(Autor: Professor Caviar)
O endeusamento de Francisco Cândido Xavier, realimentado por uma ridícula revistinha - de capa de fundo azul, com o título de "Mensageiro da Paz" - , se baseia em uma narrativa que parece enxuta, mas é completamente fantasiosa e, de maneira perigosa e irresponsável, promove paixões religiosas que tornam as pessoas obsediadas pela imagem malignamente sedutora do suposto médium que deturpou gravemente a Doutrina Espírita.
A idolatria adota critérios tão seletivos - note-se que a biografia de Chico Xavier é superficial, cheia de fantasias e apelos emocionais piegas e só traz aspectos agradáveis do "médium" - que nem os mais de 400 livros do "médium" são recomendados para leitura, porque neles o suposto "espírito de luz" apresenta, de uma forma ou de outra, seus pontos negativos. Por isso se selecionam frases e ideias do "médium" e o que se consome de "leitura" se limita aos memes das redes sociais.
Criam-se artifícios aqui e ali para transformar Chico Xavier num "produto" para o consumo emotivo das paixões religiosas, fazendo assim com que os livros faturem alto - embora sirvam mais para enfeitar estantes, serem adorados na capa e não lidos com atenção - e dediquem sua renda "para a caridade" (desculpa dada pelos dirigentes "espíritas" para o enriquecimento de suas contas pessoais).
Um dos artifícios conhecidos é o lobby da FEB no mercado literário - cada vez menos comprometido com o Conhecimento, voltado mais para os livros "anestésicos" - , que obrigou as obras originais do pobre Humberto de Campos serem retiradas de catálogo.
Recentemente, o mercado lançou, para comemorar os 80 anos de morte do autor maranhense (2014 - Humberto morreu em 1934, aos 48 anos), um volume de "Obras Completas", tão caro que só os colecionadores mais endinheirados poderiam comprar. Mas esse volume também está fora de catálogo, passado o período comemorativo.
PASSADO DESONESTO, DE ARREPIAR
Alguém acreditaria num caipira que parece ter vindo de um programa humorístico e que, de repente, diz que lançou um livro com obras "inéditas" de autores já mortos? Isso num Brasil atrasado, desinformado, no qual as pessoas não têm ideia exata de suas próprias vidas, quanto mais à de outras almas do além-túmulo!
O livro Parnaso de Além-Túmulo demonstrou-se ridículo, por ser grosseiramente sensacionalista - não há fundamento em alegar reuniões de escritores mortos de procedências diversas num evento espiritual, se aqui na Terra há dificuldade de reunir todos os antigos colegas de escola passado um bom tempo - e por ser cafona até no título, pois o Parnasianismo já estava fora de moda no Brasil e boa parte do conteúdo remetia supostamente a poetas românticos do século XX, numa época (1932) em que romantismo era coisa de folhetins medíocres e lacrimosas canções de dor-de-corno.
O livro se revelou desonesto, para desespero dos que lutam por sua "autenticidade". E isso se deu nas fontes do próprio "espiritismo" brasileiro, e não por seus detratores, o que agrava o tom das denúncias de que o livro "psicográfico" nunca foi mais que uma grande fraude.
Para que ninguém duvidasse dessa constatação, veja o que Suely Caldas Schubert, "médium", escritora e amicíssima de Chico Xavier, publicou numa carta de 03 de maio de 1947 do "médium" agradecendo a Antônio Wantuil de Freitas e Luís da Costa Porto Carreiro Neto (da equipe editorial da FEB), pelas revisões (?!) da sexta edição de Parnaso, que, pasmem, foi remendada, antes, quatro vezes, contrariando a natureza acabada que deveria ser de uma obra de "benfeitores espirituais".
A mensagem abaixo foi publicada no livro Testemunhos de Chico Xavier, de 1981, e é considerado um dos "fogos amigos" que envolvem o "movimento espírita", cujos escândalos são tão graves que até seus aliados, por acidente, acabam dando sua comprovação:
"Grato pelos teus apontamentos alusivos ao “Parnaso” para a próxima edição. Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro é uma iniciativa feliz. Na ocasião em que o serviço estiver pronto, se puderes me proporcionar a “vista ligeira” de um volume corrigido, ficarei muito contente, pois isso dará oportunidade de ouvir os Amigos Espirituais, em algum ponto de maior ou menor dúvida. Há uma poesia, sobre a qual sempre pedi socorro, mas continua imperfeita desde a primeira edição. É aquela “Aves e Anjos” (...). Ela termina assim: “Sorrindo... Cantando...” e não “Sorrindo... Sorrindo...”, como vem sendo impresso".
