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A mediocridade que endeusou Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar)

Infelizmente, o Brasil vive numa mediocridade profunda. A ideia de que "dá para viver" com retrocessos, perdas, tragédias, escândalos, atos de sordidez etc, com pessoas vivendo felizes diante da poluição, em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, revela o quanto a realidade brasileira está perigosa e quase ninguém sabe.

Na obsessão doentia dos brasileiros em criar uma realidade desequilibradamente equilibrada, que é o contexto de profunda mediocridade política, social, cultural e até mesmo religiosa, as pessoas se dissimulam tanto que se sentem ofendidas quando seus reais defeitos são revelados.

Na profunda ignorância, muitos brasileiros chegam a bancar os falsos intelectuais só para defender suas convicções e isso é apenas um reflexo de uma profunda confusão mental que, aliada a uma cegueira emotiva muito forte, deixou que o Brasil chegasse ao que chegou, com Jair Bolsonaro, suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle Franco, no poder, sem que um escândalo possa tirá-lo do cargo presidencial.

A mediocrização tomou conta de todos os âmbitos da sociedade. A ilusão de um suposto equilíbrio social promovida pela Era Geisel, na qual se criou um paradigma de democracia controlada e brasilidade restrita - com o amor simbólico aos símbolos pátrios servindo apenas de máscara para a desnacionalização voraz de nossa economia - , mostra seus efeitos colaterais nos últimos anos.

Uma combinação de uma vida "sem muitos benefícios" com a aceitação gradual de retrocessos, enquanto se zela por valores moralistas retrógrados, embora se permita um espaço para a libertinagem sexual, como no entretenimento popularesco, revela um inconsciente coletivo que foi formado há 40 anos e que agora começa a perder sua razão de ser.

Há uma ignorância mascarada por um pedantismo intelectualoide - a tal da "sabedoria das ruas" que produz "intelectuais das redes sociais" - , um reacionarismo ideológico que fala palavrão (como na conduta grotesca dos bolsonaristas), uma falsa humildade que mascara ambições desmedidas de projeção social, nas quais não se sabe se a pessoa quer demais ou se abnega a tudo.

Diante desse contexto, uma figura como Francisco Cândido Xavier, que fez coisas realmente ruins e desonestas, é considerado um "santo" ou, quando muito, um "homem humilde e imperfeito", o que faz com que ele também seja uma expressão dessa confusão mental que assola muitos brasileiros considerados "normais", que parecem lúcidas mas são tomadas de surtos psicóticos ou esquizofrênicos num dado momento ou em outro.

DETURPADOR E FALSIFICADOR

Chico Xavier, em sua trajetória, cometeu atos desonestos. Análises que se fazem sobre seu primeiro livro, Parnaso de Além-Túmulo, constatam que a obra é uma grande farsa, não havendo uma teoria que sustentasse qualquer hipótese da obra ser verídica, mesmo numa distante especulação.

Pelo contrário, fatos confirmam a farsa da obra, que já causa estranheza pelo simples fato de "carregar" um elenco de grandes escritores, de uma só vez. Isso é impossível, com base naquele ditado de "é bom demais para ser verdade". 

É muito difícil reunir diferentes autores, de diversas procedências, para uma mesma atividade "mediúnica". Isso é sensacionalismo barato. E ainda mais não havendo em Chico Xavier qualquer atrativo que chamasse os maiores literatos para enviar mensagens do além por intermédio de um simples caipira mineiro.

Essa impossibilidade não requer muito esforço para ser percebida. É só vermos, por exemplo, o fato de reunirmos antigos colegas de escola depois de muito tempo de afastamento. Suponhamos uma turma de 20 alunos que decidem se reunir depois de 30 anos de afastamento. Evidentemente não dá para chamar todos os 20 alunos para se reunirem, se houver uns dez, já é muito.

Imagine então uma tarefa mais difícil, que é chamar pintores e escritores de diferentes procedências, que além disso não estavam necessariamente juntos, e viveram em épocas diferentes? Alguém em sã consciência vai acreditar que essa tarefa é fácil, como pegar um alimento num restaurante a quilo? Evidentemente, não.

Mesmo aliados de Chico Xavier deixaram vazar que Parnaso de Além-Túmulo é uma fraude. E, vale lembrar, uma fraude que Chico Xavier não cometeu sozinho. Suely Caldas Schubert revelou, sem querer, uma carta na qual Chico Xavier agradeceu a Antônio Wantuil de Freitas, então presidente da FEB, e o "doutor Porto Carreiro" - Luís da Costa Porto Carreiro Neto, editor da FEB - por terem feito revisões para a sexta edição do livro poético.

Há também relatos nos quais Chico Xavier tinha seus livros revistos e co-escritos por Wantuil, Manuel Quintão e Porto Carreiro. E para quem acha que a FEB usurpava o "pobre Chico" achando que estavam mexendo no "iluminado conteúdo" do "bondoso homem", é necessário deixar claro que o próprio Chico Xavier aceitava isso por vontade própria e manifestava profundo agradecimento aos seus "algozes da FEB".

A falsa dicotomia baseada na falácia de que Chico Xavier "fazia tudo sozinho", uma "carteirada" montada pela FEB que forçava as pessoas a optarem por considerar o mineiro "ou um psicógrafo ou um gênio literário" não faz o menor sentido. Chico Xavier era, sim, responsável pelos seus maiores atos, mas devemos também considerar a colaboração de terceiros, com o claro consentimento do "médium".

