Pular para o conteúdo principal

O "espiritismo" igrejista e a "fraternidade do joio e do trigo"

(Autor: Professor Caviar)

"Não amaldiçoe a erva daninha, dialogue com ela. Não extermine o vírus ou o verme, tenha misericórdia e extraia deles uma lição positiva para a vida". É o que vemos no "espiritismo", doutrina que sempre quer ficar com a palavra final para tudo, impondo seu igrejismo como se a religião fosse o fim máximo de tudo. E não é.

Um texto de um conhecido palestrante "espírita" tenta misturar os alhos com bugalhos, numa suposta "união fraterna". Tenta juntar duas figuras extremamente opostas, o jesuíta Emmanuel e o pedagogo Allan Kardec, algo que, numa teoria pedagógica, seria misturar o projeto medieval Escola Sem Partido com o progressista Paulo Freire.

O palestrante "espírita", forjando um falso equilíbrio, define como "inúteis" as polêmicas em torno do "movimento espírita". E acha que, abrindo mão do "exclusivismo científico em detrimento do aspecto religioso", se aproveitará melhor o "entendimento dos postulados espíritas".

Evocando um Allan Kardec deturpado em traduções igrejistas, o "amigo palestrante" se esquece que as ideias religiosas que defende tem muito a ver com Jean-Baptiste Roustaing, não com Kardec. Mas Roustaing, assim como o deputado Eduardo Cunha, foi escondido debaixo do tapete. Esse é um hábito existente no Brasil, em que a dissimulação é muitas vezes mais nociva do que a própria mentira.

Esquece ele que a ideia de Deus é obscura, duvidosa, discutível e controversa, e revela uma sutil hierarquização da humanidade, através de um "chefe invisível" que tudo manda e decide. Arrogam-se os "espíritas" em geral, não só o palestrante mas tantos outros que pensam igual a ele, de que a única certeza é o incerto, como se os homens fossem brinquedos de alguém que não sabemos que forma ou que perfil realmente tem.

Além disso, é bom deixar claro que, nas obras bíblicas, fonte de todo o ideário "espírita" adotado no Brasil - não esqueçamos que, pela comprovação por fatos históricos, o "espiritismo" brasileiro é herdeiro do Catolicismo português, que historicamente custou séculos a se livrar de ideias medievais - , a figura de Deus aparece como um genocida, um tirano invisível, um criador de catástrofes.

O fato de que devemos aceitar Deus como uma certeza é botar "cortina de fumaça" nas dúvidas que temos e nos estágios de raciocínio que temos. E, além disso, essa condenação que o palestrante dá ao que ele define como "exclusivismo da Ciência" revela que não devemos levar adiante nossos questionamentos.

Isso é compreensível. Paciência, o "espiritismo" brasileiro é uma doutrina ultraconservadora, apenas com métodos e perspectivas diferentes das seitas evangélicas, mas igualmente obscurantista, mas muitas vezes agindo pior do que os chamados "neopentecostais" pela dissimulação que os "espíritas" agem quando não assumem a deturpação do pensamento de Kardec e a herança roustanguista.

O "espiritismo" brasileiro esteve ao lado da Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, movimento que pediu a ditadura militar. E, quando a ditadura patrocinava as ações facínoras do DOI-CODI, em 1971, o "médium" Francisco Cândido Xavier, o "amável" Chico Xavier, pedia para orarmos em favor das Forças Armadas que estavam "construindo o reino de amor do Brasil futuro". Que "reino de amor" é esse que se constrói com derramamento de sangue?

Recentemente, os "espíritas" apoiaram as manifestações do 13 de Março de 2016, os protestos anti-Dilma que, por ironia, eram marcados por ódio e pela revolta. Uma das "iluminadas" organizadoras destes eventos de "despertar político" e "libertação humanitária" se chama Revoltados On Line. Entre os apelos "fraternos" exibidos, estavam mensagens tipo "Por que não mataram todos em 1964?". Entre os "admiráveis símbolos" mostrados nas "libertadoras" passeatas estavam suásticas nazistas.

Além disso, recentemente as "crianças-índigo" desses "iluminados" eventos dispararam comentários ofensivos contra a atriz Letícia Sabatella, que ironicamente havia feito o papel da mãe de Chico Xavier num filme biográfico. Eram pessoas que só apoiaram a atriz quando uma vez ela bebeu demais numa festa, mas quando Letícia milita contra o governo golpista de Michel Temer, elas não gostam.