O mais grave é que Chico Xavier - que mentia dizendo "receber mensagens dos Amigos Espirituais" até para permitir o crédito dos mesmos nos livros "mediúnicos" - chegava mesmo a pedir a Wantuil para resolver a dúvida de um detalhe bobo de um verso poético atribuído ao escritor português Júlio Diniz (1839-1871). Nossa, Wantuil "resolvendo" um problema de linguagem poética porque "deu branco" na "psicografia"!
Outro "fogo amigo" que comprova as desonestidades "mediúnicas" de Chico Xavier, e que mais uma vez confirma que ele não fez os pastiches sozinho, é uma conversa de Wantuil com um então membro da Federação "Espírita" Brasileira, Sousa do Prado, que de certa forma, se baseando na mentira de Chico Xavier "recebendo obras de espíritos", revelou que os trabalhos do "médium" eram revisados, neste caso, por outro integrante, o ex-presidente da FEB, Manuel Quintão.
Este trecho abaixo foi publicado no periódico "espírita" de Minas Gerais, O Poder, edição de 10 de maio de 1953. Nota-se que os dois, não se sabe se por boa-fé ou por saberem da farsa, falam em "desfiguração das mensagens dos espíritos", mas o próprio fato de haver revisão dos originais mostra que a obra de Chico Xavier não é autêntica, até porque precisava dessa alteração editorial. E o fato de que os manuscritos das "psicografias" - provavelmente com a caligrafia pessoal do "médium" - foram destruídos só contribui para a farsa das "psicografias", sem excluir a responsabilização ao "bondoso médium". Vamos ao trecho:
Um dia, o Sr. Vantuil de Freitas — já depois de ter conseguido escalar a presidência da Federação — chamou- nos, muito interessado; precisava muito de falar conosco, particularmente. Tinha, na mão, um maço de provas tipográficas.
— Mas você não me comprometa, Sousa do Prado.
— Não — dissemos nós.
— Você sabe que quem corrige todos os trabalhos recebidos pelo Chico Xavier é o Quintão.
— Sei — respondemos. — Por sinal que, com tais correções, consegue desfigurar quase completamente o estilo dos espíritos que ditam as obras ao médium, enxertando-lhes termos esdrúxulos, que eles nunca usaram enquanto encarnados...
— Pois bem; foi ele, portanto, quem corrigiu os originais e as provas de “Nosso Lar”, que vai ser, agora, novamente publicado.
Em parênteses, esclareceremos que não temos bem a certeza se se tratava dêste trabalho ou de “Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho”...
— Ora, como você sabe — continuou ele — o Quintão erra constantemente, principalmente no emprego da crase, e na pontuação; e eu tenho um grande empenho em que isto saia correto. Por isso, fiz uma nova revisão, emendando os principais erros que encontrei. Como, porém, eu sou um pouco fraco no português, ... e posso ter emendado coisas que estivessem certas, queria que você conferisse, comigo, as emendas que fiz...
... Haviam, nelas, emendas indispensáveis, que tinham escapado ao Quintão, mas, em compensação, o ilustre “Dr.” Freitas... errara muita coisa, que estava certa...
E aí têm os leitores o que valem certas “comunicações” e certos “dirigentes” do Espiritismo brasileiro.
Outro "fogo amigo" se deu a partir das fotos publicadas, no final dos anos 1970, por Nedyr Mendes da Rocha, sobre a "materialização" forjada pela farsante Otília Diogo, que dizia chamar para a "vida material" espíritos de Irmã Josefa, Dr. Alberto Velloso e um menino chamado Japi, em eventos exibidos em Uberaba. O maior destaque estava numa jaula onde supostamente a Irmã Josefa atravessaria para se transformar num espírito materializado.
