Pular para o conteúdo principal

"Espiritismo" é coisa de novela?

(Autor: Professor Caviar)

Pelo jeito, os brasileiros andam vendo novelas demais. O período de decadência social em que vivemos desde, pelo menos, maio de 2016, revela a liberação dos piores instintos da humanidade, desde a pretensa generosidade de arrivistas em busca de promoção pessoal até os preconceitos sociais abertamente defendidos por grupos conservadores extremistas.

Que o Brasil é uma concessão da Rede Globo, isso faz um enorme sentido. Mesmo pessoas que dizem não ir com a cara da famosa corporação da família Marinho acabam, de uma maneira ou de outra, assimilando os hábitos, crenças, saberes e até gírias trazidos pela programação da mais poderosa rede televisiva do país. 

Não são valores acima das mídias e das ideologias, mas produtos midiáticos e ideológicos que são inseridos no nosso inconsciente coletivo, fazendo como no hipnotismo mais habilidoso, em que o paciente é manipulado pelo hipnotizador sem que tenha a mínima noção de ter sido manipulado. Muitos tomam como "de livre e espontânea vontade" valores que, na verdade, foram bolados nos escritórios das Organizações Globo.

Mas é só a Globo que manipula? Não. Existe a mídia concorrente, mas ela é também solidária. Folha, Band, Record, SBT, Estadão, Abril e outros grupos midiáticos também usam métodos e ideias semelhantes à Globo, em que pesem diferenças pontuais. Mas, no conjunto da obra, observa-se uma afinidade em aspectos gerais e num processo de amplo controle social, dentro de valores conservadores que protejam os privilégios das elites e deixem o povo pobre em situações degradantes, porém socialmente controladas e estáveis.

O "espiritismo" brasileiro se notabiliza não só pelo legado deturpador inspirado em J. B. Roustaing, que fez reduzir a pó o legado de Allan Kardec - hoje rebaixado a um objeto de bajulação dos "espíritas" brasileiros - , como pela narrativa de seu histórico, que evoca uma suavidade aparentemente ingênua dos contos de fadas e uma abordagem maniqueísta que também foi herdada pelas novelas tradicionais de televisão. Ou seja, o "espiritismo" vive de uma mitologia típica de um dramalhão novelesco.

Não por acaso, as obras "espíritas" de maior sucesso são arremedos de radionovelas ou telenovelas, marcadas por um conteúdo ainda mais moralista e piegas que as obras originais. Os "médiuns espíritas", além de romperem com a função intermediária e quase anônima dos médiuns originais franceses, passaram a receber o culto à personalidade e serem adorados como se fossem mocinhos de novelas televisivas.

O "espiritismo" brasileiro tornou-se uma religião arrivista. Ela se promove usando métodos e apelos não muito lícitos. O sensacionalismo que o "médium" Francisco Cândido Xavier promoveu ao se apropriar de grandes nomes da literatura para criar uma antologia fake causou incômodo e rendeu problemas diversos, mas garantiu a ascensão do "espiritismo" diante dessa "molecagem".

Infelizmente, o arrivismo virou uma receita de sucesso aqui e ali no Brasil. Pessoas que embarcam numa causa da qual não sentem a menor afinidade, "caindo de paraquedas" sobre a mesma, passam a se apropriar dessa mesma causa com tanto empenho, que, depois de uma ascensão com muitos erros, não raro graves e preocupantes, passam a ser "donos" dessa causa como se tivessem feito parte dela desde o começo.

Daí vermos pessoas retrógradas que se ascendem numa causa avançada cometendo graves erros e nunca se arrependendo deles, antes deixando de errar por "se cansarem" de seus antigos atos, Só que, no caso de Chico Xavier, os erros ele continuou cometendo, criando textos fake atribuídos aos mortos mas nem de longe refletindo seguramente suas caraterísticas pessoais, praticando igrejismo roustanguista mesmo depois de prometer "conhecer melhor a Doutrina Espírita".

Como em muitos brasileiros a fronteira entre ficção e realidade e lógica e fantasia não são muito bem delimitadas, o que permite a hegemonia do contrassenso em muitas atividades sociais, políticas, econômicas e religiosas exercidas ou defendidas pelos atuais protagonistas sociais desde a retomada ultraconservadora de 2016, o "espiritismo" brasileiro hoje é um lodo de incoerências e inconsistências, mas é visto ainda como uma religião "honesta, transparente e moderna".

As pessoas pensam assim porque ficam entre o noticiário e a telenovela. Não por acaso, a "pedagogia" social das pessoas, na sua volta ao trabalho, é quase sempre a trilogia da novela das sete da Rede Globo, do Jornal Nacional e da novela das oito, hoje novela das nove. Entre 19h30 e 23h30, mais ou menos, as pessoas são bombardeadas por informações que misturam realidade e fantasia, principalmente se constatarmos que o Jornal Nacional traz uma interpretação distorcida da realidade.

Pensamos a "bondade" na forma paternalista do Criança Esperança. Diante do apelo moralista de saber quem fez alguma coisa, prestamos mais atenção no "benfeitor" no que nos beneficiados, e endeusamos demais a "caridade" que traz resultados medíocres e até abaixo disso, mas garantem o prestígio do "benfeitor" que recebe aplausos e prêmios demais pelo quase nada que fez.

