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"Espiritismo" brasileiro caminha, aos poucos, ao neoroustanguismo

(Autor: Professor Caviar)

Um grande alerta deve ser feito às pessoas. O "espiritismo" brasileiro, que nunca superou suas contradições e equívocos doutrinários, sempre fundamentado na deturpação, em níveis grosseiros, do legado de Allan Kardec, pode estar encerrando discretamente a chamada fase dúbia, que vigorou durante cerca de quatro décadas.

A fase dúbia transformou o "movimento espírita" brasileiro num "roustanguismo sem Roustaing" e num "kardecismo com Chico Xavier". Mesclava uma fingida apreciação do cientificismo original de Allan Kardec com preceitos e dogmas igrejeiros do roustanguismo, sob a desculpa de uma postura "equilibrada" que unisse as duas tendências rivais, os "místicos" e os "científicos".

A fase dúbia, que tinha como "líder" Divaldo Franco, embora Chico Xavier fosse de carona na tendência - é nessa época que seu mito foi realimentado pela Rede Globo - , era uma aparente tentativa de unir os "místicos", que adotavam os postulados igrejeiros de Os Quatro Evangelhos, de Jean-Baptiste Roustaing, e os "científicos", que seguiam as ideias originais de Allan Kardec.

Os "místicos" predominaram nos primórdios da Federação "Espírita" Brasileira e deixaram os "científicos" à margem. Mas o roustanguismo "primitivo" da FEB encontrou problemas, com a oposição de espíritas "científicos" como Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy e José Herculano Pires, que denunciaram tais irregularidades.

A crise do roustanguismo se agravou quando um membro da cúpula da FEB, Luciano dos Anjos, denunciou que os primeiros trabalhos "psicográficos" de Divaldo Pereira Franco eram plágio das obras de Francisco Cândido Xavier. Isso quase criou um conflito entre os dois "médiuns" e criaria uma crise na FEB.

A essas alturas, o mito de Chico Xavier, que não tinha recebido uma campanha "limpa" inspirada no documentário inglês sobre Madre Teresa de Calcutá, era atropelado por sérios escândalos. Acusações de charlatanismo, plágios e pastiches literários já foram alvo de processo judicial (por sorte, resultado em nada) e de ameaça de denúncias por parte do próprio sobrinho Amauri, morto de maneira estranha, possivelmente por "queima de arquivo".

Para piorar, houve o caso da ilusionista Otília Diogo, cuja farsa da "irmã Josefa" e da pseudo-materialização de outros indivíduos, teve a cumplicidade explícita de Chico Xavier. Fotos trazidas por um simpatizante chiquista haviam mostrado Chico acompanhando os bastidores, conversando animadamente e posando sorridente para o fotógrafo. 

Foi a partir desta fraude que Waldo Vieira, que chegou a sugerir nuances futuristas para o suposto perfil espiritual de André Luiz, rompeu com Chico e fundou uma seita que presidiu até o fim da vida. O episódio resultou na criminalização de Otília, embora manobras tivessem sido feitas para livrar Chico Xavier, cúmplice do caso, de qualquer encrenca. Criou-se a desculpa de que "cúmplice não é culpado" para inocentar o anti-médium mineiro.

A crise do roustanguismo ainda teve episódios como o projeto de uma tradução mais grosseiramente catolicizada da obra de Kardec por um membro da FEESP, única federação regional a receber consideração pela administração centralista da FEB. A farsa foi denunciada pelo próprio José Herculano Pires e criou um conflito entre a FEB e as federações regionais, que nunca tinham voz nem vez nos congressos da federação brasileira.

Isso fez com que os roustanguistas brasileiros, vários deles enrustidos - Chico e Divaldo seguiam as ideias roustanguistas, mas nunca assumiram tal identificação com o roustanguismo - , adotassem uma postura tendenciosa. Como Roustaing estava vinculado à cúpula da FEB, os dissidentes (não em ideias, mas em posicionamento formal) resolveram reagir fingindo uma "identificação maior" com as bases originais de Kardec, usando o professor lionês apenas como "partido político" para criar uma corrente que tivesse atuação mais destacada de federações regionais.