Pois bem, a visão oficial é que Chico Xavier havia sido "enganado" por Otília Diogo nesse evento que teria ocorrido em 1964. Otília foi desmascarada em 1970 por repórteres de O Cruzeiro que encontraram o material semelhante aos trajes e adereços usados pela farsante, inclusive a barba postiça do "Dr. Velloso". Chico Xavier, cúmplice, foi inocentado de qualquer acusação e pela falácia de que "teria sido enganado" pela falsa médium.
Mas Chico Xavier, em fotos registradas por Nedyr, aparece muito alegre e comunicativo, como se estivesse por dentro dos bastidores do espetáculo. Em nenhum registro Chico Xavier demonstrava ingenuidade ou desinformação, muito pelo contrário, demonstrava-se bastante comunicativo, desenvolto demais para ser enganado a uma altura daquelas. E esses registros foram trazidos por um fotógrafo solidário, que sem querer acabou "denunciando" a cumplicidade do "médium" na fraude.
Um documento de 13 de dezembro de 1954 mostra que Chico Xavier assinava atestados para "autenticar" fraudes de materialização. Ele fez isso várias vezes e esta mensagem, referente a uma risível "materialização" de Irma de Castro Rocha, a Meimei, com um retrato em fotocópia inserido numa cabeça (coberta por um véu sobre um longo vestido) desproporcional ao da falecida professora mineira, mostra a fraude das "cabeças de papel" e dos falsos ectoplasmas montados por gazes e algodões. Esta fraude ocorreu em Pedro Leopoldo, terra natal do "médium". O documento diz o seguinte:
"Declaro que esta fotografia foi batida em reunião de materialização em nossa residência em Pedro Leopoldo, Minas, pelo Sr. Henrique Lomba Ferraz, servindo de médium o Sr. Francisco Peixoto Lins, achando-me presente, assim como diversos companheiros que testemunharam o fenômeno e acompanharam a reunião em todas as suas fases".
Pedro Leopoldo, 13-12-54
Francisco Cândido Xavier
São práticas bastante desonestas, das quais o "médium", como todo arrivista, deixou de fazer apenas porque não lhe interessava mais. Não era um verdadeiro remorso e, além disso, a divinização que se seguiu com a propaganda de Chico Xavier no final dos anos 1970, inspirada no que Malcolm Muggeridge fez com a reaça Madre Teresa de Calcutá, mostrou o quanto de pretensiosismo de algúem que havia acabado de fazer atos desonestos e, da noite para o dia, virou "símbolo de luminosidade e pureza espiritual".
Chico Xavier furou a fila da evolução espiritual e, de um mesquinho farsante "psicográfico", tornou-se um suposto "espírito de luz" por causa de uma propaganda tão bonitinha, cheia de coisas dóceis, com uma biografia na qual há mais apelos emocionais piegas e meras exaltações à sua pessoa do que fatos reais e objetivos.
Não há como não achar ridícula essa divinização, mas ela tornou-se uma pegadinha que atingiu a todos, pegos desprevenidos pelos fortes apelos emocionais das paixões religiosas, que são um meio dos mais perigosos de dominação e manipulação das mentes e dos corações humanos.
Na prática, premiamos um desonesto com a divinização, mesmo travestida de "adoração normal a um homem humilde". Nós, cidadãos comuns, lutamos o tempo todo na vida só para ter um pequeno avanço na evolução espiritual, sofremos infortúnios que nos impedem até de praticar a verdadeira caridade, com um acúmulo de desgraças que esmagam a alma e mais desencorajam do que encorajam a vencer na vida.
Enquanto isso, Chico Xavier fez literatura fake e assinou fraudes de materialização e, no entanto, quis comprar o Céu usando nossa credulidade. Muitos de nós sentem obsessão doentia por Chico Xavier e o adoram como um velocino de ouro nos tempos de Moisés. Uma adoração arrogantemente cega e perigosa, ainda mais em se tratando de um beato matreiro que de um farsante paranormal virou semi-deus.
Aos que ainda insistem em adorar Chico Xavier, o conselho que se dá é para as pessoas terem vergonha, e não orgulho nem serenidade, por tal atitude, porque, na verdade, o que se está fazendo é premiando uma pessoa desonesta com a divinização, num contexto em que as pessoas comuns lutam por tão pouco e não têm essa pressa de frequentar o "banquete dos puros". Essa idolatria tem que acabar.
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