(Autor: Professor Caviar)
Ainda sobre o trabalho acadêmico de Ronaldo Terra, "Fluxos do Espiritismo kardecista no Brasil: dentro e fora do continuum mediúnico", tese de mestrado para a Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), temos que deixar de sermos ingênuos a respeito do apoio de Francisco Cândido Xavier à ditadura militar.
Chico Xavier não foi forçado a apoiar a ditadura militar nem a ditadura militar foi forçada a apoiar Chico Xavier. Deixemos dessa falácia. Se Chico Xavier tinha fama de "humanista" e "progressista", ele poderia ter assumido os riscos de repudiar a ditadura militar e boicotar as homenagens oferecidas pelos generais e por políticos civis solidários ao regime. Devemos lembrar que Jesus Cristo passou toda a vida repudiando os arbítrios do Império Romano e, por isso, foi por ele condenado à cruz.
Se Chico Xavier apoiou a ditadura militar, temos que admitir o óbvio: Chico Xavier apoiou a ditadura militar. O trecho em questão, mesmo quando Ronaldo Terra tenta abafar esse apoio, falando na suposta santidade do "médium", e despejando, na sua monografia, uma inadmissível emotividade igrejista em relação ao focalizado, não consegue esconder o respaldo de Chico Xavier à ditadura militar, com um entusiasmo ímpar que deve ser considerado com os seguintes fatos:
1) Segundo o biógrafo Marcel Souto Maior, Chico Xavier prendeu a atenção de 75% dos brasileiros quando foi entrevistado no programa Pinga Fogo, da TV Tupi. Se Chico Xavier manifestou apoio à ditadura militar, nessas condições, ele tinha exata consciência do que estava fazendo e do que isso poderia trazer na posteridade;
2) As homenagens à ditadura militar, inclusive com Chico Xavier justificando a desigualdade de distribuição de renda no Brasil dessa forma: "O espiritismo nos pede paciência para esperar os processos da evolução e as ações dos homens dignos que presidem os governos", revela um apoio certeiro, convicto, firme e de difícil superação, pois Chico Xavier estava na época com 61 anos, e nos anos posteriores não teria interesse, por estar na velhice, em mudar de posição e, após os 75 anos (na época da redemocratização do país), virar um "esquerdista entusiasmado".
Vemos aqui a declaração de Chico Xavier no programa Pinga Fogo, sobre a ditadura militar:
"Temos que convir, que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje)), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades.
Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5 em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, sequestros de embaixadores e mortes de inocentes".
Chico Xavier ainda disse, no mesmo programa:
"Precisamos honorificar a posição daqueles que nos governam e que vigiam os nossos destinos. Devemos pedir para que tenhamos a custódia das Forças Armadas até que possamos encontrar um caminho em que elas continuem nos auxiliando como sempre para que não descambemos para qualquer desfiladeiro de desordem. A oração e vigilância, preconizadas por Jesus, se estampam com clareza em nosso governo atual [...]".
Em seguida, Chico Xavier usou o nome de Castro Alves para criar um suposto poema espiritual, divulgado depois no livro de psicografia fake, intitulado Castro Alves Fala à Terra, lançado em 1987. O poema, com o título ufanista de Brasil, foi lançado na época do governo do general Médici, em 1971, divulgado em pleno programa Pinga Fogo, na segunda visita do "médium", em 12 de dezembro:
BRASIL.
Brasil,o mundo a escutar-te,
Pergunta hoje ?O que e´?
Ah! Terra da minha vida
Responde as nações de pé´!
Das montanhas altaneiras,
Alonga os braços...Sansão!
Sem prepotência ou vangloria
Grava no livro da História
Novo rumo a evolução.
Contempla a sombra da guerra,
Dragão de lodo a rugir,
Envenenando a Cultura,
Ameaçando o porvir!
Fala-Assembleia de bravos-
Aos milhões de homens escravos,
Sábios.loucos Prometeus,
Do píncaro a que te elevas
Dissolve os grilhões das trevas
Na fe´que te induz a Deus!
Brada-gigante das gentes-
Proclama com destemor
Que o CRISTO aguarda na terra
um novo mundo de amor.!
Ante a grandeza que estampas
Os mortos voltam das campas
Sublimando-te a visão...
Ao progresso,Fernão Dias...
O dever mostra Caxias
Deodoro e a renovação
Dos sonhos de Tiradentes
Que alteiam sempre mais,
Fizestes Apóstolos,Gênios,
Estadistas,Generais;
De todos os teus recantos
Despontam palmas de santos
Augustos pendões de heróis!
Astros de brilhos Tamanhos...
Andrada,Feijó´,Paranhos,
Em teu céu brilham por sóis.
Desde o dia em que nasceste
Ao fórceps de Cabral,
O templo te iluminou
Na Bahia maternal!
Hoje,que o mundo te espera
Para as leis da Nova Era,
Por Brasília envolta em luz,
Que em ti a vida se integre,
De Manaus a Porto Alegre,
No espírito de Jesus!