Diante disso, a FEB pós-Wantuil - Antônio Wantuil de Freitas saiu de cena e, anos depois, faleceu - se isolou, enquanto a fase dúbia se constituiu num movimento supostamente conciliador, em que os "ideais da fraternidade" justificavam todo tipo de contradição, em que aparentemente se acolhem tanto os "científicos" quanto os "místicos".

A postura foi bem construída e deu aos leigos uma falsa impressão de "equilíbrio", "ecumenismo" e "versatilidade". Misturando citações de personalidades científicas, fatos do mundo científico, teses filosóficas com esoterismo místico e igrejismo, a fase dúbia do "movimento espírita" buscava manter as aparências de um falso equilíbrio entre os três princípios da Doutrina Espírita descritos por Kardec: Filosofia, Ciência e Moral (vista pelos "espíritas" brasileiros sob o prisma da religião).

Só que a tendência dúbia criou contradições sérias. Enquanto a evocação de valores científicos era dada de maneira pedante, superficial e corrompida com abordagens esotéricas - a verborrágica oratória de Divaldo Franco ilustrava essas contradições - , o igrejismo era extremado, em abordagens análogas à da Igreja Católica e dotadas de profunda pieguice temperada com misticismo e moralismo.

A tendência dúbia chegava a gafes constrangedoras, como a citação dos avisos de Erasto sobre os inimigos internos do Espiritismo, já que o próprio "movimento espírita" comprova personificar esse inimigo interno, e a alegação de que o roustanguismo havia sido superado, como superado se supõe o legado do encrenqueiro ex-deputado Eduardo Cunha no projeto político do governo Michel Temer.

Mas é aquela coisa do mentor deposto, legado mantido. Como Cunha no governo Temer, que herdou as pautas do problemático ex-presidente da Câmara dos Deputados - as reformas trabalhista e previdenciária, a PEC dos Gastos Públicos e a Escola Sem Partido são bandeiras defendidas por Eduardo Cunha quando este presidia a casa legislativa - , Roustaing também foi descartado, mas sua herança mantida pelo "movimento espírita". Tanto que Chico Xavier adaptou Roustaing à realidade brasileira, o Brasil poderia descartar Roustaing. Xavier é Roustaing, Roustaing é Xavier.

Diante de tantas contradições e o fato dos "científicos" não aceitarem serem cooptados pela dupla Chico Xavier / Divaldo Franco - que usavam a "filantropia" como suposto atenuante para suas deturpações doutrinárias, forçando a aceitação resignada dos que cobram a recuperação das bases doutrinárias - também gerou a crise da fase dúbia que também não conseguiu convencer as pessoas pelo faz-de-conta mediúnico que nunca passou e mershandising religioso usando nomes de gente morta.

A ênfase nas pregações moralistas, calcadas na Teologia do Sofrimento - defendidas abertamente por Chico Xavier, com suas próprias palavras, mas sem admitir, no discurso, a referida teologia - revela uma transição gradual na postura do "movimento espírita", no qual os aspectos morais, sob uma perspectiva igrejista, se tornaram a ênfase na doutrina brasileira.

A cada vez mais o velho igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing é recuperado pelo "movimento espírita", mesmo quando o nome do autor de Os Quatro Evangelhos nunca mais seja positivamente evocado. Em compensação, o nome de Allan Kardec, em traduções igrejeiras da FEB e IDE, torna-se cada vez mais a fonte para as pregações moralistas e "fraternais" dos "espíritas".

Diante da retomada conservadora da sociedade brasileira, o "espiritismo" brasileiro cada vez mais deixará de fingir-se "progressista", "científico", "intelectualizado" ou coisa parecida. Deixará o vexame de citar Erasto, até porque os "espíritas" preferiram, em vez de rejeitar dez verdades, aceitar uma única mentira chamada Chico Xavier e tudo o que veio junto com ele.

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