(Autor: Professor Caviar)
Logo a partir do próprio casal republicano, o presidente Michel Temer e sua esposa, a jovem Marcela Temer, o Brasil ultraconservador se define.
Um casal típico do século XIX, com o sisudo marido assumindo posição patriarcalista, concentrado em assuntos políticos e econômicos de âmbito elitista, e uma esposa com idade para ser sua neta, que se casou com o hoje marido em idade de caloura universitária, e assumindo funções da chamada "rainha do lar", conforme se observou no tratamento efusivo dado pela retrógrada revista Veja.
Michel Temer simboliza a retomada do poder de setores reacionários da sociedade brasileira, dos mais diversos tipos, da seita neo-medieval Opus Dei aos cyberbullies, "valentões" que humilham os outros na Internet só porque estes discordam de valores pré-estabelecidos pela mídia, pela política e pelo mercado.
Desde que em 2014 foi eleito um Legislativo ultraconservador, com ênfase em seitas neopentecostais, mas também um reflexo de tendências retrógradas que permitiram vitórias eleitorais em 2006, 2008 e 2010, a direita, em suas várias matizes, lutou para uma gradual retomada de medidas e interesses dos mais retrógrados, dos quais o cyberbullying era apenas uma amostra informal servida para a juventude, ainda nos tempos do Orkut e dos primórdios do Facebook.
A retomada ultraconservadora do Brasil já tem muitas raízes nos tempos da ditadura militar e na mania da sociedade brasileira negociar o novo para não romper com o velho. Novos valores são sempre deturpados em prol de valores que deveriam ser considerados obsoletos ou decadentes, mas são tidos como tradicionais e atemporais. E isso atingiu o auge nos últimos meses.

Daí que vemos que o contexto permite que o "espiritismo", na prática uma reciclagem do Catolicismo medieval do Brasil colônia, através de um "médium" que é rico latifundiário, chamado João Teixeira de Faria, vulgo João de Deus, cooptar uma atriz ateia de esquerda para "agradecer" a sobrevivência a um acidente de mergulho.
Há desconfiança de que algum ator "espírita" tenha indicado João de Deus para Camila Pitanga agradecer ao acidente que não sofreu mas vitimou, durante um mergulho, o amigo e par romântico da novela Velho Chico, Domingos Montagner, morto em plena ascensão artística aos 54 anos. Teria sido Carlos Vereza, que entrou na novela depois que outro ator, Umberto Magnani, faleceu vítima de acidente vascular cerebral?
O que se sabe é que é muito estranho ir a um "médium" desses só para agradecer a sobrevida a uma tragédia. Pode-se agradecer em silêncio, num quarto, ou mesmo o agradecimento ao próprio Domingos Montagner, que impediu a amiga Camila de mergulhar com ele, já era suficiente. Da forma que ocorreu, Camila acabou fazendo propaganda para um "médium" cujas atividades são consideradas pouco confiáveis, apesar do fortíssimo prestígio religioso.
Como se não bastasse o "espiritismo" igrejista que existe no Brasil, mais distante de Allan Kardec do que do imperador romano Constantino, e figuras como o próprio Chico Xavier, beato católico, adorador de imagens de santos e pregador de ideias ultraconservadoras calcadas na Teologia do Sofrimento, João de Deus, até pela conhecida irregularidade mediúnica, não teve coragem de fazer cirurgia de si mesmo quando se descobriu portador de grave doença.
João foi simplesmente derrotado com isso. Afinal, há casos de pessoas que fizeram auto-cirurgias bem sucedidas fora desse meio de "médiuns curandeiros" que se envaidecem de estarem à margem da ciência para promoverem "milagres". Com mais respeito ao trabalho científico, vários médicos e cientistas realizaram as próprias cirurgias, apenas contando com a ajuda de alguns assistentes. O médico russo Leonid Rogozov é o caso mais famoso de autocirurgia, quando ele trabalhava na extremamente fria Antártica, sofrendo uma apendicite aguda que poderia ter lhe matado.
Não deixa de ser ilustrativo isso. Uma atriz ateia, esquerdista, enteada de uma parlamentar do PT, recorrer a uma religião ultraconservadora e radicalmente deísta, a um latifundiário que é suposto médium e foi consultado por Aécio Neves, indica a subordinação de uma sociedade progressista que chegou a viver 13 anos de relativo protagonismo através dos governos petistas na República, e que hoje foram rebaixados a meros figurantes sociais a assistir estupefatos à implantação de retrocessos políticos diversos.
Daí que o Brasil tinha mesmo que manter em pé esse "espiritismo" que não é mais do que um disfarce para o Catolicismo medieval jesuítico do período colonial, que, deixado para trás pelas principais correntes da Igreja Católica, formou uma dissidência e pegou carona na novidade francesa da Doutrina Espírita, criando apenas uma cobertura nova para um recheio velho e mofado. O "espiritismo" medieval poderia mesmo ser bem sucedido dentro do "espírito do tempo" do Brasil ultraconservador, marcado sempre pela supremacia histórica das elites retrógradas em nossa sociedade.
Comentários
Postar um comentário