(Autor: Professor Caviar)
É muito perigoso criar ídolos religiosos, porque se atribui a eles uma imagem divinizada que sepulta seus pontos sombrios, criando dificuldades àqueles que tentam revelar essas qualidades negativas, sem muito êxito, diante de públicos deslumbrados com a imagem fantasiosa e idealizada de seus ídolos, que prevalece sobre toda denúncia, por mais verídica e cheia de provas que seja.
Daí, por exemplo, que Christopher Hitchens, falecido jornalista inglês, tentou desmascarar Madre Teresa de Calcutá, uma reacionária que usou a caridade para desviar dinheiro para os sacerdotes do Vaticano, e abrigava doentes e pobres sem dar a devida assistência social. Até um estudo universitário confirmou, com provas lógicas, as denúncias de Hitchens, mas o trabalho de "divinização" da megera (curiosamente sósia da vilã Bruxa do Mar, da série de HQs do marinheiro Popeye), montado com habilidade pelo também inglês Malcolm Muggeridge, conseguiu reverter a situação e permitiu a "santificação" de Madre Teresa, através de um "milagre" atribuído a uma intoxicação alimentar de um engenheiro de Santos que foi creditada como um "câncer em estágio terminal" supostamente curado pelas preces à suposta santa.
A campanha de Muggeridge favoreceu a "santificação", feita às custas de dois falsos milagres, um envolvendo uma indiana que se curou de câncer porque fez quimioterapia e outro envolvendo um engenheiro brasileiro que sofreu uma intoxicação alimentar que foi creditada como um câncer em estágio terminal. Ambos os factoides foram tidos como "milagres" que fizeram Madre Teresa de Calcutá ser considerada "santa".
Como dá para construir pretensos santos. A gente fala que paixões religiosas são perigosas e traiçoeiras e ninguém leva a sério. Afinal, as paixões religiosas são associadas, no discurso, a coisas que parecem agradáveis e boas, e as sensações também são agradáveis, por mais que, depois delas, surjam infortúnios inesperados. Todo o aparato de beleza, bondade, simplicidade e solidariedade criam verdadeiras tentações, às quais quase ninguém está prevenido de acontecer. São armadilhas perfeitamente camufladas sobre relvas fresquinhas e cheirosas da natureza, mas que representam os piores caminhos para a perdição e a ruína.
Francisco Cândido Xavier teve uma trajetória marcada de práticas e posturas nada positivas. Fez literatura fake, assinou atestados para "autenticar" grosseiras fraudes de materialização - registradas em fotografias de baixa qualidade, para dificultar a identificação de irregularidades - , fez juízos de valor severos sobre encarnações passadas, se promoveu às custas de tragédias familiares e ainda defendeu a ditadura militar.
Mas o "método Muggeridge", adotado pela FEB, em parceria com a ditadura militar e a Rede Globo, criou uma "narrativa limpa" para Chico Xavier, deixando-o "enxuto" como uma "princesa da Disney" e feito sob medida para o consumo catártico das paixões religiosas, com a idolatria ao "médium" movida pela fascinação obsessiva (tipo de obsessão considerado perigoso por Allan Kardec).
Foram 40 anos de muita persuasão, na qual ocorreu o que os semiólogos entendem como "bombas semióticas", nas quais a ideia, bastante duvidosa, de "símbolo da bondade humana" atribuído a Chico Xavier era divulgada como as fake news que ajudaram a eleger Jair Bolsonaro (arrivista, como o "médium"), através de uma quantidade muito grande de campanhas nesse sentido.
Era justamente isso que o publicitário nazista, o maligno Josef Göebbels, havia dito sobre a mentira: "uma mentira publicada mil vezes se torna verdade". A "mentira" personificada em Chico Xavier, um terrível deturpador do Espiritismo (nota-se que Erasto alertava que era "melhor rejeitar dez verdades do que aceitar uma única mentira, e os brasileiros aceitaram Chico Xavier), tornou-se uma "verdade indiscutível" diante de um bombardeio de propagandas que o fez tão dócil quanto uma fada-madrinha de contos de fadas.
Foi um trabalho engenhoso, montado por um poderoso lobby que envolveu religião, mercado literário poder midiático, poder político e outros agentes associados. Em quatro décadas, o sujeito que defendeu a ditadura militar a ponto de considerar a tortura "necessária" para combater os excessos dos esquerdistas tornou-se uma "figura tão pura" a ponto das próprias esquerdas, esculhambadas pelo "médium", lhe prestarem ingênua admiração. Foi um processo muito articulado de publicidade e propaganda, que foi favorecido pelo fato de que, durante a ditadura militar, não havia a liberdade de imprensa que, aparentemente, continua havendo hoje, apesar do momento político perigoso que vivemos desde 2016.
Ficamos imaginando se o mesmo fosse feito, para a posteridade, a pessoas como Luciano Huck, Paulo Maluf, Aécio Neves ou Olavo de Carvalho. Tomemos ele como exemplo. Podemos fabricar uma "filantropia" para esse ideólogo do fascismo à brasileira trabalhar, e podemos juntar um grande lobby para retrabalhar sua imagem e transformá-lo, daqui a 40 anos, num pretenso santo capaz de ser endeusado até por petistas de pouco senso crítico.
Como é fácil fabricar santos. Fabricou-se a "santidade" do arrivista Chico Xavier, que persiste furiosamente até hoje, e as pessoas aceitam tudo sem questionar. São as paixões religiosas que fazem as pessoas escravas da emoção e da fantasia, e tais paixões ainda serão um fenômeno largamente questionado e repudiado, até para que futuros arrivistas dos nossos dias não se transformem em falsos santos na posteridade.
Vamos reproduzir a mensagem de Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro, sobre o amor. Enquanto não expressa suas explosões de ódio e de reacionarismo surreal, ele é capaz de escrever frases idênticas às de Chico Xavier, como estas:
"O sentimento segue aquilo que amamos. Se amamos o que é verdadeiro, bom e belo, ele nos conduzirá para lá. O problema, portanto, não é sentir, mas amar as coisas certas. Do mesmo modo, o pensamento não é guia de si próprio, mas se deixa levar pelos amores que temos. Sentir ou conhecer, nenhum dos dois é um guia confiável. Antes de poder seguir qualquer um dos dois, é preciso aprender a escolher os objetos de amor – e o critério dessa escolha é:
Quais são as coisas que, se dependessem de mim, deveriam durar para sempre?
Há coisas que são boas por alguns instantes, outras por algum tempo. Só algumas são para sempre".
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