(Autor: Professor Caviar)
Infantilizados, os seguidores de Francisco Cândido Xavier choram e se revoltam quando surgem revelações dolorosas sobre sua pessoa. Preferem acreditar na imagem adocicada, que trata Chico Xavier como "fada-madrinha do mundo real" e deixar que o pensamento desejoso moldasse a personalidade do "médium" de forma que só existam aspectos desagradáveis.
É claro que tem a chamada "patrulha canina", que posa de "imparcial", tenta "admitir" alguns defeitos de Chico Xavier, só para evitar que esta corrente de chiquistas seja vista como sectária. São fanáticos enrustidos, pretensos donos da verdade (ou, pelo menos, pretensos portadores da palavra final), que se comportam como "juízes das redes sociais" e arrotam arrogância, supondo uma sabedoria e uma objetividade que de fato não têm.
Esses podem até fingir que "não acreditam" que Chico Xavier tenham a reputação tão fabulosa assim, mas fazem um malabarismo de palavras nas quais sempre blindam o "médium" de uma forma ou de outra, mesmo quando "admitem alguns erros". Esses "cães de guarda" existem na Internet e são muitos, e eles também são muito preocupantes por causa do patrulhamento que fazem para proteger a idolatria do grande deturpador do Espiritismo.
Mas tanto estes quanto aqueles (os assumidamente mais fanáticos) protegem a imagem adocicada de Chico Xavier, uma pessoa cujo mito tenta prevalecer sobre a realidade. Ele é um subproduto de um imaginário novelesco, de pessoas que andam vendo televisão demais, endeusando tanto justiceiros de Hollywood quanto filantropos de novela da Globo. E tem gente ainda surpresa ao associar Chico Xavier a Jair Bolsonaro, vejam só...
A imagem adocicada de Chico Xavier foi desenvolvida pela Rede Globo, nos últimos 40 anos. É verdade que boa parte do mito do "médium bondoso" já foi trabalhado muito antes, desde, pelo menos, a patriotada literária Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho (título idêntico ao do lema bolsonarista "Brasil, Acima de Tudo, Deus Acima de Todos"), escrita por Chico e Antônio Wantuil de Freitas, mas creditado levianamente ao espírito de Humberto de Campos.
No entanto, foi através da Rede Globo, que importou o roteiro de Malcolm Muggeridge, que Chico Xavier, o mito, deixou para trás aspectos pitorescos e passou a ter aquela "imagem limpinha" de homem que "dedicou toda sua vida ao próximo". Forjaram-se falsos Herodes contra aqueles que impediram a ascensão vertiginosa do esperto mineiro, que foi promovido a um falso Cristo para o consumo deslumbrado das paixões religiosas.
E para provar que isso tudo é um grave equívoco, pois se trabalha uma grande ilusão - é explícito que Chico Xavier seja sempre protegido pela fantasia, através do pretexto do "olhar do coração" - , é só perceber o quanto a História do Brasil também criou falsos heróis aqui e ali, dentro de uma perspectiva triunfalista, que glorificava até mesmo generais que atuaram na Guerra do Paraguai, como Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, e Luís Filipe Maria Fernando Gastão, o Conde D'Eu, genro do imperador Dom Pedro II.
Foi essa mesma abordagem que, durante cerca de duas décadas, impôs uma visão positiva da ditadura militar, dentro da perspectiva militaresca, ufanista e mitificadora dos livros didáticos ruins. Durante essa época, o que entendemos como golpe civil-militar de 1964 era tido como "revolução democrática" e a ditadura militar era definida como "governo revolucionário". O lema "Brasil, Ame-o ou Deixe-o", era símbolo de um patrotismo hipócrita, lançado na mesma época dentro da qual Chico Xavier defendeu abertamente, diante de uma grande audiência, o regime dos generais.
Pois essa educação ditatorial desnorteou gerações e gerações. Daí que foi fácil fazer de Chico Xavier um pretenso herói, atribuindo a ele supostas virtudes humanas que ele não teve ou, se teve, eram precárias ou, na melhor das hipóteses, medianas. Uma imagem que combina a heroificação dos personagens históricos e as paixões religiosas que glorificam pessoas ordinárias mas associadas tendenciosamente a uma suposta caridade, é trabalhada e insiste em ser mantida a qualquer preço.
FEB GLORIFICOU O SEGUNDO IMPÉRIO, QUE FINANCIOU A INSTITUIÇÃO
Não é preciso refletir muito para ver que o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, contrariando sua suposta condição de "revelação do mundo espiritual", reproduz a abordagem rasteira dos piores livros didáticos de História. É só dar uma leitura em várias passagens e o caráter fabuloso das narrativas confirma que o livro "mediúnico", como documento histórico, é uma grande piada.
