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A paz foi privatizada por Chico Xavier?


(Autor: Professor Caviar)

Muitos associam as ideias de "paz" e "amor" à figuras de Divaldo Franco e Francisco Cândido Xavier, como se as virtudes humanas fossem um bem privado dos dois "médiuns". Em atitude constrangedora, o jornalista Ricardo Kotscho, de orientação esquerdista, manifestou "carinhosa saudade" por Chico Xavier, desconhecendo estar exaltando uma figura completamente antagônica (e cruelmente oposta) à linha de pensamento do jornalista.

É enganoso dizer que Chico Xavier "está acima das ideologias" e "está acima do poder da mídia". Isso foi uma narrativa falaciosa, construída pela Rede Globo de Televisão, para criar um ídolo religioso pretensamente ecumênico para fazer frente aos "pastores eletrônicos" Edir Macedo e R. R. Soares. Católica, a Globo no entanto adotou o "espiritismo" brasileiro como uma espécie de "Catolicismo à paisana", aproveitando que a doutrina brasileira há muito fugiu dos ensinamentos da matriz francesa.

Durante muito tempo, havia a oposição que criava a dicotomia Record/Edir Macedo/neopentecostais e Globo/Chico Xavier/"movimento espírita" que colocava as duas forças, igualmente conservadoras, em posições divergentes. Mas, nos últimos anos, "espíritas" e neopentecostais se convergiram de tal forma (sobretudo em pautas como a condenação do aborto) que, num evento "espírita", Divaldo Franco parecia ter "incorporado" Silas Malafaia ao despejar comentários direitistas e homofóbicos.

Agora, num momento em que o "espiritismo" brasileiro, que apoiou o golpe político de 2016 como, historicamente, apoiou o golpe de 1964 e a ditadura militar, manifesta, sutilmente e sem assumir no discurso, uma inclinação às ideias moralistas de Jair Bolsonaro, o que sugere que o "espiritismo" brasileiro, mesmo admitindo que o candidato do PSL é associado a um "clima de ódio e violência", é uma solução necessária para, a seu ver, "varrer a maré vermelha que ameaça o Brasil". 

Os "espíritas" seguem a tendência do anti-petismo e, mesmo considerando "aspectos infelizes" no fenômeno Bolsonaro, seu virtual apoio a ele se justifica pela "necessária imposição de sacrifícios" aos brasileiros, sob a desculpa de um "futuro melhor à frente".

Os "espíritas" brasileiros associam o esquerdismo ao materialismo e a religião, embora seja materialista - concebe o mundo espiritual segundo devaneios materiais e sem o menor fundamento científico -  , não compartilha com os ideais de redistribuição de renda defendidos pelo PT, que transgride paradigmas de equilíbrio social conservadores, defendidos pelos "espíritas".

Embora o "espiritismo" brasileiro adote um discurso de fachada que sugere falso progressismo, o que faz confundir as esquerdas e até os ateus que são seduzidos pelo "canto de sereia" de Chico Xavier e por ele passam a sentir fascinação obsessiva, a religião igrejeira que bajula Kardec e segue Roustaing sempre sinalizou para um conservadorismo ideológico bastante austero.

As ideias de Chico Xavier para os oprimidos aceitarem, calados, a opressão, enquanto perdoam os abusos dos opressores, e seus privilégios desmedidos, sob o pretexto de que "Deus irá resolver as distorções sociais no tempo oportuno", é uma ideia de "paz sem voz" que transforma as virtudes humanas num bem privado do "médium" e seus semalhantes, como Divaldo Franco e João Teixeira de Faria, o "João de Deus", que na prática passam a ser os "donos da paz e do amor", como se as virtudes humanas fossem forçadas a passar por suas pessoas para "terem sentido".

Um discurso habilidoso de manipulação de imagens e de palavras - em muitos casos, as frases sem graça e que soam matéria bruta, lançadas por Chico Xavier, são "temperadas" por cenários floridos e celestiais para forjar aspecto de falsa beleza - faz com que as pessoas sejam seduzidas, enganadas e emocionalmente envolvidas, a ponto delas personificarem a "bondade humana" nas mãos desses farsantes a serviço da deturpação do Espiritismo.

