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As relações entre o holocausto fascista e a Teologia do Sofrimento


(Autor: Professor Caviar)

As pessoas não gostam de associar Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier ao fascismo. Chegam a se entristecer com isso. Chegam a falar mil coisas dizendo que isso "não se diz, nem de brincadeira", e tentam associar os dois à ideia de "bondade plena".

Mas o discurso tem suas sutilezas. Madre Teresa e Chico Xavier foram adeptos da Teologia do Sofrimento, corrente radical do Catolicismo medieval, que na época moderna foi reciclada por Santa Teresa de Lisieux, famosa por seu masoquismo religioso que a fez aguentar uma doença que a matou prematuramente, na França do Século XIX.

A Teologia do Sofrimento tem apelos aparentemente dóceis, um discurso habilidoso que força a pessoa a aguentar o sofrimento extremo e as desgraças acumuladas sem controle, sem fazer uma menor crítica e, de preferência, sem gemer de dor nem pedir orações em voz alta, para não atrapalhar a felicidade de seus algozes. A Teologia do Sofrimento é uma espécie de "holocausto do bem", que só é aceita por moralistas religiosos que vivem confortavelmente e não têm a menor noção pessoal do que é o sofrimento.

É só ver as ideias de Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá para ver que o que eles defendem ideias ultraconservadoras e reacionárias. O que eles pedem aos sofredores é a coisa mais cruel, mas eles ficam temperando suas teorias com promessas vãs, entre as quais:

- Aceitar o sofrimento como forma de, supostamente, atrair boas energias para contrair a bonança futura, após o auge da desgraça; a ideia de reconstruir a vida após ter tudo destruído é defendida por palavras dóceis, dadas por quem até sofre alguma coisa, mas menospreza a gravidade do próprio sofrimento, embora peça aos outros em situação pior que "continuem segurando a barra";

- Ficar calado e não reclamar da vida, fosse qual fosse o acúmulo de desgraças surgidas e aumentadas sem controle; rezar em silêncio, de preferência fazendo carinha bonita, com os olhos fechados e com uma tranquilidade impossível de obter em situações bastante tensas e chocantes;

- Ficar feliz com a própria desgraça, rebaixando a vida humana a um processo militar no qual se toma uma overdose de desgraças e, ainda assim, achar tudo bom porque a encarnação presente é tratada como uma mera "loteria para o Céu", como uma pretensa humildade que esconde uma ganância maior: a obtenção de tesouros virtualmente vinculados ao poder de Deus;

- Não mostrar sofrimento e dor, sem gemer, sem orar em voz alta, sem pedir socorro; pasmem, é ideia de Chico Xavier não pedir sequer socorro, como também, da sua linha de pensamento, é inútil se arrepender para se livrar da desgraça; a ideia é aguentar tudo em silêncio, enquanto outras pessoas de seu convívio permanecem felizes. Isso não é humanismo.

Se observarmos as profundezas ideológicas desses dois "ícones do bem", principalmente um Chico Xavier que não foi desmascarado por um "Christopher Hitchens brasileiro" - ainda mais quando, no Brasil, juristas, acadêmicos e jornalistas investigativos, tomados de subjugação obsessiva, se recusam a contestar o mito do "bondoso médium" - , veremos o quanto essas "bondosas ideias", no fundo, são semelhantes ao ideário fascista, simbolizado mundialmente por gente como Adolf Hitler e Benito Mussolini, e que, no Brasil, tem em Jair Bolsonaro seu representante.

Bolsonaro - que teve um histórico de arrivismo similar ao de Chico Xavier e ambos estão unidos, umbilicalmente, pela contundente similaridade dos lemas "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, Acima de Tudo, Deus, Acima de Todos" - é um representante de um conservadorismo radical e ostensivo, que aparentemente soa oposto à pretensa luminosidade que faz o "médium" mineiro ser adorado por muitos brasileiros.

No entanto, fascismo e Teologia do Sofrimento só se diferem num único aspecto. O fascismo (ou o nazi-fascismo, na sua tradução cruel, sanguinária) apenas não possui uma retórica dócil para tentar induzir as vítimas de um holocausto que estão à mercê de um "grande benefício", assim que o extermínio fosse consumado.

