
(Autor: Senhor dos Anéis)
É muito fácil exaltar um mestre e ignorar completamente as suas lições. Por outro lado, é também muito fácil e bastante confortável renegar um outro mestre e, deste, aproveitar, com surpreendente fidelidade, pelo menos a essência de seus ensinamentos.
Sabemos que os "espíritas" brasileiros bajulam Allan Kardec até o couro, mas dele nada se aproveita, a não ser a interpretação leviana, manipulada e distorcida conforme os interesses de cada um, de suas ideias, de forma a buscar um "apoio relevante" aos absurdos que aqui no Brasil se defende sob o rótulo do Espiritismo.
Em contrapartida, de que adianta renegar Jean-Baptiste Roustaing, definir seu sobrenome como um palavrão, se as ideias, descontando aspectos mais polêmicos - como o "Jesus fluídico" e os "criptógamos carnudos" - , estão quase que inteiramente acolhidas no Brasil? E que Francisco Cândido Xavier acabou sendo o metro que melhor mediu Roustaing para a realidade brasileira?
Pois Chico Xavier tinha medo de assumir o roustanguismo. É verdade que a decisão de "roustanguizar" o pensamento espírita era uma obsessão do "mentor terreno" de Chico Xavier, o então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, mas as ideias de Roustaing não representavam problema para as crenças católico-ortodoxas que sempre foram defendidas pelo "médium".
Em outras palavras, Chico Xavier acolheu, sim, as ideias católicas de Roustaing e fingiu que não essas ideias não eram do advogado francês. Fazia-se crer, apenas que o que havia de "mais positivo" nas ideias roustanguistas poderiam ser creditadas como "ideias universais", supostamente acima dos homens, das ideologias ou mesmo das religiões.
Diante dessa malandragem, reproduzimos uma carta de Chico Xavier a Wantuil, de 25 de março de 1947, em mais um "fogo amigo" difundido por Suely Caldas Schubert, escritora e suposta médium e amiga do anti-médium mineiro, no livro Testemunhos de Chico Xavier, de 1981.
A carta manifesta o medo de Chico Xavier em assumir publicamente o roustanguismo, apesar das profundas afinidades dele com o pensamento de Roustaing (que chegavam ao ponto de fazer Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho ser uma resposta brasileira, quase uma tradução, de Os Quatro Evangelhos). Segue, depois, mais comentários:
"(...) Li a carta qe o Mundo Espírita publicou. Encomendemos-nos à Misericórdia Divina. Também como tu, pedi ao Ismael nada responder. Seria muito triste 'lançar gasolina nesse fogo'. Há casos em que todo comentário é difícil. Por minha vez, estranho o que ocorre, de tal modo que só vejo uma saída: Levar o coração em silêncio para a casa da prece.
Não te incomodes com a declaração havida de que o trecho alusivo a Roustaing, em Brasil (Coração do Mundo, Pátria do Evangelho), foi colocado pela Federalção. Quando descobrirem que a Casa de Ismael seria incapaz disso, dirão que fui eu. De qualquer modo, eles falarão. O adversário tem sempre um bom trabalho - o de estimular e melhorar tudo, quando estamos voltados para o bem".
Claro que essa correspondência enviada a Wantuil era exposta a outros dirigentes da FEB. Daí que Chico Xavier falava em "amigos espirituais", "contatos com espíritos" (seja Emmanuel, Ismael etc), como se estivesse sido combinado com Wantuil. Os dois eram artífices de fraudes literárias, que tinham a colaboração de outros, mas não deveriam confessar tudo sequer aos parceiros, por ser um plano ainda mais engenhoso.
Chico teve medo, sim, de assumir o roustanguismo. Mas o roustanguismo era defendido, sim, pela "Casa de Ismael" (a FEB) tanto que a leitura de Os Quatro Evangelhos era vista como uma obrigação. E, além do mais, Wantuil era o defensor mais entusiasmado de Roustaing, mas naqueles tempos de 1947 o roustanguismo já começava a provocar escândalo no "meio espírita", através das reações de membros domo Deolindo Amorim e Carlos Imbassahy (o pai).
Além disso, a Teologia do Sofrimento - cujo princípio é aceitar calado as piores adversidades da vida - havia sido usado como uma "saída de emergência", promovendo, assim, o vitimismo e o triunfalismo que fazem Chico Xavier tirar proveito e se promover às custas das críticas de seus adversários, como alguém que não aceita essas críticas e se acha "maior do que elas".
Portanto, não adianta Chico Xavier renegar o roustanguismo se ele está presente nas ideias e se a essência do seu pensamento. Afinal, Chico Xavier era roustanguista não pela atitude de assumir ou não determinada postura, mas porque suas ideias se afinam com o roustanguismo. As ideias dizem muito mais sobre uma postura do que a postura que se assume ou evita assumir na vida.
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