Enquanto isso, observamos também que as "obras espirituais" apresentam sempre algum problema em relação à obra original de um autor. Uma coisa que o melindroso Alexandre Caroli Rocha, acadêmico paulista, se esquece é que basta ler as obras originais de Humberto de Campos e confrontar com a "obra espiritual" creditada ao mesmo nome que se constata que são estilos totalmente diferentes.

O estilo de Humberto de Campos original é um: narrativa ágil, textos cultos porém acessíveis, temática laica, notável senso de humor. O estilo das "psicografias" é outro: narrativa mais lenta, linguagem textual mais pesada, de leitura cansativa, temática religiosa ou moralista, linguagem melancólica, quase deprimente. 

Contrariando Caroli, não é preciso esperar resolver questões sobre a atividade mediúnica e o mundo espiritual para desqualificar a obra "mediúnica" do suposto "Humberto de Campos". Basta um conhecimento mais aprofundado sobre literatura, sobre a biografia dos escritores e sobre aspectos de linguagem, estilo e o contexto histórico relacionado.

Outro aspecto sobre Chico Xavier é que ele é um deturpador gravíssimo do Espiritismo. As obras do "médium" são uma infinidade de desvios doutrinários em relação a Allan Kardec, e isso não pode ser visto pelo suposto atenuante das "tradições religiosas populares" do Brasil, desculpa esfarrapada usada para permitir os desvios doutrinários cometidos aqui sob o rótulo "espírita".

A deturpação é tão grave que Chico Xavier está associado a qualidades negativas enumeradas em diversas passagens de O Livro dos Médiuns: textos empolados, ideias excêntricas, uso de nomes ilustres para promover mistificação e impressionar o público. O pior é que Chico Xavier conseguiu exercer, nos seus seguidores, uma cegueira emocional tão preocupante que os faz arrogantes na sua indiferença aos aspectos negativos de seu ídolo.

As ideias de Chico Xavier são verdadeiros atestados de lesa-doutrina. A maior divergência entre ele e Kardec reside, por exemplo, nas relações entre Fé e Razão. Kardec defendia que tudo deva ser avaliado sob o crivo da Razão e da Lógica, e qualquer coisa que fugisse disso deveria ser rejeitada devido a essa incoerência e absurdo.

Já em Chico Xavier, observa-se o contrário. Ele sempre rejeitava o senso crítico, julgava a Razão "amaldiçoada", e preferia que a Fé estivesse acima da Lógica, o que faz com que seguidores ou mesmo adeptos distanciados e "pesquisadores" como Caroli Rocha preferirem o "mistério da fé" de algumas coisas "pendentes". 

Para todo efeito, por exemplo, somos obrigados a aceitar como "problemas em aberto" a "mudança de estilo" que os nomes de Olavo Bilac, Auta de Souza, Humberto de Campos e outros apresentam em supostas obras espirituais.

Isso revela uma mediocridade muito grande. Os brasileiros se tornam mesquinhos na sua obsessão de blindar Chico Xavier e, não raro, até se desentendem: uns consideram Chico Xavier um profeta, outros renegam isso, uns dizem que Chico Xavier é "semi-deus", outros "apenas um cidadão humilde".

Da mesma forma, outros falam em "dois espiritismos, um brasileiro e outro francês", mas outros, ainda que misturassem alhos com bugalhos, dissessem que "só existe um espíritismo, o de Kardec", ainda que colocassem Chico Xavier nesse "balaio de gatos" doutrinário.

As pessoas que agem assim revelam uma grande mediocridade. Sobretudo aqueles que bancam os "intelectuais das redes sociais" que pedem aos contestadores de Chico Xavier um "rigor medotológico" tão rigoroso que faz o "rigor da Razão" ser mais rigor e menos Razão.

O que falta a essas pessoas é um senso de autocrítica, antes de despejarem em fóruns e blogs ideias precipitadas, na defesa desesperada de suas convicções, usando um verniz de imparcialidade que esconde apenas meras obsessões opinativas da pior qualidade.

O que falta ao Brasil, sobretudo, é as pessoas pararem para pensar antes de falarem ou escreverem o que não se deve. Hoje temos gente publicando de textos pseudo-intelectuais a ataques verbais gratuitos, na obsessão de proteger suas convicções e fantasias, e movidas pelo impulso mental do momento.

Em breve, porém, essas mesmas pessoas irão, desesperadamente, apagar seus textos e correr atrás para pedir aos servidores de fóruns de Internet que deletem seus comentários, tentando fazer desaparecer a marca e o impacto dos comentários precipitados. Será tarde demais. O impulso do momento os fez falarem e escreverem demais, e o que lhes restará é o trauma de terem difundido ideias sem pé nem cabeça, das quais se arrependerão vergonhosamente.

Os próximos tempos mostrarão uma realidade diferente para os brasileiros, até porque o inconsciente coletivo da mediocridade que endeusou Chico Xavier permitiu, também, que fosse eleito Jair Bolsonaro. E quem acha que isso está fora de contexto, está enganado: as trajetórias de confusões, o moralismo paranoico e o contexto de mediocridade do "gente como a gente" une o "médium" e o ex-capitão, revelando as contradições e neuroses ocultas do Brasil pós-Geisel.

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