Ao resguardar o direito,
Mantendo a justiça e o bem,
Luta e rasga o próprio peito,
Mas não desprezes ninguém!
Levanta o Grande Futuro
Ergue tranquilo e seguro,
A paz nobre e varonil!
A humanidade que chora
Clamando:"Senhor...e agora?"
O Cristo aponta Brasil!.
Vejamos o que Ronaldo Terra escreveu sobre a homenagem da Escola Superior de Guerra ao "médium", que decidiu comparecer ao evento, para desespero dos esquerdistas que se iludem com a imagem idealizada de Xavier, plantada pela Rede Globo, ironicamente, durante a ditadura militar:
"O reconhecimento não tardou, convidado pela Escola Superior de Guerra, Chico dá uma palestra aos alunos e, ao final, é homenageado com o hino da instituição cantado pelos cadetes. Enquanto sua atuação rendia comentários e protestos de religiosos e jornalistas, o médium usufruía do prestígio obtido. No dia 22 de setembro de 1972, recebeu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o título de Cidadão do Estado da Guanabara. Nesta data, estava entre os ilustres presentes, o almirante Silvio Heck".
Sílvio Heck, vale lembrar, foi um dos três militares que, na época da renúncia de Jânio Quadros, presidente da República em 1961, se mobilizaram contra a posse de João Goulart. Além de Heck (Marinha), insurgiram contra Jango os oficiais Grün Moss (Aeronáutica) e Odílio Denys (Exército). Eles estavam tramando um golpe militar em 1961 e chegaram a autorizar um atentado contra o avião que transportasse João Goulart e sobrevoasse o território brasileiro, ordem felizmente desobedecida pelos subordinados.
Chico Xavier estava entre os "kardecistas" que apoiaram o golpe militar de 1964. Segundo o historiador e biógrafo de Jango, Jorge Ferreira, os "kardecistas" participaram da Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Nem Chico Xavier nem o presidente da Federação "Espírita" Brasileira (FEB), Antônio Wantuil de Freitas, compareceram ao evento, mas deram o mais irrestrito apoio a essa passeata que pediu a derrubada do governo Jango.
Chico Xavier não poderia comparecer a uma homenagem na Escola Superior de Guerra por contragosto. Além disso, os militares eram acusados, já nessa época, de atentar contra os direitos humanos, realizando torturas e assassinatos, através da autorização dada a órgãos de tortura, como o DOI-CODI, e isso põe a tese de Ronaldo Terra em situação ridícula, pois o acadêmico tentou creditar o apoio do "médium" à ditadura militar como uma "estratégia para evitar censura", coisa que não tem pé nem cabeça.
Um ativista seria mais incisivo: se um governo era opressor, o ativista manifestaria seu repúdio firmemente, sem concessões. Preferiria o risco de ser preso e torturado, até mesmo morto. Jesus de Nazaré repudiava a tirania do Império Romano, e tantos homens e mulheres considerados de grande evolução espiritual abriram mão de suas vidas ao preferir lutar contra a opressão e a injustiça.
Chico Xavier não lutou contra a opressão e a injustiça, preferindo apoiar os opressores. Ele preferiu a sobrevivência pessoal e de sua instituição - o "movimento espírita" brasileiro - , sob a desculpa de "permanecer vivo para espalhar sua mensagem de amor e paz". Mas ele caiu em contradições, e deixou cair sua máscara de "pessoa iluminada", diante de fatos que a realidade registrou para todo mundo observar e não cair em ilusões.
É até pena que muitos ainda acreditem na imagem idealizada de Chico Xavier, associado às virtudes humanas, sem saber que isso foi uma propaganda enganosa plantada pela Rede Globo durante a ditadura militar, com o objetivo de abafar a crise da ditadura militar com um "consolador", supostamente ecumênico e acima das ideologias (apesar do direitismo escancarado do "médium"), que faria as pessoas aceitarem os retrocessos trazidos pelo governo dos generais. A ideia é desistir da luta da redemocratização, através da "consolação" trazida por Chico Xavier de que, no mundo espiritual, "a vida será melhor".
Outro propósito da ditadura é usar Chico Xavier como contraponto de ninguém menos que o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva. É triste ver os esquerdistas colocando Chico Xavier ao lado de Lula, como se fossem "almas gêmeas", ignorando que ambos sempre foram antagônicos apesar da aparente fachada de altruísmo que, em tese, une ambos.
O "médium" sempre foi um conservador doentio, tanto que a tese de que Chico Xavier apoiaria a campanha de Jair Bolsonaro se sustenta com argumentos robustos de um sentido lógico contundente, mas nunca aceito a todos, porque, para eles, Chico Xavier é o único que deve ser adorado no âmbito da fantasia, associado sempre a ideias que soam agradáveis a seus seguidores. Mas a realidade é dura: Chico Xavier REALMENTE apoiou a ditadura.
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