Cria-se uma falácia que dá a crer que "a bondade é um bem de todos", mas o tratamento que se dá é como se ela fosse uma "franquia empresarial" nas mãos de Chico Xavier e seus "médiuns" associados. "Todos podem praticar caridade", "a bondade é um bem universal", "amor e paz são coisas tão naturais quanto o ar que respiramos", são discursos feitos mas com um argumento falacioso que sempre toma Chico Xavier como o "centro" dessas qualidades, como se as qualidades positivas humanas fossem a "livre-empresa" do qual "todos podem usufruir", desde que reconhecendo a supremacia do seu "empreendedor".

Com isso, a paz, o amor, a caridade, se tornam bens privados. Eles se tornam "produtos" de Chico Xavier, embora ele não as tivesse exercido dessa maneira gloriosa que muitos pensam (e nem sequer modesta ou humilde, como outros tantos imaginam). Chico fez duros julgamentos de valor contra pessoas pobres que foram para um circo que se destruiu por incêndio criminoso, despejou comentários ríspidos e irritados contra os amigos do falecido Jair Presente, defendeu a ditadura militar quando ela vivia sua pior fase, e sua filantropia de fachada, à maneira espetacular de um quadro do Caldeirão do Huck (Luciano Huck é adepto confesso de Chico Xavier e já gravou um "Lata-Velha" na cidade-natal dele, Pedro Leopoldo), quase nunca ajudou os pobres e só serviu para promover adoração ao "benfeitor", no caso o próprio "médium".

Mas enquanto a "paz", o "amor" e a "caridade" se tornam privatizados e viram subprodutos nas mãos dos "médiuns espíritas" a partir da figura mítica de Chico Xavier, o ódio se torna um bem público, o que favorece, mesmo sob esse discurso "pacifista", a candidatura de Bolsonaro. Aliás, o próprio "espiritismo" brasileiro, na medida em que permite o "livre arbítrio" dos algozes, dos gananciosos e dos opressores, pedindo aos oprimidos o desenvolvimento do "perdão" e da "misericórdia" - cujas ideias se revelam mais próximas da permissividade ou mesmo de um consentimento masoquista do que da eliminação de sentimentos de ódio e vingança - , também permite a ação do ódio.

O "espiritismo" brasileiro, portanto, também abre as portas para o ódio. A religião, que chega a tratar o suicídio como um "crime hediondo", no entanto sinaliza "compreender", embora afirme "repudiar", alguns tipos de homicídios, que alega serem "motivados pela Lei de Causa e Efeito", tratando o eventual assassino como se fosse um "justiceiro moral", enquanto criminaliza a vítima que está "pagando pelo que fez em outra vida", lembrando que o "espiritismo" brasileiro avalia supostas reencarnações sem fazer o menor fundamento científico.

Com isso, o que temos é que o "espiritismo" brasileiro nunca conseguiu frear as energias psicológicas que hoje resultam na ascensão de Jair Bolsonaro, sobretudo quando encontram sintonia de energia nos mesmos redutos dos bolsonaristas. Os "espíritas" sinalizam que se atraem por energias maléficas, não como um "hospital que vai onde a doença está", mas por uma convergência de valores e práticas medievais.

As energias "espíritas" sempre atuaram para combater cenários progressistas. Foi Juscelino Kubitschek promover a FEB como "entidade de utilidade pública" e manifestar seu apreço a Chico Xavier, para sofrer infortúnios múltiplos que culminaram com sua estranha morte. Dilma Rousseff recebeu um exemplar de Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho e viu seu mandato presidencial desfeito sem que suas tentativas de sobreviver nele tivessem algum êxito. Mas quando se trata de Fernando Collor e Jair Bolsonaro, as energias "espíritas" indicam protegê-los com toda sorte de sucessos, apesar de pequenos e eventuais infortúnios.

Ficamos até perguntando se a "paz" que o "espiritismo" brasileiro pede não é a "paz" entre oprimidos e opressores, os oprimidos "em paz" com as suas desgraças suportadas em silêncio e os opressores no "livre arbítrio" de seus privilégios desmedidos e seus abusos. Muitos se encantam com as retóricas atraentes do moralismo religioso "espírita" herdado do Catolicismo medieval, mas ele revela muitos aspectos sombrios. O espírito de Roustaing continua vivo no "espiritismo" brasileiro.

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