
(Autor: Professor Caviar)
Se beneficiando da mistura de alhos com bugalhos da "fase dúbia" (em que Allan Kardec é bajulado até a medula, mas J. B. Roustaing é que conduz o conteúdo doutrinário), o "espiritismo" brasileiro tenta parecer "diversificado" com manifestações de direita e de esquerda.
No entanto, a linha dominante e igrejeira do "movimento espírita", da qual se apoiam os chamados "médiuns" - promovidos a sacerdotes dessa religião de matriz roustanguista, mas autoproclamada "kardecista" - , sempre foi direitista e nada tem da imagem progressista que vende, por propaganda enganosa, ao grande público e até a esquerdistas e ateus.
Temos um trabalho hercúleo de mostrar o lado ultraconservador de Francisco Cândido Xavier. Ele era uma figura reacionária, de direita, mas tinha também uma habilidade de dissimular as coisas com uma retórica agradável e suave. Ele machucava e feria corações dos oprimidos com a ideia de aceitar sofrer desgraças em silêncio, mas sua retórica parecia tão agradável que muitos pensavam que era um recado de natureza progressista, ignorando que esse é um recurso da Teologia do Sofrimento, corrente medieval do Catolicismo do qual Chico Xavier foi um devoto convicto e inabalavel.
Deixando de lado os malabarismos do pensamento desejoso e verificando que, embora haja espíritas de esquerda - na verdade, desvinculados de Roustaing e alheios ao ideário conservador dos "médiuns", apesar de eventual complacência a eles - , a orientação que conduz o "movimento espírita" é conservadora de direita, fato confirmado pelo apoio ao golpe político-institucional de 2016 e a exaltação a figuras como Sérgio Moro e os "coxinhas" de camisetas verde-amarelas (hoje militando por Jair Bolsonaro).
A revelação de que Chico Xavier apoiaria Jair Bolsonaro chegou ao exagero dos bolsonaristas inventarem que o "médium" previu, em 1952, a ascensão do candidato de extrema-direita. Isso de fato não aconteceu, mas Chico Xavier trazia ideias que comprovam sua afinidade ideológica com Jair Bolsonaro. Ambos tiveram uma origem parecida, Chico envolvido em pastiches literários e psicografias estranhas atribuídas a autores mortos ilustres, Jair envolvido num plano de atentado terrorista que não chegou a ser realizado. Ambos os episódios causaram muita confusão e revolta, mas os dois tiveram sentenças criminais brandas que os deixaram na impunidade e no crescimento vertiginoso semelhante em ambos os casos.
REACIONARISMO EXPLÍCITO
Chico Xavier também defendeu posturas reacionárias que se encaixam, como uma luva, no projeto ideológico de Jair Bolsonaro. Chico também desmentiu que a ditadura "era violenta", chegando a dizer, no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, que só houve repressão e AI-5 na ditadura militar porque ocorreu a "violência dos opositores".
A declaração de Chico Xavier, com suas próprias palavras e manifestas diante de um público surpreendentemente grande - se considerarmos que o programa Pinga Fogo está disponível nas plataformas de vídeos digitais, como o YouTube - , confirma esse reacionarismo que salta aos olhos, apesar do pensamento desejoso das forças progressistas querer fazer mil malabarismos para desmentir essa visão reacionária. Vejamos a declaração, de alto teor anticomunista:
"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".
Não há possibilidade de haver outro documento desmentindo tais visões, e o máximo que se pode observar em Chico Xavier é que, posteriormente, ele tenha sido um pouco mais contido no seu direitismo. Também é recomendável tomar muita cautela com posturas que soam falsamente "progressistas" e que pareçam indicar um suposto esquerdismo no "médium" (além de sua imagem adocicada e da suposta caridade a ele atribuída), porque são apenas palavras "educadas" que no entanto sugerem uma sutil aversão ou, quando muito, uma discordância "pacífica".
Se observarmos bem as coisas, o mito de Chico Xavier foi um plano que o poder midiático e religioso fez, durante a crise da ditadura militar, para criar ativistas de fachada para transmitir um tipo de filantropia conservadora, de baixos resultados sociais, na qual o benfeitor é o mais beneficiado, recebendo uma porção de aplausos, enquanto os mais necessitados só recebem um punhado de donativos e outras ações de caráter paliativo e paternalista, que não trazem emancipação real.
Chico Xavier já foi antipetista desde o começo, e seu suposto ativismo foi usado para se contrapor à figura do então líder sindicalista Lula, que representava o ativismo político e econômico voltado à transformações profundas na sociedade, que ameaçam os privilégios abusivos das classes dominantes.
Portanto, Chico era esse contraponto e simbolizou o antipetismo que os petistas que se sentem complacentes ao "médium" não percebem, porque até eles sofrem de fascinação obsessiva, seduzidos pelas montagens em que, sob um cenário celestial ou florido, aparece a cabeça do "médium" ao lado de uma frase que não é aquela beleza que se pensa (é um monte de jogos de palavras antagônicas e um receituário moralista conservador), mas que torna "linda" pela boa embalagem em que se serve esse conteúdo sem graça.
E o que se observa, ultimamente, é que o "espiritismo" brasileiro, rival das igrejas evangélicas neopentecostais - daí o outro objetivo da Rede Globo adotar Chico Xavier, que é o de fazer frente aos "pastores eletrônicos" - está se aproximando delas, se não pelo conteúdo doutrinário (o "espiritismo" continua fundamentado no Catolicismo medieval, trazido ao Brasil pelos jesuítas), mas pelas pautas conservadoras cada vez mais comuns e cada vez mais idênticas.
Seitas como a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R. R. Soares, Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, e Assembleia de Deus, de Silas Malafaia, foram favorecidas pela ditadura militar. Embora então concorrente e hoje parceira em pautas como a criminalização do aborto e o apoio aos retrocessos políticos de 2016 até agora, o "espiritismo" brasileiro, representado pela Federação "Espírita" Brasileira e tendo em Chico Xavier seu principal ideólogo, cada vez mais se aproxima dos neopentecostais pelo ultraconservadorismo e pela representação legislativa da Bancada da Bíblia.
Além disso, vêm à tona um Chico Xavier que negou que a repressão militar "era um propósito do regime", falando como um bolsonarista: "os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista".
Não há depois como arrancar um texto prolixo, falando de flores e passarinhos, dos livros posteriores de Chico Xavier, ou interpretar de maneira agradável mas equivocada frases dele sobre paz e caridade, para desfazer a sua imagem reacionária. O seu reacionarismo o acompanhou até o fim da vida, até o extinguir de suas forças vitais, ele apenas se aquietava, mas nem por isso significou que Chico teria se tornado progressista.
Ninguém tem direito de inventar o perfil das pessoas pelo pensamento desejoso, pois há o risco da realidade trair a fantasia idealizadora. E isso vale também para os "médiuns", cujo conservadorismo tem que ser reconhecido como fato e não desmentido pela falsa luz dos malabarismos da retórica, que mais protegem a fantasia diante da realidade desagradável. A realidade é dura, Chico Xavier apoiou a ditadura e hoje apoiaria Jair Bolsonaro, como tantos outros ídolos populares em evidência na grande mídia.
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