Numa época em que ações que realmente transformam como a revalorização dos salários dos trabalhadores, e ações, ainda que paliativas, impulsionadoras de alguma emancipação social, como o Bolsa Família e as cotas raciais nas universidades, são condenadas pela sociedade moralista, assim como o antigo Projeto Paulo Freire para alfabetização de adultos, todas essas iniciativas vistas como "incentivo ao terrorismo comunista", o Assistencialismo, ou seja, a caridade fajuta, é endeusado pela sociedade, sobretudo entre os "espíritas".

Claro, as pessoas costumam mais se preocupar com "quem fez" e, no caso do Assistencialismo - que os "espíritas" dizem ser "assistência social" - , há uma preocupação maior em promover e proteger o prestígio religioso do "benfeitor" do que saber se os resultados realmente foram profundos ou definitivos, ou simplesmente não foram. Isso pouco importa, se o "benfeitor" tem prestígio religioso, "é claro que os benefícios foram muitos e transformadores", ainda que tal alegação se reduza a uma simples falácia de apelo publicitário.

As pessoas pensam a "bondade" como se fosse enredo de novela. Imaginam todo o enredo de "bom mocismo", trazido pela dramaturgia, como se fosse a "verdadeira bondade", como se o prestígio de um "benfeitor" valesse mais do que os resultados desta "caridade", geralmente medíocres, que só servem para "aliviar a dor" da pobreza do que "curá-la" de maneira radical e definitiva.

O próprio caso de Chico Xavier é ilustrativo. A Rede Globo, ao reciclar o mito do "médium" mineiro, que havia sido desenvolvido de maneira sensacionalista pela FEB no passado, sob o risco de confusões e controvérsias, trabalhou essa imagem de forma "limpa" seguindo o "roteiro dramatúrgico" que Malcolm Muggeridge fez em prol de Madre Teresa de Calcutá.

Essa "bondade de novela", no caso de Madre Teresa, foi desmascarada quando se revelou que ela deixava os seus assistidos em situações sub-humanas, deitados uns ao contato dos outros, propiciando o contágio de graves doenças. Eles eram mal alimentados e mal remediados, recebendo só paracetamol e aspirina para aliviar as dores e injeções com seringas reutilizadas e lavadas apenas com água de bica, que estão sujas de bactérias.

Isso mostra o quanto os religiosos, sobretudo "espíritas", que se acham "purificados" por uma retórica deslumbrante trazida pela mística das paixões religiosas, se perdem com tantas fantasias mitificadoras de ídolos da "caridade" abordados como se fossem heróis de dramalhões novelescos. No caso dos "espíritas", a fabulosa idolatria aos "médiuns" faz muitos sonharem voando nos céus, de mãos dadas com eles, achando que tudo é "luz, amor e paz". Até caírem no chão, em dolorosa queda, e se irritarem com a realidade que desmascara e dissolve suas fantasias dóceis e ingênuas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 3

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual. Testemunhos Lentulianos Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944) :   Em agosto de 1944, o periódico carioca “Jornal da Noite” publicou reportagens investigativas acerca da mediunidade de Francisco Cândido Xavier.   Nas suas edições de 09 e de 11 de agosto de 1944, encontram-se contra-argumentações espíritas defendendo tal mediunidade, inclusive em resposta a uma reportagem anterior (negando-a, e baseando seus argumentos, principalmente, na inexistência de “Públio Lêntulo”, uma das encarnações pretéritas do

Provas de que Chico Xavier NÃO foi enganado por Otília Diogo

 (Autor: Professor Caviar) Diante do caso do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que divulgou uma farsa alimentícia durante o evento Você e a Paz, encontro comandado por Divaldo Franco, o "médium" baiano, beneficiado pela omissão da imprensa, tenta se redimir da responsabilidade de ter homenageado o político e deixado ele divulgar o produto vestindo a camiseta do referido evento. Isso lembra um caso em que um "médium" tentava se livrar da responsabilidade de seus piores atos, como se ser "médium espírita" permitisse o calote moral. Oficialmente, diz-se que o "médium" Francisco Cândido Xavier "havia sido enganado" pela farsante Otília Diogo. Isso é uma mentira descarada, sem pé nem cabeça. Essa constatação, para desespero dos "espíritas", não se baseia em mais um "manifesto de ódio" contra um "homem de bem", mas em fotos tiradas pelo próprio fotógrafo oficial, Nedyr Mendes da Rocha, solidário a

Um grave equívoco numa frase de Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar) Pretenso sábio, o "médium" Francisco Cândido Xavier é uma das figuras mais blindadas do "espiritismo" brasileiro a ponto de até seus críticos terem medo de questioná-lo de maneira mais enérgica e aprofundada. Ele foi dado a dizer frases de efeito a partir dos anos 1970, quando seu mito de pretenso filantropo ganhou uma abordagem menos confusa que a de seu antigo tutor institucional, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Nessa nova abordagem, feita sob o respaldo da Rede Globo, Chico Xavier era trabalhado como ídolo religioso nos moldes que o jornalista católico inglês Malcolm Muggeridge havia feito no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) , em relação a Madre Teresa de Calcutá. Para um público simplório que é o brasileiro, que anda com mania de pretensa "sabedoria de bolso", colecionando frases de diversas personalidades, umas admiráveis e outras nem tanto, sem que tivesse um