mencionou a condecoração do "médium" em cerimônia organizada pela Escola Superior de Guerra, conhecida pelo histórico papel de planejadora do golpe militar (com o apoio da "sociedade civil" representada pela grande mídia, pelo empresariado e por entidades como o IPES-IBAD) e sustentáculo da ditadura militar.

Nos últimos dias, a Escola Superior de Guerra, apoiadora de Jair Bolsonaro, emitiu nota pedindo que servidores públicos que fizessem crítica ao governo fossem demitidos. Para Bolsonaro, aliás, é ótimo, porque segue a cartilha da precarização do trabalho, que têm dos servidores públicos os bodes expiatórios para os abusos que, em verdade, são praticados pelos empresários rentistas e pelos banqueiros.

Vamos analisar os trechos dos depoimentos de Chico Xavier sobre a ditadura militar no programa Pinga Fogo da TV Tupi:

“…sem qualquer expressão eufemística, declaremos que a posição atual do brasil é das mais dignas (neste instante centenas de jovens estavam sendo assassinados no Araguaia pelo exército) e das mais encorajadoras para nós porque a nossa democracia está guardada por forças que nos defendem (a ditadura militar) contra a intromissão de quaisquer ideologias vinculadas à desagregação (o comunismo).

Precisamos honorificar a posição atual daqueles que atualmente nos governam, que vigiam sobre os nossos destinos. A oração e a vigilância, preconizadas por nosso senhor Jesus Cristo, se estampam com muita clareza em nosso governo atual…

…devemos orar muito, pedir muito a deus, unir os nossos pensamentos para que a união seja preservada dentro de nossas forças armadas …

…portanto, com todo o respeito e sem nenhuma ideia de bajulação,… digo que nós devemos pedir para que tenhamos a custódia das forças armadas até que possamos encontrar um caminho em que elas continuem nos auxiliando como sempre para que nós não venhamos a descambar para qualquer desfiladeiro de desordem...

…espiritualmente nós estamos em grande conflito em ideias que trazidas ao nosso meio pelas comunicações de massa, pelas imposições do nosso tempo, em que os problemas de massas tem que ser considerados, nós precisamos resguardar o nosso coração para que essas ideias não se infiltrem em nossa vida pública, em nossa vida coletiva, para que não venhamos perder o dom da liberdade em Jesus Cristo…

…vamos agradecer a situação atual do Brasil, porque o Brasil desfruta de ordem, o Brasil está sob o império da lei".

E mais:

"Temos que convir (...) que os militares, em 31 de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, sequestros de embaixadores e mortes de inocentes".

Diante de tamanhos comentários enérgicos, alguém imaginaria que o apoio recíproco entre Chico Xavier e a ditadura militar realmente foram dados pelo critério de "santidade" do "médium"? Seria ingenuidade e profunda ignorância pensar assim, sob o pretexto de que um líder religioso não iria ficar ao lado dos opressores. 

Só que a História registra que a religião e a tirania política poderiam ser aliados, sim. O Catolicismo medieval se fortaleceu porque se constituiu um poder político à parte, junto às monarquias, e a Santa Igreja tinha seus exércitos que, com suas cruzadas, chegavam a promover carnificinas diversas. No Século XX, o apoio da Igreja Católica alemã ao nazismo de Adolf Hitler é um fato assustadoramente verídico.

E no Brasil? Falam que os neopentecotais apoiam Jair Bolsonaro. Só eles? Ah, tem os setores do Catolicismo brasileiro. Só, mesmo? E o "espiritismo" brasileiro, não só o assumidamente de direita mas também o "isento", também apoia com gosto, embora, no segundo caso, de forma enrustida e com tentativas insistentes de desmentimento. 

Os "espíritas" só pedem que não se aprove o rearmamento da população e ministros e secretários evitem cometer trapalhadas. Se bem que, como os brasileiros definem o conteúdo pela embalagem, eles esquecem que o "espiritismo" brasileiro tem um ponto doutrinário bastante sombrio, o dos "reajustes espirituais", e sua interpretação "coletivista" do holocausto, através dos "resgates coletivos". 

Além disso, o "espiritismo" brasileiro culpabiliza a vítima, pela tese da "Lei de Causa e Efeito", e, ainda que reprove o homicídio, o trata como um crime menor do que o suicídio - que só os "espíritas" classificam como "crime hediondo" - e descreve o assassinato sob o atenuante de que a vítima "pagou pelo que fez no passado".

Foi esse raciocínio que fez Chico Xavier disparar acusações contra a gente humilde que foi ver uma noite de atrações no Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, e foi vitimada por um incêndio criminoso. As acusações foram dadas cinco anos após a tragédia, ocorrida em dezembro de 1961. Os pobrezinhos foram acusados de terem sido "romanos sanguinários" em encarnação muito distante. 