Esquece o "espírita" que Allan Kardec era muito cauteloso no aspecto religioso. Na verdade, ele rejeitava a restrição dogmática e igrejeira, e mesmo sua ideia de Deus, embora ele não rejeitasse como os ateus o fazem, era vista de maneira duvidosa e não certeira. Enganam-se os "espíritas" que Kardec falava do sentimento religioso como se fosse a defesa de sistemas igrejeiros.

TEXTO DE EMMANUEL CONDIZ COM PROJETO PEDAGÓGICO DIVULGADO POR ALEXANDRE FROTA

Esquece o "espírita" que muitas das ideias trabalhadas pelo jesuíta Emmanuel, em cujas obras se identificam ideias retrógradas como o machismo, o racismo, o anti-semitismo e a própria reprovação do raciocínio questionador. "Não questione", "não conteste", "não reclame", são os apelos que o retrógrado espírito insistia em pregar para as pessoas.

Nos pregadores religiosos, há um interesse oculto em ver as pessoas se comportarem como ovelhas. Todas iguais, quietas, resignadas, seguindo o capataz (pregador religioso, palestrante "espírita"?) sob as ordens do "coronel" da fazenda (Deus?).

No Catolicismo medieval, lançou-se abertamente a analogia da humanidade como um "rebanho". As pessoas seriam idealizadas como carneiros submissos. O "pecado original" da fábula de Adão e Eva - que durante séculos praticamente monopolizou a abordagem sobre a origem da humanidade - era trabalhado pelo discurso sacerdotal como o que o "espírita" define hoje como "exclusivismo da ciência".

O "exclusivismo da ciência", os "excessos de ciência", a "overdose dos pensamentos" tudo isso são eufemismos que o discurso "espírita", tão preocupado com a posse da palavra final - garantida pela ilusão da superioridade religiosa - , faz contra o ato livre de pensar e questionar as coisas, e revela a eterna insegurança do dogmatismo religioso em se ver derrotado pela coerência científica, com suas provas consistentes e contundentes contra os devaneios da fé.

Em tempos de Escola Sem Partido, a medieval escola que, implicitamente, é apoiada pelos "espíritas" (na medida em que o projeto pedagógico dá preferência aos devaneios religiosos do que à análise crítica da realidade), vamos verificar os trechos selecionados do medieval livro intitulado apenas Emmanuel, sob o subtítulo "O Tóxico do Intelectualismo":

"Nos tempos modernos, mentalidades existem que pugnam pelo desaparecimento das noções religiosas do coração dos homens, saturadas do cientificismo do século e trabalhadas por ideias excêntricas, sem perceberem as graves responsabilidades dos seus labores intelectuais, porquanto hão de colher o fruto amargo das sementes que plantaram nas almas jovens e indecisas".

"Pede-se uma educação sem Deus, o aniquilamento da fé, o afastamento das esperanças numa outra vida, a morte da crença nos poderes de uma providência estranha aos homens. Essa tarefa é inútil. Os que se abalançam a sugerir semelhantes empresas podem ser dignos de respeito e admiração, quando se destacam por seus méritos científicos, mas assemelham-se a alguém que tivesse a fortuna de obter um oásis entre imensos desertos. Confortados e satisfeitos em na sua felicidade ocasional, não vêem as caravanas inumeráveis de infelizes, cheias de sede e fome, transitando sobre as areias ardentes".

"O sentimento religioso é a base de todas as civilizações. Preconiza-se uma educação pela inteligência, concedendo-se liberdade aos impulsos naturais do homem. A experiência fracassaria. É ocioso acrescentar que me refiro aqui à moral religiosa, que deverá inspirar a formação do caráter e do instituto da família e não ao sectarismo do círculo estreito das igrejas terrestres, que costumam envenenar, aí no mundo, o ambiente das escolas públicas, onde deverá prevalecer sempre o mais largo critério de liberdade do pensamento".

"Em cada século o progresso científico renova a sua concepção acerca dos mais importantes problemas da vida. Raramente os verdadeiros sábios são compreendidos por seus contemporâneos. Se as contradições dos estudiosos são o sinal de que a Ciência evolve sempre, elas atestam, igualmente, a fraqueza e inconsistência dos seus conhecimentos e a falibilidade humana".

"Diz-se que o pensamento religioso é uma ilusão. Tal afirmativa carece de fundamento. Nenhuma teoria científica, nenhum sistema político, nenhum programa de reeducação pode roubar do mundo a ideia de Deus e da imortalidade do ser, inatas no coração dos homens. (...) A religião viverá entre as criaturas, instruindo e consolando, como um sublime legado. (...) O que se faz preciso, em vossa época, é estabelecer a diferença entre religião e religiões. A religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens, falíveis e imperfeitas como eles próprios (...)."