IDEIAS DE CHICO XAVIER VÃO CONTRA SUA IMAGEM DE "CARIDOSO"

É por isso que as pessoas se iludem muito achando "bondoso" um religioso pedindo para os sofredores extremos aguentarem as piores desgraças, mesmo que estas sejam acumuladas e aumentadas sem controle, exigindo sacrifícios acima dos comuns para elas serem superadas.

As palavras "dóceis", as promessas de "uma vida melhor", lembram o mais reacionário moralismo paterno, que diz às crianças "se vocês se comportarem direitinho, papai lhes dará presente e sorvete", e mostram o quanto esse obscurantismo religioso nada tem de progressista, porque a ideia de "progresso" é tão levianamente utilizada como os defensores de regimes ditatoriais usam as palavras "democracia" e "liberdade".

É desumano o sujeito que pede para o sofredor aguentar as próprias desgraças calado, sem reclamar nem sentir dor, ou então para ele se sacrificar acima de suas próprias capacidades para superar tais adversidades. A ideia de usar frases e conceitos "dóceis" é um meio enganoso de fazer a pessoa ficar feliz ou, ao menos, conformada com seu rol de adversidades sem controle, uma desculpa para fazer a pessoa continuar sofrendo ou sofrer mais ainda para superar os sofrimentos iniciais.

Essas ideias, manifestas em Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá - contra a qual pesam mais de 29 mil mortes de seus assistidos em condições sub-humanas - , contrariam ideais de Humanismo e mesmo as ideias em prol da paz e fraternidade simbolizada oficialmente por ambos. Ela vai contra até mesmo os paradigmas de caridade e bondade humana a que ambos estão associados.

Em ambos, as ações de "caridade" não ultrapassam os limites do Assistencialismo mais fajuto, onde claramente o "benfeitor" coloca seu protagonismo acima dos objetivos de "ajudar o próximo" (que ficam em segundo plano e só servem para blindar a "santidade" do "caridoso" de plantão).

Ao defenderem a aceitação do sofrimento humano, Chico Xavier e Madre Teresa acabam por renegar a própria ideia de "caridade", "bondade infinita" e "exclusiva dedicação ao próximo". É como se dissessem, ao sofredor extremo, traduzindo em linguagem menos sutil: "Não vamos ajudar você. Aguente a barra. Espere que um dia isso vai passar, ainda que seja depois da morte. Em todo caso, se quiser sair dessa, vai ter que ralar acima dos seus próprios limites para conseguir isso. Se vira!".

Não é necessário pensar muito para saber que as pessoas que defendem Chico Xavier e Madre Teresa são pessoas de vida confortável, gente elitista, mas bastante dissimulada para forjar falsa humildade, para adotar posturas falsamente progressistas e ficar justificando o tempo todo suas falsas posições, que fazem com que, pasmem, haja esquerdistas iludidos com essas duas personalidades.

No caso de Chico Xavier, a constatação é gravíssima. Se ele, no conjunto da obra, contraria a Codificação o tempo todo, aqui essa contrariedade se baseia no fato de que suas ideias sobre o sofrimento humano contrariam a ideia kardeciana de que "Fora da caridade não há salvação".

Em dado momento, Chico Xavier assume pular fora e fica pregando o tempo todo para os aflitos nunca reclamarem da vida, ficarem calados, fingirem felicidade, extrair alegria da dor, e escolher entre aguentar tudo isso ou sofrer ainda mais para superar a desgraça, como aquele homem que, para atravessar um abismo, indo de uma colina para outra, precisa carregar uma pedra de cem toneladas atravessando uma passagem feita de um único fio de nylon.

O conservadorismo católico medieval dialoga com o pensamento fascista, porque ambos se fundamentam na "necessidade" de um determinado número de pessoas ter que sofrer tragédias e infortúnios, mesmo sem terem mérito para isso. A diferença é que o discurso religioso traz palavras dóceis, mas é o fascismo dissolvido em água com açúcar, em nenhum momento existe, nesse discurso, o humanismo que só as elites que praticam "ativismo de sofá" enxergam em tais ideias.