Tal acusação vai contra as recomendações de Allan Kardec quanto à necessidade do esquecimento de encarnações passadas, e Chico Xavier se nivelou ao mentor do crime, Dequinha, ao fazer seu juízo de valor - logo o "médium" que dizia aos outros "não julgassem quem quer que fosse" - e, como a acusação era bastante pesada, o que poderia fazer as elites odiarem as vítimas do incêndio, o "médium" botou na conta de alguém já morto, Humberto de Campos, mal disfarçado de "Irmão X".

As "cartas mediúnicas" também seguem a tendência de Chico Xavier de espetacularizar a morte, através das "mensagens dos entes queridos", que já apresentavam indícios de fraudes, facilmente identificáveis com a comparação da assinatura "mediúnica" e a assinatura que o falecido deixou em vida, como na carteira de identidade ou de trabalho.

Isso porque, além de seguir a mesma lógica do "Brasil, Ame-o ou Deixe-o" - uma analogia sutil ao "exílio" na "pátria espiritual" - , ela também tem o recado subliminar de que "morrer cedo é maravilhoso", ou seja, isso é um apelo para que as pessoas aceitem, a partir das perdas dos entes queridos, também as mortes de vítimas da repressão militar.

A ideia é essa: se, por exemplo, um Jair Presente está "melhor" na chamada "pátria espiritual", imagine aqueles que "desviaram o caminho" no "terrorismo comunista". As vítimas da tortura, como o jornalista Vladimir Herzog, estariam "felizes no outro lado", como se o mundo espiritual fosse igual ao mundo material, embora não houvesse, até hoje, qualquer indício dessa hipótese, pela Ciência.

Já se começa a pensar nas "cartas mediúnicas" - cujas sessões são verdadeiras orgias da fé, com mães saltitando crédulas de que são "seus filhos" que se comunicaram, e regrediram o Espiritismo ao recreio fútil equiparado às antigas "mesas girantes" - como uma "cortina de fumaça" para desviar as atenções do povo para a crise da ditadura militar. Era uma tentativa de salvar o regime ditatorial, através da "figura bondosa" de Chico Xavier.

CHICO XAVIER COLABOROU, SIM, COM A DITADURA MILITAR

Aliás, o mito de "caridoso" de Chico Xavier foi montado pela ditadura militar, através da Rede Globo, com base nos elementos que Malcolm Muggeridge usou para glorificar Madre Teresa de Calcutá. Não é invencionice: vejam os elementos de Chico Xavier e Madre Teresa que motivam a idolatria, e eles são rigorosamente os mesmos, apenas variando o contexto.

A ideia é criar um suposto ativista, através de uma retórica que, de tão bem feita, ainda prevalece hoje, fez de Chico Xavier um "símbolo de caridade" assim do nada, pois a sua "indiscutível caridade" - na verdade, um Assistencialismo fajuto do qual ele não participou, mas seus seguidores e adeptos - era apenas um pretexto para evitar a popularização do líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, que estava se destacando, na época, como um dos principais opositores da ditadura militar.

Com tudo isso, não há como acreditar que foi a "santidade" de Chico Xavier que o fez apoiar e ser apoiado pela ditadura militar, governada por opressores, e ser condecorado pela maior instituição militar do Brasil, a Escola Superior de Guerra. Ele colaborou, sim, com a ditadura militar. Até porque a ESG não perderia tempo homenageando quem não compartilhasse com seus compromissos estratégicos, oferecendo suas instalações e investindo dinheiro em cerimônias e prêmios.

Um "humanista" respeitado pelos opressores? Não. O verdadeiro humanista fica sempre ao lado dos oprimidos e prefere até mesmo ser morto pelos opressores, para defender as vítimas. Jesus Cristo foi morto porque rejeitava os opressores, porque denunciava os abusos dos poderosos. Ele preferiu este sacrifício, do que estar ao lado dos tiranos do Império Romano. 

Portanto, é muita malandragem dizer que Chico Xavier acolheu igualmente oprimidos e opressores pela "misericórdia" porque não dá para ser conciliador nesta ocasião. Neste sentido, os católicos passaram a perna nos "espíritas" na sua preferência aos oprimidos, em vez de uma criminosa neutralidade.

A hipocrisia dos "espíritas" tenta bajular o exemplo digno de Dom Paulo Evaristo Arns, enérgico contra a ditadura militar e denunciador de sua violência. A verdade é que os "espíritas" tentam bajular o humanismo dos outros, quando se esquecem da figura desumana de Chico Xavier, que, sim, foi um colaborador da ditadura militar, afinal se não fosse o caso a ESG não lhe teria dado homenagem. Deixemos de paixões religiosas, por favor. "Médium" não é fada-madrinha.

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