O que o "espírita" esquece é que a Ciência se aperfeiçoa e caminha para a frente. E o "excesso de ciência" e seu suposto "exclusivismo" servem para corrigir problemas, identificar contradições e falhas, analisar equívocos. Se tivéssemos que evitar esse "excesso", estaríamos justamente estacionados e estagnados nos erros que os religiosos atribuem à "overdose da ciência".

Por outro lado, o texto - que poderia muito bem se passar por um panfleto da Escola Sem Partido e Emmanuel, com certeza, ficaria muito orgulhoso com o advogado Miguel Najib e seu garoto-propaganda, ninguém menos que o ator Alexandre Frota, que defende a "intervenção militar" no país - entra em uma séria e grave contradição através do trecho que mais uma vez reproduzimos:

"O que se faz preciso, em vossa época, é estabelecer a diferença entre religião e religiões. A religião é um sentimento divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens, falíveis e imperfeitas como eles próprios".

Isso é como cortar a barra de aço que liga duas pontas com uma tesoura de trabalho de jardim de infância. "Religiões", não bastando ser um plural de "religião", são seitas que surgem justamente dessa abordagem feita por Emmanuel, uma divisão hierarquizada de instituições: Deus, homem, seita religiosa. "Religiões" são instituições que, por sua organização em diferentes grupos sociais, variam em ideias e procedimentos, mas são produto inevitável do sentimento religioso.

Mas a contradição maior está na ideia de religião como "sentimento divino que prende o homem ao Criador", e que desqualifica adjetivos como "libertação" e "emancipação humana". Até porque, necessário lembrar, a ideia de religião defendida por Emmanuel consiste num sistema de dogmas igrejeiros e, embora a perspectiva fale apenas da "livre ligação entre homem e Deus", numa apropriação de um enunciado filosófico, num momento ou em outro o igrejismo sempre aparece.

Além disso, quem é "livre" ou "liberto" sendo "preso"? E o que dizer do "espiritismo" que, com suas sérias e gravíssimas contradições - as "polêmicas inúteis" de que o "amigo palestrante" tanto cita se referem à desonestidade doutrinária do "movimento espírita", que nunca passou de um roustanguismo enrustido - , em que pessoas fazem tratamentos espirituais para virarem depois "brinquedos" para circunstâncias funestas e deprimentes? O homem é "brinquedo de Deus"?

POUCAS E BOAS SOBRE OS "ESPÍRITAS"

O que o palestrante se esquece é que entender os postulados espíritas autênticos vai, de forma inevitável e dolorosa (para os "espíritas" brasileiros), justamente no aprofundamento do questionamento científico, do pensamento contestador que era reprovado por Emmanuel.

Vendo com muita cautela a obra O Livro dos Médiuns, na tradução honesta, em semântica e linguagem, ao livro original, feita por José Herculano Pires, é um documento de ideias que praticamente vão contra o que Chico Xavier e Divaldo Franco fizeram, sendo portanto um prato amargo que os "espíritas" brasileiros comem pela metade, um tanto envergonhados.

Alguns avisos do espírito São Luís, publicados no capítulo 24, "Identidade dos Espíritos", da referida obra de Allan Kardec, parecem dirigidas a Emmanuel e não lhe são de modo algum agradáveis:

"A linguagem dos Espíritos inferiores ou vulgares é sempre algum reflexo das paixões humanas. Toda expressão que revele baixeza, auto-suficiência, arrogância, fanfarronice, mordacidade é sinal característico de inferioridade. E de mistificação, se o Espírito se apresenta com um nome respeitável e venerado". (item 4)

"Os maus falam de tudo com segurança, sem se importar com a verdade. Toda heresia científica notória, todo princípio que choque o bom senso revela a fraude, se o Espírito se apresenta como esclarecido". (item 7)

"Os Espíritos levianos são ainda reconhecidos pela facilidade com que predizem o futuro e se referem com precisão a fatos materiais que não podemos conhecer. Os Espíritos bons podem fazer-nos pressentir as coisas futuras, quando esse conhecimento for útil, mas jamais precisam as datas. Todo anúncio de acontecimento para uma época certa é indício de mistificação". (item 8)

"Os Espíritos inferiores ou pseudo-sábios escondem sob frases empoladas o vazio das idéias. Sua linguagem é freqüentemente pretensiosa, ridícula ou ainda obscura, a pretexto de parecer profunda". (item 9)

"Os Espíritos bons jamais dão ordens: não querem impor-se, apenas aconselham e se não forem ouvidos se retiram. Os maus são autoritários, dão ordens, querem ser obedecidos e não se afastam facilmente. Todo Espírito que se impõe trai a sua condição.