Lembremos que, em muitas ocasiões, holocausto e Teologia do Sofrimento se dialogam. O Catolicismo medieval se fundamentou nessas combinações, pregando a aceitação do sofrimento humano enquanto fazia sua parte, exterminando hereges e rivais políticos. Na Alemanha nazista, Adolf Hitler teve o apoio da Igreja Católica. Madre Teresa de Calcutá foi condecorada por Ronald Reagan, presidente dos EUA que ordenou um violento massacre em países da América Central (como Nicarágua, Guatemala e El Salvador) que exterminou movimentos progressistas, inclusive religiosos.

E Chico Xavier? Não procede a tese de que foi pela sua "santidade" que ele apoiou a ditadura militar. Não existe santidade entre aqueles que igualmente elogiam oprimidos e opressores. Ele se confirmou como um colaborador da ditadura militar, porque foi condecorado pela Escola Superior de Guerra, que não iria desperdiçar suas verbas nem seu tempo de uso de seus aposentos para cerimônias de palestras, rituais militares e condecorações para quem não colaborou com o regime ditatorial.

Acontece que mesmo um Chico Xavier pode estar ao lado dos opressores e não dos oprimidos. Falam que ele assistiu os pobres, mas isso pode também ser duvidoso, como é, atualmente, com Luciano Huck. O próprio Kardec alertava: "Conheces os segredos de sua alma?". Quem não garante que Chico Xavier usava a "caridade" para obter promoção pessoal e idolatria pública, como pretensa unanimidade entre os brasileiros?

"Mas Chico Xavier disse que não queria se promover com a caridade!", diriam seus seguidores. Quem é que acha que isso é verdade? E, além disso, fala-se tanto nessa desculpa que surge, de repente, o ditado "Quem muito diz que é, no fundo não é, porque quem realmente é não precisa ficar dizendo". E Chico Xavier precisava ficar dizendo ou, se não for o caso, fingir mostrar que "praticava caridade", e sua "peregrinação" é apenas um cumprimento de um roteiro inspirado no inglês Malcolm Muggeridge.

As elites confundem a ideia de "aliviar o sofrimento" com "transformar vidas". Pura falta de discernimento de quem vive do bom e do melhor - mesmo em padrões aparentemente modestos - e acha que pode julgar os pobres de maneira etnocêntrica. Quantos humildes de fachada aparecem, querendo parecer bondosos diante dos outros, e veem os pobres com um secreto desdém, recorrendo a um ídolo religioso para disfarçar essa verdadeira discriminação social.

O que une o holocausto fascista e a Teologia do Sofrimento são valores moralistas retrógrados e uma certa inclinação para justificar as mortes coletivas, sejam as causas que provocarem tais tragédias. Os "judeus" do nazismo são os "romanos" do "espiritismo" brasileiro e os "comunistas" do imaginário bolsonarista. São opositores que "precisam ser eliminados" porque se recusam a seguir o "bom caminho".

A única diferença, que é o fato de que o discurso religioso monta uma retórica agradável para o holocausto humano, é superficial e não deveria garantir a oposição entre fascismo e moralismo religioso. Ambos são faces de uma mesma moeda, a "luz" de Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá cegam tanto quanto as trevas de Adolf Hitler e Jair Bolsonaro. Apenas Chico e Teresa adotaram uma retórica suave para forçar o desgraçado a aceitar infortúnios. 

Se o fascismo demonstra sua extrema crueldade em seus atos, de traumática lembrança histórica, o moralismo religioso de Chico Xavier e Madre Teresa não são menos desumanos e são até extremamente cruéis, porque adotam uma retórica dócil para mascarar a apologia da desgraça humana. Imagine se, entre os nazistas, se desenvolvesse um discurso, nos campos de extermínio, dizendo que os condenados "são os premiados de Deus"?

Por sorte, os piores tiranos não possuem a habilidade discursiva para dizer aos oprimidos que a desgraça extrema é uma "coisa bonita". Eles não disseram aos flagelados que "enquanto se encontram nas câmaras de gás ou na fila de espera para o enforcamento e o fuzilamento, os rios seguem seu curso e flores e passarinhos vivem na plenitude de sempre". 

Mas se eles tivessem adotado esse discurso? Eles se tornariam bondosos por isso? Evidentemente, não. Cruéis, sim, são os religiosos que defendem a desgraça alheia sob um repertório de doces palavras. Estes religiosos, tidos como "símbolos de bondade", se tornam ainda piores do que os piores tiranos, por mascararem cruéis destinos humanos sob o verniz das "lindas mensagens".

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