
(Autor: Professor Caviar)
Evidentemente, não somos homofóbicos e não vemos mal algum a comunidade LBGTQ pregar o Espiritismo, desde que fosse o original, o francês, de Allan Kardec. Da forma como aparece, neste caso da drag queen Ikaro Kadoshi, que professa o catolicizado "espiritismo" brasileiro, isso reflete a profunda confusão doutrinária que reduziu o legado kardeciano a um enjoativo engodo, de tantas contradições que acumula em seu espólio.
Reproduzimos o texto da coluna de Franklin Félix, na Carta Capital, que mostra o quanto a drag queen acolhe os referenciais nada progressistas do imaginário "espírita" brasileiro.
1) A comparação da colocação da imagem de Jesus Cristo com o hábito de Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) em colocar imagens de santos;
2) A admiração por Joana de Angelis, que, do contrário que dizem, nunca foi Joana Angélica, mas o codinome usado pelo obsessor Máscara de Ferro, convertido em suposto mentor espiritual de Divaldo Franco, por sinal um "médium de direita";
3) A admiração por Adolfo Bezerra de Menezes, que, apesar do título de "Kardec brasileiro", introduziu o pensamento de Jean-Baptiste Roustaing no "movimento espírita";
4) A epígrafe cita um texto de "Irmã Scheila", suposta enfermeira que foi "psicografada" por Chico Xavier.
Além desses itens, o texto enfatiza a prática do "Evangelho no Lar", que originalmente Allan Kardec não defendeu. O que ele defendia era a leitura, sem horário fixo, dos livros espíritas, com o objetivo de estudo (estudo, mesmo!) e não de apreciação religiosa, como numa leitura da Bíblia. E sem as exigências ritualísticas da atividade que é mais própria do caráter igrejeiro do "espiritismo" brasileiro.
Ikaro também defende o tal "Evangelho no Lar", dentro dos moldes de apreciação religiosa, por mais que se falem em "estudo", que é um eufemismo "intelectualizante" para atrair pessoas leigas para uma doutrinação religiosa. Sempre a Razão rebaixada a uma escrava dos caprichos da Fé. Vejamos então o texto a seguir:
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Vai ter drag queen dando aula de espiritismo sim!
Por Franklin Félix - coluna Diálogos da Fé - Carta Capital
“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura.” - Marcos 16:15
“Organizemos o nosso agrupamento doméstico do Evangelho. O Lar é o coração do organismo social. Em casa, começa nossa missão no mundo.” - Scheilla, do livro Luz no Lar
Que o movimento espírita, assim como outras comunidades de fé, foi invadido por uma onda conservadora e fundamentalista, não é segredo para ninguém, mas que, na mesma intensidade ou até maior, existe resistência e iniciativas brilhantes, pouca gente deve saber.
Nós, os espíritas progressistas – e há quem diga que é redundante essa afirmação, já que o espiritismo por si só é progressista – temos pesquisado, difundido e incentivado experiências espíritas que resgatem o papel histórico de Kardec, valorizem a diversidade, debatam problemas da atualidade (LGBTfobia, machismo, racismo, sexismo, xenofobia, intolerância religiosa) e, acima de tudo, viva um cristianismo plural, dialógico e amoroso, dentro e fora da casa espírita.
Por conta dessa nossa militância insistente, na semana passada uma amiga me marcou em um post do Instagram que me levou às lágrimas.
Quando é que eu ia imaginar ver uma drag queen ensinando fazer o culto do Evangelho no Lar?
O Evangelho no Lar é um encontro semanal, com o objetivo de reunir os/as moradores/as de uma casa em torno dos ensinamentos evangélicos, à luz do Espiritismo, e sob a assistência dos benfeitores espirituais, devendo ser repetido sempre no mesmo dia e hora da semana.
Para quem não sabe – e não tem obrigação nenhuma de saber -, drag queen é um/a artista que usa roupas e elementos como peruca e maquiagem, frequentemente do gênero oposto, para fins de entretenimento (e informação). Pode ter a ver ou não com identidade de gênero ou orientação sexual, mas qualquer pessoa, homo, hétero ou bissexual, cis ou transgênera, pode ser uma drag queen.
Bem maquiada, brincos exuberantes e vestindo um vestido roxo que deixa os ombros a mostra, Ikaro Kadoshi inicia o vídeo sentada ao lado de uma mesa com um copo d’água e uma imagem de Jesus (geralmente espíritas kardecistas não usam imagens, mas isso não tem problema nenhum. Chico Xavier tinha uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em seu quarto).
Ele é um artista conhecido, tanto da comunidade LGBTQI+, como do grande público e ao lado das queridas Rita Von Hunty e Penelopy Jean, apresenta o reality show Drag Me As a Queen, no canal E!.