O "movimento espírita" costuma glorificar as figuras como o imperador Dom Pedro II e a filha, a princesa Isabel, como "militantes da causa abolicionista". A ambos os "espíritas" atribuem uma missão "humanitária", uma causa "messiânica" de impulsionar a "formação da Pátria do Evangelho", através de uma "missão fraternal" de "libertação dos escravos", atribuindo ao imperador e sua filha supostas encarnações antigas do tempo de Jesus Cristo.
Isso é um grande engano. Embora o imperador tivesse uma posição pessoal favorável à abolição da escravatura, ele nunca atuou para pressionar a conquista desta causa, melindroso que era diante das pressões econômicas das oligarquias brasileiras, que defendiam de maneira ferrenha a exploração do trabalho escravo.
Nem sua filha Isabel teria tido uma missão militante. Ela apenas foi a "funcionária de plantão" para assinar a Lei Áurea, que foi apenas uma medida que foi positiva pela metade. Ela não representou a verdadeira libertação dos escravos, que foram jogados à própria sorte. Consta-se que a origem da favelização partiu dessa medida. E, ainda mais, a Abolição saiu tarde demais, em 1888, 65 anos após as primeiras pressões sociais contra a escravidão, e Isabel apenas assinou um trabalho que havia sido feito por esforços alheios de parlamentares diversos.
Além disso, os senhores de engenho e outros latifundiários que exploravam trabalho escravo, irritados, começaram a usar o movimento republicano, já crescente no Brasil, para criar um golpe e destituir o Império, chamando, por ironia, um monarquista, o marechal Deodoro da Fonseca, para inaugurar a nossa República.
A História do Brasil não deveria comportar maniqueísmos. Mas comporta. Nossos livros didáticos criam falsos heróis. A carnificina no Paraguai é glorificada como "grande realização de nossa Pátria". A catequização dos índios, antecipando o "doce sequestro" da pequena Lulu pela hoje ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves, era tida como "adequação dos povos selvagens aos ensinamentos cristãos".
O "movimento espírita", contrariando sua alegação de promover o desenvolvimento do saber, segue esse caminho de glorificação biográfica, que corrompe a realidade com dados fantasiosos. O caso de Adolfo Bezerra de Menezes, um dos fundadores da Federação "Espírita" Brasileira - surgida em 1884, sob o patrocínio do Segundo Império - , é ilustrativo.
Contemporâneo de Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac e Rui Barbosa, o doutor Bezerra de Menezes não tem uma biografia objetivamente delimitada. Enquanto as demais personalidades, mesmo admiráveis e com notáveis virtudes, também eram reconhecidas por eventuais defeitos e erros, o "doutor Bezerra" teve seus defeitos excluídos de sua biografia. Ele era temperamental, oportunista, ganancioso e mesmo sua aparentemente correta campanha abolicionista havia sido tardia. Além disso, Bezerra, tido como "Kardec brasileiro", na verdade introduziu a obra de Jean-Baptiste Roustaing, Os Quatro Evangelhos, no "movimento espírita".
São narrativas fabulosas que, infelizmente, prevalecem no Brasil. Isso se deve porque o país é vulnerável às tentações das paixões religiosas, que mostram apelos fabulosos e fantasiosos para pessoas adultas e, sobretudo, idosas. Esses apelos se equiparam às tentações consideradas próprias do sexo, das drogas e do dinheiro, e são mais perigosas porque esse perigo nunca é devidamente reconhecido.
Com isso, é fácil trabalhar os ídolos religiosos no âmbito da fantasia, resistindo, até mesmo com fúria, a qualquer revelação mais realista. E isso mostra o quanto o "espiritismo" brasileiro é hipócrita, porque diz "valorizar o Conhecimento", mas fala do "tóxico do intelectualismo", expressão de alto teor preconceituoso contra os avanços do pensamento crítico.
Por outro lado, o "espiritismo" brasileiro fala em "olhar do coração", como se quisesse substituir o cérebro pelo coração no que diz à função do raciocínio. Substitui-se a razão pela fé deslumbrada e cega, e o "espiritismo" sempre se empenha em combater o senso crítico, quando ele ultrapassa os limites tolerados pela fé obscurantista, que só aceita análises "instrumentais", como os estudos voltados à cura de doenças e análises sociológicas como o hábito de consumo de uma população.
Fora desses limites, prevalece a mistificação e a mitificação, e prefere-se a cegueira dos "olhos do coração" do que qualquer luz reveladora da razão. Prefere-se que mitos religiosos sejam mantidos sob narrativas fantasiosas, cujas biografias são verdadeiros contos de fadas para gente grande, e mesmo a verdade cheia de provas consistentes é renegada, ainda que sob muita raiva, por seus partidários.
A verdade dói, machuca, fere e irrita, e por isso, num país como o Brasil, entregue a um cenário social e político catastróficos, as pessoas preferem a "rota de fuga" das fantasias religiosas, alegando precisarem de algo relaxante e esperançoso. Só que essa fuga cobrará seu preço quando a realidade e a desilusão baterem à porta, o que sempre acontece em alguma ocasião.
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