
(Autor: Professor Caviar)
Quando há textos falando da deturpação do Espiritismo, as pessoas fogem de medo. Se recusam a ler, mesmo com atenção, se amedrontam, tapam os olhos e nem mesmo a lógica dos argumentos lhes estimula a pararem para pensar.
Nota-se que a constatação de que o Espiritismo brasileiro é deturpado através da "catolicização" que não só escapava dos postulados espíritas originais como também se pautava em ideias medievais, como a Teologia do Sofrimento, que teve em Francisco Cândido Xavier seu maior propagandista, através de suas pregações para os oprimidos "sofrerem em silêncio, sem queixumes".
Isso é fato, e o conteúdo das obras "espíritas" segue sempre esse tom igrejeiro e medieval. No Brasil, há uma "lógica" e a mídia hegemônica lança uma concepção de "doutrina espírita" que nem mesmo a mídia de esquerda tem coragem de contestar. Uma concepção simplória e simplista, na qual se narra, como se fosse um conto infantil medíocre, que Allan Kardec era um professor que descobriu fenômenos espirituais, realizou sua obra com base neles e o Brasil apenas completou o trabalho inserindo "sua religiosidade cristã".
Todos vão dormir tranquilos diante de ideia tão vaga e superficial, além de equivocada. Afinal, é só se aprofundando no Espiritismo que se vê que a embalagem bonita e organizada que as narrativas oficiais trazem, apesar da aparência agradável e verossímil, revela um conteúdo que destoa dos ensinamentos originais.
Como o Brasil tem como vício o apego às convicções pessoais por conta da cegueira emocional e pela dissimulação - as pessoas cometem irracionalidades, mas se esforçam em parecer "racionais" em suas desculpas - , o Espiritismo também não é questionado. O que temos aqui é um "espiritismo" cafajeste, no qual os "médiuns" inventam mensagens usando os mortos que quiserem, para se promoverem com propaganda religiosa, visibilidade e sensacionalismo. E como as mensagens parecem agradáveis e não trazem baixarias, todo mundo aceita, até muitos familiares do morto respectivo, que deveriam ser as primeiras a se revoltarem com tais fraudes.
É preocupante esse festival de complacências, de dissimulações, desse fingimento de que tudo está bem, enquanto Allan Kardec é bajulado no discurso mas ultrajado na prática. E o pior é que não há um grande empenho, senão em setores minoritários do Espiritismo autêntico no Brasil, em combater a deturpação e, mesmo assim, até neles soa sedutor o "canto de sereia" de Chico Xavier.
Ninguém tem coragem de questionar Chico Xavier. São tomados de fascinação obsessiva, de subjugação. Por enquanto não se sabe de algum caso conhecido de possessão - tipo ainda mais grave de obsessão - em torno do "médium", mas sabemos que a literatura espírita original já define a fascinação e a subjugação como dois tipos bastante perigosos de obsessão espiritual.
O apego doentio que se tem a Chico Xavier é um sério problema, no Brasil. E ele vem motivado, sobretudo, por dois tipos de medo, dois tipos de temores que impedem que as pessoas contestem e questionem ou, quando assim o fazem, não seguem adiante. Por outro lado, chiquistas fanáticos tentam minimizar seu fanatismo, uns dizendo que "não professam o Espiritismo", outros alegando que "admitem certos defeitos, como nos livros atribuídos a Emmanuel".
Esses dois medos são: a suposição de que o "médium" falava com os mortos e o medo de romper com a imagem idealizada dele, baseada em um conjunto de ideias atraentes e positivas, sobretudo quando se fala da pretensa caridade ou de supostos ideais em torno de "paz, amor e fraternidade".
O primeiro caso impede que as pessoas possam definir a literatura de Chico Xavier como fake, apesar dos fortíssimos indícios e até provas da farsa de sua pretensa "psicografia", num país como o Brasil, despreparado ainda para o fenômeno da paranormalidade. O medo de que os "mortos" assombrem o questionador é grande, e aí uma estranha postura é adotada pelos seus apoiadores: a omissão.
Nela, as supostas psicografias não são legitimadas nem questionadas. A ideia que se forja é que "cada um acredita como quiser", e aí as obras fake atribuídas aos mortos circulam livremente, por essa postura um tanto contraditória e permissiva: as obras "são autênticas ou não" por uma "questão de fé", o que é bastante ofensivo para a memória dos autores mortos alegados. Mas, em se tratando de paixões religiosas e, infelizmente no Brasil, o que prevalece é sempre a visão da fé, que tem prioridade sobre a lógica e o bom senso, o morto pode ser lesado, mas usa-se o "jeitinho brasileiro" para que até seus herdeiros apoiem essa usurpação perniciosa.
O segundo caso corresponde à imagem idealizada (via Rede Globo, mas com alguns elementos prévios trazidos por Antônio Wantuil de Freitas, da FEB, e pela dramaturgia da TV Tupi) de Chico Xavier, moldado como se fosse a "fada-madrinha do mundo real". Como o "espiritismo" brasileiro se serve de "contos de fadas para adultos", com doutrinárias falando de "estórias lindas" de pessoas que enfrentaram infortúnios e conquistaram as "bênçãos divinas", Chico Xavier precisa ter mantida essa imagem mitológica que fica a mercê de mil fantasias, que estimulam a "masturbação dos olhos" da comoção fácil e da diversão às custas da tragédia alheia.
Neste segundo caso, cai o mito de que as pessoas que assumem adoração por Chico Xavier são protegidas por energias positivas que lhe garantem a paz de espírito. Quando tudo está bem, essas pessoas até demonstram mansuetude e alegria imensa, capazes de cumprimentar e abraçar todos à sua volta. Porém, quando há uma contrariedade, essas pessoas passam a espumar raiva e ódio, e mesmo quando dissimulam com aparente calma e paciência, nota-se que isso tudo é fingimento, pois em dado momento a irritabilidade e a agressividade se manifestam.
É necessário romper com esses dois medos. O Espiritismo original não recomenda tais idolatrias, assim como as doutrinas de Jesus e Moisés. Também é inútil dizer que "reprova a idolatria cega" a Chico Xavier, mas prega a "admiração por ele como pessoa simples", pois se trata, também, de uma idolatria às avessas, através do aparato de simplicidade, portanto uma idolatria cega feita de uma outra maneira.
Questionar a deturpação do Espiritismo deveria ser um dever de todos e os textos deveriam estar entre os mais lidos da Internet. A adoração cega a Chico Xavier impede que os postulados originais deixados pelo legado kardeciano sejam devidamente compreendidos, e hoje o aprendizado espírita é feito apenas da boa para fora ou pela decoreba de conceitos. A prática espírita verdadeira é deixada de lado, dando lugar ao mesmo igrejismo viciado e medieval que chega a contaminar até quem combate a deturpação ou quem é esquerdista ou ateu.
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