São exclusivistas e absolutos ns suas opiniões e pretendem possuir o privilégio da verdade. Exigem a crença cega e nunca apelam para a razão, pois sabem que a razão lhes tiraria a máscara." (item 10)

Tudo isso se encaixa em Emmanuel, ao qual se verificam textos empolados, conduta autoritária, pretensão de ter a posse da verdade, supor datas futuras com estranha precisão, arrogância e o medo de que, diante da contestação alheia, seja desmascarado.

Daí os relatos "sábios" do livro que leva o nome do leviano espírito, e sua condenação ao suposto "excesso exclusivista" da ciência. A condenação do livre raciocínio, quando ele chega ao terreno da religião, amedronta os "espíritas" que, deturpadores, pregam a "união fraterna do joio e do trigo".

Há, portanto, o grande medo do "movimento espírita" pelo questionamento aprofundado. Iludidos pelo status religioso, diante da fortuna simbólica da fé e de seus dogmas e ritos, eles apelam para reprovar o "exclusivismo da ciência", para que o terreno da religião seja evitado pelo pensamento investigativo.

Infelizes os que pregam de tal forma contra o "exclusivismo da ciência", já que usam a religião como um escudo para disfarçar sua insegurança, ante o risco de ver as "verdades" dogmáticas da fé religiosa serem derrubadas uma a uma. 

Daí que, apoiados em pretensos paradigmas de "amor e bondade", os "espíritas" tentam justificar o igrejismo que professam. Desesperados, combatem a lógica e a coerência impondo o que definem como a sua "lógica e coerência", a "fraternidade do joio e do trigo", "o perdão à erva daninha que enfraquece a árvore" e a aceitação passiva das mistificações que corrompem a doutrina kardeciana.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 3

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual. Testemunhos Lentulianos Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944) :   Em agosto de 1944, o periódico carioca “Jornal da Noite” publicou reportagens investigativas acerca da mediunidade de Francisco Cândido Xavier.   Nas suas edições de 09 e de 11 de agosto de 1944, encontram-se contra-argumentações espíritas defendendo tal mediunidade, inclusive em resposta a uma reportagem anterior (negando-a, e baseando seus argumentos, principalmente, na inexistência de “Públio Lêntulo”, uma das encarnações pretéritas do

Provas de que Chico Xavier NÃO foi enganado por Otília Diogo

 (Autor: Professor Caviar) Diante do caso do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que divulgou uma farsa alimentícia durante o evento Você e a Paz, encontro comandado por Divaldo Franco, o "médium" baiano, beneficiado pela omissão da imprensa, tenta se redimir da responsabilidade de ter homenageado o político e deixado ele divulgar o produto vestindo a camiseta do referido evento. Isso lembra um caso em que um "médium" tentava se livrar da responsabilidade de seus piores atos, como se ser "médium espírita" permitisse o calote moral. Oficialmente, diz-se que o "médium" Francisco Cândido Xavier "havia sido enganado" pela farsante Otília Diogo. Isso é uma mentira descarada, sem pé nem cabeça. Essa constatação, para desespero dos "espíritas", não se baseia em mais um "manifesto de ódio" contra um "homem de bem", mas em fotos tiradas pelo próprio fotógrafo oficial, Nedyr Mendes da Rocha, solidário a

Um grave equívoco numa frase de Chico Xavier

(Autor: Professor Caviar) Pretenso sábio, o "médium" Francisco Cândido Xavier é uma das figuras mais blindadas do "espiritismo" brasileiro a ponto de até seus críticos terem medo de questioná-lo de maneira mais enérgica e aprofundada. Ele foi dado a dizer frases de efeito a partir dos anos 1970, quando seu mito de pretenso filantropo ganhou uma abordagem menos confusa que a de seu antigo tutor institucional, o ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Nessa nova abordagem, feita sob o respaldo da Rede Globo, Chico Xavier era trabalhado como ídolo religioso nos moldes que o jornalista católico inglês Malcolm Muggeridge havia feito no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God) , em relação a Madre Teresa de Calcutá. Para um público simplório que é o brasileiro, que anda com mania de pretensa "sabedoria de bolso", colecionando frases de diversas personalidades, umas admiráveis e outras nem tanto, sem que tivesse um