Ikaro é o nome artístico de Tiago Liberato, um paulista nascido na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo e que sempre gostou de artes. Por esse motivo, fez dança quando criança e depois foi para o teatro amador. Já estava predestinado, conta ele. Suas escolhas ajudaram enfrentar a timidez e entender tudo que acontecia com seus desejos, à medida que ia tomando consciência de sua homossexualidade. Aos 19 anos descobriu o mundo da androginia e a arte de maquiar-se, personificando personagens de cinema. Em meados de 2000, “nasce” Ikaro Kadoshi – Ikaro vem do seu amor pela mitologia grega e Kadoshi do hebraico e quer dizer “o santo”.
Para Kadoshi, as drag queens são representantes de um legado milenar, tem um papel social e de disputa de narrativas e por pregarem a liberdade, vem existindo e resistindo pela arte. “Ser drag queen é um ato político, de resistência e de amor à arte. O maior presente que a vida e a espiritualidade podem ter me dado, foi ser drag queen”, enfatiza.
Na mitologia grega, Ícaro, com c, era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas, conhecido por suas invenções e pela perfeição de seus trabalhos manuais, simbolizando a engenhosidade humana. Foi seu pai, Dédalo, que lhe presenteou com asas feitas com cera de abelhas e penas de pássaros, mas Ícaro deslumbrou-se com a bela imagem do sol e, sentindo-se atraído, voou em sua direção. A cera de suas asas começou rapidamente a derreter e logo Ícaro caiu no mar.
Frequentador do Centro Espírita Luz de Maria e amante da mentora espiritual Joana de Angelis, se inspira nos exemplos de Jesus e de seus amigos anônimos que atuam no mesmo centro kardecista. Reforma íntima e caridade tem sido duas palavras de ordem na vida de Ikaro.
Seu contato com a doutrina espírita começou ainda na infância, já que sua avó materna era espiritualista. Recorda com carinho de sua avó que lhe benzia “batendo folhas em seu corpo”, rogando a Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo, lhe curasse.
Na adolescência teve problemas com familiares paternos por conta de sua orientação sexual, mas por ter mãe e irmãos bastante amorosos, conseguiu, com muito esforço, enfrentar tudo isso.
Passou por diversas religiões, sendo que no espiritismo encontrou algumas respostas necessárias e a partir de então, tem se dedicado ao seu estudo e divulgação.
Com base em toda sua vivência e utilizando-se dessa personagem mitológica, o nosso Ikaro brasileiro mantém um canal no Youtube chamado “O voo de Ikaro”, com quase três mil inscritos.
Incentivado pelos amigos Felipe e Arthur – “o canal é uma força-tarefa dos três” – espera que as pessoas reflitam sobre o seu contato com Deus, independente de serem espíritas ou não.
Ikaro acredita que todas as religiões têm que cumprir o papel de ajudar as pessoas a se tornarem melhores e espera que os/as brasileiros/as consigam se perceber e se aperfeiçoar, com base na empatia, na compaixão e na solidariedade.
Como já venho dizendo em outros artigos, não há, em todos os escritos de Kardec, uma linha sequer contra LGBTQI+. Se o fazem em nome do espiritismo, fazem baseados em suas próprias convicções, suas crenças e suas leituras – enviesadas – de mundo e da sociedade. E na contramão dos ensinamentos de Cristo.
A doutrina espírita repudia qualquer tipo de preconceito e discriminação LGBTfóbica, dentro ou fora das casas espíritas, utilizando-se de argumentos pseudo-religiosos ou mediúnicos para oprimir, violentar, excluir e estigmatizar.
Acreditamos que o espiritismo pode ter papel fundamental na superação das intolerâncias, cumprindo sua missão de agente transformador, encampando discursos de acolhimento e amor, respeitando a diversidade, as identidades de gênero, as orientações sexuais e apoiando aqueles/as que procurarem os centros e comunidades espíritas.
Como fazer o culto do Evangelho no Lar
Participantes: podem ser todas as pessoas do lar, inclusive as crianças ou ainda pode ser feito por apenas uma pessoa da casa. A presença de visita não deve ser motivo para suprimir a reunião.
Roteiro da reunião: leitura, sem comentários, de uma página de um livro (por exemplo, Pão Nosso, Fonte Viva, entre outros); Prece inicial; Leitura e comentários de um tópico de O Evangelho segundo o Espiritismo, estudado de forma sequencial. Se não tiver o Evangelho, pode-se ler um trecho da Bíblia ou outro texto que contenha ensinamentos evangélicos; Prece de encerramento.
Recomendações: o tempo da reunião deve ser, no máximo, de uma hora, evitando a manifestação mediúnica de Espíritos.
Pode-se colocar água para ser beneficiada pelos Protetores Espirituais e, após, repartida entre os participantes.
No caso de se perder o dia da reunião em determinada semana, pode-se continuar na próxima.
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